Cruzar a porta do Mercado Público de Porto Alegre é uma experiência impossível de ser ignorada. A multiplicidade de tipos, cores e cheiros é parte indissociável do local, que, sem pedir licença, apresenta-se aos visitantes. Uma das mais célebres responsáveis por essa característica estará em festa nesta quarta-feira (27). Encravada no coração do prédio histórico, a Banca do Holandês completa 100 anos em atividade.
A partir das 16h, uma festa com balões e Parabéns a Você embalado por um saxofonista marcará o centenário da banca de número 31. O evento, com direito a bolo, será aberto ao público.
— Vamos comemorar. Vai ter música, um bolinho e degustação de queijos e pastinhas. Nossa relação com os clientes sempre foi muito próxima e informal. Tem muito afeto aqui — sorri a proprietária Adriana Schimitt Alcântara Rosa, 55 anos.
Referência na venda de produtos como bacalhau, fiambres e frutas secas, a loja é considerada a primeira de especiarias da Capital. O nome refere-se ao fundador, Dirk van der Brul. Nascido na Holanda, dedicou-se até o fim da vida ao estabelecimento, que, há 36 anos, foi assumido pelo sogro de Adriana.
A fama veio já nos primeiros anos, e consolidou-se com o passar do tempo. O tratamento atencioso — é comum os atendentes oferecerem "provinhas" à clientela —, a variedade de produtos — somente de queijos, são mais de 30 tipos, do colonial ao importado — e o padrão de qualidade — a mortadela é cortada finíssima, e as embalagens, ainda hoje, são feitas em papel e amarradas com barbante — são marcas registrada da loja, que fidelizou clientes ao longo das décadas.
— Tem pessoas que atendo hoje que são da terceira geração. Teve uma vez que a filha de uma cliente veio aqui e eu não estava. Quando chegou em casa, a mãe perguntou se eu tinha cortado os frios, e ela disse que sim. Mas ela abriu o pacote e percebeu que estavam diferentes. Acho que as pessoas se acostumam, criam vínculo — conta o gerente Paulo César Boeira Eloy.
Não é difícil encontrar quem se encaixe no perfil descrito por Eloy. Degustando uma provinha de mortadela enquanto aguarda pelo pacote com frios e goiabada, o arquiteto João Henrique Dias, morador de São Leopoldo, recorda que começou a frequentar o local há mais de 20 anos, por influência do pai. Desde então, passar na Banca do Holandês é parte indispensável das viagens à Capital.
— Me surpreendi ao saber que é tão antiga. Vir aqui é uma coisa de família, tradição mesmo. Toda vez que tenho reunião aqui passo para pegar alguma coisa — relata.
Moradora da Zona Sul, Dina Santiago, 60 anos, também aproveita as passagens pelo Centro para comprar castanhas, queijo e presunto no local ou no Empório 38 (que pertence à mesma família). O principal motivo para ter adotado as duas bancas, segundo diz, é a qualidade dos produtos.
— Quando a experiência é boa, a gente volta — avalia.
Funcionário mais antigo da casa, Reinaldo Serafim, 74 anos, endossa o coro. Depois de dois anos aposentado, voltou para trás do balcão. A justificativa oficial era pragmática: queria dinheiro extra para trocar de carro. Mas logo deixa claro que o lugar ao qual dedicou quase 40 anos da vida — começou no tempo em que a conta era feita na ponta do lápis — representa mais do que uma simples fonte de renda.
— Aqui o tempo passa rápido, e tem clientes que viraram amigos. Alguns, mais antigos, vêm e ficam esperando para serem atendidos por mim. É gratificante — diz o veterano, que reconhece sem falsa modéstia sua contribuição para o sucesso da banca:
— É só olhar ao redor: agora não tem ninguém nas outras, e tem gente esperando aqui. Deve ter alguma coisa nessa banca, né... O segredo é o atendimento. Quem não gosta de ser bem atendido?