
O preço do grão moído do café subiu mais de 66,12% nos últimos 12 meses em Porto Alegre, aponta o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Nos supermercados da Capital, o produto chega a ser encontrado por cerca de R$ 35. Outros negócios, como cafeterias e torrefações, também já sentem o impacto e se adaptam às mudanças, repensando estratégias. Para verificar o cenário, Zero Hora conversou com 10 empreendimentos do ramo da cidade.
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade no dia 10 de março, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, disse que a alta do café e de outros alimentos deve persistir. Ele atribui a elevação no preço a questões climáticas em todo o mundo.
— Temos a resistência no café, por conta de problemas climáticos no mundo e no Brasil — observou.
A reportagem conversou com representantes de 10 empreendimentos de Porto Alegre para entender como eles foram impactados pelo encarecimento da matéria-prima. Todos os negócios afirmaram ter sido afetados financeiramente.
A maioria deles ainda não consegue medir numericamente e de maneira precisa qual foi o prejuízo — ou a nova realidade financeira. O impacto em alguns chegou a ser de 100%, com sacas de café sendo vendidas pelos produtores pelo dobro do preço.
Félix Zucco, 37 anos, é o dono do Síndico Torra e Café, localizado no Centro Histórico. Ele relata que, há um ano e meio, pagava entre R$ 1,3 mil e R$ 1,6 mil em uma saca de 60 quilos de café verde — já que o empreendimento é uma micro torrefação e torra o próprio café. Hoje, nessa mesma quantidade de produto, ele precisa desembolsar mais de R$ 3 mil.
— É praticamente o dobro do valor para a mesma quantidade de café que a gente comprava antes. Financeiramente é difícil, a gente não consegue repassar todo esse aumento na nossa ponta final, no consumidor — disse.
Félix não tem um grande otimismo quanto ao recuo desse valor, devido às questões climáticas. Ele aponta que o plano do negócio é manter uma boa comunicação com a clientela sobre as mudanças de mercado, adaptar o negócio e, se necessário, até modificar algumas estratégias na hora da venda.
Entre os entrevistados, todos os 10 já repassaram o aumento para os cardápios, impactando também o consumidor final que, agora, paga mais caro no cafezinho.
Apesar da alta, uma minoria sentiu mudança no movimento: dois relatam que a clientela diminuiu a frequência e um deles destaca que essa diminuição do movimento vem desde a pandemia. Outro também atribui a menor movimentação ao verão e à diminuição de pessoas na cidade.
Já em relação ao interesse do público pelo café especial, o cenário é de otimismo. Ninguém respondeu que acredita que esse pico do valor deve afastar os clientes fiéis das cafeterias, pelo contrário. Alguns empreendedores apostam que esse movimento do "café de supermercado" mais caro pode aproximar novos consumidores ao café de maior qualidade. O perfil do consumidor do café especial pode explicar esse fenômeno.
O que é café especial?
O especialista Gustavo Machado Leão, 25 anos, é formado em Gastronomia e tem mais de 10 anos de experiência com cafés especiais, trabalhando como barista, mestre de torra e ministrando cursos para outros profissionais da área.
Ele contextualiza que a partir de 2014, Porto Alegre viveu um “boom de abertura de cafeterias focadas em cafés de qualidade”, efeito que, segundo ele, “educou boa parte do público que frequenta esses lugares”. Isso porque o café especial possui algumas características que o diferencia dos demais.
Ele explica que, na hora da colheita, os frutos do café selecionados e sem defeitos são os que vão virar os grãos de café especial. Já aqueles defeituosos que não vão ter o gosto tão agradável são processados numa “torra escura", que acaba disfarçando o gosto e é vendido em larga escala — esse é aquele café que a maioria das pessoas compra no supermercado.
Os entusiastas do café especial geralmente se interessam pelo produto, notas sensoriais, métodos de preparo e, principalmente, pela qualidade da bebida, e também acabam pagando um valor mais elevado na hora de consumir.
