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Quando Jorge Souza, o Joca, está sem muita paciência de explicar o que faz um plastimodelista e o interlocutor é alguém já com alguns cabelos brancos, simplifica:
– Eu monto aviãozinho da Revell – referência à fabricante norte-americana mais famosa de réplicas em escala de carros, aviões e veículos de combate, famosa no Brasil há algumas décadas.
Quem passar neste final de semana pelo DC Shopping, no bairro Navegantes, vai descobrir que o plastimodelismo é muito mais do que montar aviõezinhos. Especialmente se puxar papo com algum dos 24 jovens senhores com os dizeres Xtreme Modelling Latin America em verde-limão nas camisetas pretas. Será o quinto evento organizado pela União dos Plastimodelistas de Porto Alegre (UPPA), e o primeiro com convidados internacionais.
Em exposição, estarão obras visualmente impressionantes por si só, mas que ficam ainda mais bacanas descritas pelos seus criadores. Joca, por exemplo, tornou-se especialista em reproduzir, mais do que veículos, cenas completas de guerra. Como descreve:
– Esta aqui se passa em um vilarejo da Hungria, na Segunda Guerra Mundial, no inverno. Comprei esse schwimmwagen (veículo anfíbio alemão), mas o motorista estava em uniforme de verão, então troquei por esses dois soldados. Esse outro soldado de casacão e fuzil não existia, então montei com pedaços de outros. É o que no modelismo chamamos de Frankenstein.
Originalmente, tudo é plástico desmontado de uma cor neutra. Cada peça é montada, colada e pintada até o branco dos olhos dos soldadinhos. O preciosismo na reprodução se compara com a criatividade nas improvisações. O casebre de pedras húngaro, por exemplo, é feito do isopor que servia de base para uma pizza congelada. O barro é uma mistura de tintas de artesanato com verniz.
O que muda de um modelista para outro, sobretudo, é a especialidade e a escala. Enquanto para observar todas as habilidades de Joca é preciso de uma lente de aumento, Francisco Paquilin se dedica a veículos e soldados na escala de 1:6 (cada centímetro replicado é seis vezes menor do que o tamanho real). Os personagens são figuras do tamanho dos bonecos Ken, o namorado da Barbie, só que nazistas.
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– Cada escala tem seus desafios. Em 1:6 eu ganho em área para trabalhar, mas, para fazer um detalhamento, passo bem mais trabalho. Em compensação, esse jipe tem mapas, documentos, e até rádio – mostra Paquilin, que gravou uma narração do jogo Call of Duty para seu kubelwagen.
Todos os plastimodelistas falam das obras como pais babões com a belezura dos filhos. E também com a mesma preocupação com a integridade física deles. Alexandre Lepke, enquanto guarda suas kombis e fusquinhas em paninhos dentro de tupperwares, lembra da vez em que quase enfartou quando o falecido apresentador de TV Clóvis Duarte resolveu ver se um Fusca andava sobre a bancada. Os próprios montadores fazem bullying entre si com a delicadeza das peças.
– E essa hélice aqui gira? – um fala, para que o dono da réplica olhe aterrorizado.
Nessa e em outras situações, fica claro que o grande barato da UPPA é reunir pessoas que entendem umas as outras. Riem das mesmas piadas, têm os mesmos tipos de problemas em casa – "platimodelismo depende de tempo, disponibilidade, paciência e paciência da esposa" – e sofrem os mesmos desfalques na conta bancária, gastando em kits importados que podem custar pequenas fortunas. Manejar o tempo é outro desafio. É comum eles espalharem relógios em diferentes paredes de um mesmo cômodo, a fim de não entrarem, sem querer, madrugada adentro entre submarinos, blindados e afins.
Há cerca de um ano, o grupo ganhou uma sede na Zona Norte: um imóvel alugado pequeno, mas com larga bancada, boa iluminação e bom terraço para relaxar e alongar de tempos em tempos. Não é preciso muito mais para fazer um plastimodelista feliz.
