
Três estacas de concreto estão no centro da discórdia entre mães de crianças com problemas de mobilidade e o condomínio que abriga uma clínica no bairro Rio Branco, em Porto Alegre.
Segundo Joice Rodrigues, mãe de Bernardo Rodrigues Gaspar, o filho de quatro anos frequenta diariamente desde setembro de 2018 o Centro de Estudos e Fisioterapia para Funcionalidade e Integração (Ceneffi), localizado no Top Work Center, na subida da Rua Mariante. Ele tem paralisia cerebral, autismo e é cadeirante. Para transportá-lo, é preciso uma ambulância exclusiva e o auxílio de dois técnicos, serviço custeado e fornecido pela prefeitura.
Na segunda-feira (30), ela foi surpreendida pelas estruturas impedindo a ambulância de acessar um recuo onde a ambulância costumava efetuar o desembarque de Bernardo. Procurado por GaúchaZH, o Ceneffi declarou que não participou da decisão sobre a colocação das barras, ocorrida durante o final de semana, e que também busca explicações junto ao condomínio. A clínica ocupa 12 salas comercias do prédio em diferentes andares. O prédio tampouco conta com rampa para cadeirantes. O acesso deles é feito pela rampa de veículos do estacionamento.
— Naquele dia, desembarcamos na calçada sem entender nada. Pedi para chamarem o síndico, esperamos por 40 minutos e ele sequer foi ao local. Não consigo imaginar outro motivo pelo qual tenham feito isso, senão maldade — declara Joice, que registrou posteriormente uma ocorrência na Polícia Civil como "fato atípico", ou seja, que não se refere a crime.
O condomínio do Top Work Center é administrado por uma empresa terceirizada, a PH3 Solutions. De acordo com o síndico responsável, José Henrique Hornung, a decisão de colocar as barras foi decidida em assembleia entre ele e cinco conselheiros do condomínio. Ele não nega que a estrutura foi feita para impedir o acesso das ambulâncias, mas alega que o local não servia para esse propósito e que atrapalhava o acesso de pedestres.

— Consultamos o nosso setor jurídico e nada nos impedia de construir os postes, pois eles estão na área interna, e não na calçada. Não se trata de um hospital, é um prédio com diversas atribuições e não temos a obrigação de ter vaga de ambulância. O prédio permite que as ambulâncias acessem o prédio, mas pela rampa do estacionamento para veículos. Nunca impedimos esse acesso. Só que os motoristas não querem, pois dá mais trabalho — argumenta Hornung.
O síndico argumenta também que os motoristas aproveitavam o local como estacionamento enquanto aguardavam pacientes, obstruindo a portaria. Embarcando e desembarcando pela rampa, eles são obrigados a circular em busca de vagas caso desejem estacionar por algum tempo.
O prédio permite que as ambulâncias acessem o prédio, mas pela rampa do estacionamento para veículos. Nunca impedimos esse acesso. Só que os motoristas não querem, pois dá mais trabalho
JOSÉ HENRIQUE HORNUNG
Síndico do Top Work Center
A pedido de GaúchaZH, a ambulância que buscaria outro paciente realizou a manobra conforme a indicação do síndico. É preciso que o veículo desça lomba da Rua Mariante de marcha ré, e depois que suba a rampa de estacionamento também de ré. A manobra é lenta para que o teto do veículo não bata na guarita. Um dos socorristas orienta o motorista, como se fosse um manobrista. Depois de subir a rampa, o veículo não pode acessar a vaga preferencial para deficientes porque é mais alto do que o teto do estacionamento (de 2m30cm). A criança então precisa ser deitada em uma maca e amarrada em meio às faixas de saída e de entrada do estacionamento, onde há fluxo de veículos.
— Imagina isso durante um tarde movimentada, com veículos circulando e buzinando. Como fica? É inviável. E não é verdade que o prédio tem o direito de fazer isso, mesmo sendo particular. Desrespeita a função social do imóvel e o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) — declara Daniela Vianna, estudante de Direito e mãe de Davi Vianna Blum, de seis anos, que precisa ser transportado acamado.

Conforme o artigo 46 da lei, "o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida" deve ser assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, bem como a "eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso". Já o artigo 47 diz que "devem ser reservadas vagas (de estacionamento) próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade". Daniela pediu providências ao Conselho Municipal dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
Desembarcamos na calçada sem entender nada. Pedi para chamarem o síndico, esperamos por 40 minutos e ele sequer foi ao local. Não consigo imaginar outro motivo pelo qual tenham feito isso, senão maldade
JOICE RODRIGUES,
mãe de menino cadeirante
Segundo o diretor de Acessibilidade e Inclusão Social da prefeitura, Jorge Heleno Brasil, as mães, a clínica e o condomínio serão chamados para dar esclarecimentos sobre o caso. Se forem verificadas irregularidades, Ministério Público e Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana, responsável pela fiscalização da acessibilidade em imóveis, podem ser acionados.
— Nossa prioridade é garantir que as crianças tenham as melhores condições de acesso ao prédio e os seus tratamentos. Depois disso, se forem confirmadas violações de direitos mesmo, serão feitas as devidas autuações. A lei é bastante clara no sentido de que não se pode colocar obstáculos para pessoas com mobilidade reduzida. É inconcebível — diz Brasil.