— O café é avaliado em uma escala de zero a cem pontos, por um avaliador profissional Q-grader (profissional de degustação certificado). Basicamente, o que diferencia o café de supermercado para o café especial é a qualidade da matéria-prima e, consequentemente, sua pontuação — explica.
Para Gustavo, mudanças como aumento de preço são “incertas” e podem assustar trabalhadores da área, “desde o produtor até o barista”. Ele ainda diz acreditar que uma das formas de driblar essas consequências seria adotando métodos de cultivo mais sustentáveis, como o sistema agroflorestal (SAF), onde o café é cultivado com outras culturas, “equilibrando o ecossistema”.
— Eu acredito que as pessoas vão seguir comprando, isso é fato. Uma vez que o paladar foi educado para um produto de maior qualidade, é muito difícil regredir. Porém, com certeza, pode impactar em algumas casas, reduzindo o consumo — completa.
Novos consumidores
O especialista Gustavo Leão acrescenta que, apesar da qualidade inferior, os cafés de supermercado não são ruins. Neles, há memória afetiva, hábitos e a cultura. Geralmente, é esse café o “mais barato” e o que dá energia no trabalho, por exemplo.
Lucas Eibs, 32 anos, proprietário do Café Porto Farrô, localizado na Avenida Venâncio Aires, no bairro Farroupilha, aponta possibilidade de conversão de novos adeptos ao café de maior qualidade, já que o café mais barato não é mais tão barato assim:
— Acredito que o consumidor que compra café em supermercado foi o que mais sentiu esse impacto, tendo em vista que o preço dos cafés de baixa qualidade (tradicional e extraforte) chegaram muito perto dos preços de cafés gourmet, por exemplo. Se olharmos com otimismo, esse problema traz os holofotes para o tema, permitindo que possamos apresentar os cafés de especialidade e defender seus benefícios.
Ele ainda destacou que em 2024 a cafeteria sofreu o primeiro aumento significativo “em quase quatro anos” de operação. Eibs dá como exemplo o café espresso simples que antes custava R$ 8 e agora custa R$ 10.
Eurico Albrecht Júnior, 39 anos, do Café da República, localizado no bairro Cidade Baixa, também defende a chegada de novos adeptos nesse momento.
— Se o café commodity (mais populares vendidos em supermercados) acaba subindo, assim como foi no caso da cerveja artesanal, a pessoa se dispõe a pagar um pouquinho a mais para ter uma experiência um pouco melhor — sugere.
Ele ainda aposta na comunicação com o público para fomentar o consumo consciente.
Guert Schinke, 40 anos, é o dono da Baden Torrefação de Cafés Especiais. Com sedes nos bairros Passo d'Areia e Centro Histórico, o empreendimento fornece cafés para mais de 70 estabelecimentos no Rio Grande do Sul. Ele explica que o negócio teve reajustes nos valores. Na cafeteria, o acréscimo foi de 10% e o aumento nos pacotes para revenda foi de cerca de 15%.
— Nossa demanda tem aumentado ao longo dos anos, cerca de 10% no ano, mas os custos têm subido muito mais — relata.
Mesmo com a maioria dos empreendedores não enxergando um impacto no movimento, Schinke aponta que as mudanças de temperatura podem revelar mudanças de comportamento da clientela, já que, segundo ele, o consumo aumenta com o clima mais ameno.
Próximas estratégias
Muitos empreendedores citaram a "diminuição na margem de lucro", já que não repassaram o aumento, na sua totalidade, para o cliente final.
Nesse contexto, as estratégias de venda, reforço de marca e atribuição de valor ao produto são importantes para acompanhar o crescimento do preço desembolsado.
Alguns citam diminuir a quantidade de café no pacote, para não aumentar o preço. Outros apostam em ações, eventos e comunicação com o público alvo.
— Quando falamos em café especial falamos de gente. Gente que produz, que prepara, que compartilha e que divide. Queremos que produtores, torradores e baristas sejam bem remunerados, mas também queremos tornar o café especial mais acessível, para que mais e mais pessoas possam usufruir de seus inúmeros benefícios — frisa o empresário Lucas Eibs.
*Produção: Estfany Soares