– Cada um monta o seu kit, mas aqui na bancada a gente troca experiências, técnicas e faz amigos. Serve para atrair gente também. Pessoas que montam escondidas, mas têm vergonha. Às vezes combinamos de fazer uma comida e passar a madrugada montando – conta Everton Viera, presidente do grupo.
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Ali, eles também compartilham histórias de terror. Como a vez em que a faxineira de um deles resolveu fazer uma surpresa e organizar a bancada do chefe. Atenciosa, passou aspirador, limpou e guardou cada uma das milhares de pecinhas.
– Ah, ficou um brinco. Teve peças que só encontrei dois meses depois – ironiza.
Xtreme Modelling Latin America – 1ª Exposição Internacional de Porto Alegre
- Junto à praça de alimentação do DC Shopping
- Av. Voluntários da Pátria, 4.389
- Sábado (26), das 10h às 21h e domingo (27), das 10h às 20h
- Entrada franca
10 Mandamentos do Plastimodelista
GaúchaZH pediu ajuda ao plastimodelista Francisco Paquilin para elaborar os mandamentos de um plastimodelista. Ele adianta, todavia, que eles são citados justamente porque os modelistas adoram desrespeitar a maior parte deles.
1. Determine qual é a sua turma
Há plastimodelistas que se aventuram por diferentes tipos de kit, mas em geral acabam se especializando em um tipo de veículo e em uma escala, como carros dos anos 1960 em 1:35 ou submarinos russos em 1:700. O barato é se tornar referência em determinado tema.
2. Ler e reler o manual
A impaciência em começar sem ler as instruções afeta o dono de um kit como qualquer outro mortal com o seu brinquedo novo. Mas se tratando de algo que envolve colagens e o máximo de precisão, o manual é seu melhor amigo.
3. Conheça a história do kit
Ao comprar um kit, o modelista pode montá-lo da forma mais fiel possível ao determinado no manual. Mas a coisa fica muito mais divertida se você tiver conhecimentos históricos para recriar ambientes, personagens, cenas e tudo mais que pode envolver o modelo em questão.
4. Tenha sempre o material organizado e a mão
Estamos falando de algumas dezenas de horas de montagens meticulosas. O bom montador não quer perder mais algumas delas em busca do alicate certo que ele tinha certeza que havia deixado na terceira gaveta. Ou seria na segunda?
5. Destine uma grana mensal para o hobby
Ao entrar nesse mundo, você vai ter tentações de tempos em tempos de fazer pequenas loucuras financeiras para adquirir um kit. Melhor se reconhecer como um modelista e destinar valores fixos periodicamente ao hobby e, assim, gastar sem culpa ou exageros.
6. Respeite a divisão do seu tempo
A maior dificuldade de um modelista é saber dividir suas 24 horas entre o hobby, o trabalho e a família. Respeite o tempo previamente definido para se dedicar ao modelismo para que a sua família também respeite o tempo destinado para o seu hobby.
7. Mantenha os inimigos longe
Eles podem estar em sua própria casa. Mantenha sobrinhos curiosos, animais de estimação bisbilhoteiros e faxineiras proativas longe da sua bancada. Em exposições, tome mais cuidado com adultos do que com crianças, eles respeitam menos a sinalização de "não tocar."
8. Não se torne um "colecionador de caixas"
Esse é um termo cunhado pelos próprios modelistas para definir quem compra muitos kits e conclui poucos ou nenhum deles, por se entediar de um projeto e partir para outro. É normal trabalhar em mais de um projeto ao mesmo tempo, mas não em 17.
9. Mostre os seus trabalhos
Há uma série de modelistas escondidos por aí, com vergonha de expor o hobby aos amigos e menos ainda a quem manja mais do trabalho. Sair da toca faz bem para desenvolver novas técnicas com a ajuda de outros modelistas e, principalmente, para fazer amigos.
10. Seja generoso com os jovens
Maneire nas críticas às montagens de quem está começando. Incentive e ensine em vez de criticar um novato. Além de o plastimodelismo ganhar novos e mais seguros adeptos, isso ajuda a rejuvenescer a idade média dos praticantes.