Esperando o oficial de Justiça entregar o mandado de reintegração de posse a qualquer momento, coordenadoras da Mirabal estiveram na sede da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Porto Alegre nesta quinta-feira (19) para cobrar uma resposta sobre o imóvel que foi destinado pelo governo do Estado para as mulheres vítimas de violência que residem na ocupação. O grupo ouviu da secretária Denise Russo que a liberação do prédio, localizado na Zona Norte, pode demorar meses, e que não é garantido que ele será destinado à Mirabal: outras instituições poderão pleitear o uso por meio de um edital público.
O posicionamento da prefeitura gerou indignação nas coordenadoras do movimento. Elas destacam que o prédio onde funcionava a Escola Benjamin Constant só foi repassado ao município em razão do grupo de trabalho criado pela ocupação, governo do Estado, prefeitura, Defensoria Pública e Ministério Público diante da iminente reintegração de posse do imóvel ocupado hoje, na Rua Duque de Caxias. Elas acusam a prefeitura de adotar uma postura de "descaso completo com a vida dessas mulheres".
— Esse debate foi construído no grupo de trabalho, a gente foi visitar o imóvel, tudo foi feito para que a gente não passasse por uma reintegração de posse, lembrando que a da Lanceiros Negros (em junho de 2017, no Centro) foi um horror, com muita violência. E é uma ocupação de mulheres justamente vítimas de violência — lamenta Gessica Sá Oliveira, uma das coordenadoras do Movimento de Mulheres Olga Benário, reiterando que o movimento "vai resistir".
A secretária Denise Russo garante que nenhuma mulher que hoje é acolhida pela Mirabal vai ficar desabrigada. Ela afirma que o município pode oferecer vagas para elas por meio da sua rede — diz que organizações conveniadas oferecem o mesmo tipo de serviço — e que não seria necessário esperar a desapropriação para isso.
— Podia ser hoje. Só que as coordenadoras querem fazer mais uma reunião do grupo de trabalho — diz a secretária.
As líderes da Mirabal afirmam que parte do público que atendem, especialmente as mulheres em situação de rua, não seriam aceitas em outras organizações.
— A gente sabe que tem casas que só atendem mulheres com risco iminente de morte e que muitas mulheres em situação de rua não são vistas como mulheres com risco iminente de morte — diz Gessica. — Já acolhemos mais de 80 mulheres e já prestamos serviço para mais de 200, é evidente que essa demanda não está sendo atendida pelo poder público.
Denise não dá perspectivas de quando o imóvel repassado pelo Estado ficará disponível. Primeiro é preciso descobrir a quem o imóvel pertence — o terreno já era da prefeitura, que o cedeu para o Estado construir uma escola. Dependendo se o imóvel for considerado patrimônio do município ou cedência do Estado, são trâmites diferentes dentro da prefeitura para dar permissão de uso a alguma organização.
Depois disso, haverá uma análise do imóvel e, finalmente, será possível começar a fazer um edital público para organizações que trabalham com mulheres vítimas de violência. Ela acredita que pode levar de três a seis meses para publicação do edital e, quando sair, nada garante que a Mirabal poderá ocupar o edifício ofertado — qualquer entidade que desempenhe o referido trabalho poderá se candidatar.
— A legislação não permite que eu beneficie A, B ou C.
A secretária lembra ainda que, para concorrer, a Mirabal precisa se regularizar como uma organização não governamental. A prefeitura também já deixou claro, segundo ela, que não têm verbas para qualquer reforma — obras no telhado são necessárias.
A secretária salienta que sabe da importância da Mirabal, que tem mérito reconhecido e tem mulheres encaminhadas até pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher, mas acrescenta:
— Imagina se todas as ONGs invadirem espaço, a prefeitura tem que dar um prédio?
Leandro Balen, secretário adjunto da Secretaria Estadual de Modernização Administrativa e dos Recursos Humanos (Smarh), ressalta que em nenhum momento no grupo de trabalho foi garantido para a Mirabal que o prédio da escola seria repassado para elas. Ele afirma que o Estado não pode condicionar que o imóvel seja para uma ou outra entidade (a exigência é que seja usado na "prestação de um serviço de atendimento às mulheres vítimas de violência") e, legalmente, nem o município pode entregar o imóvel diretamente à Mirabal.
— Existe um envolvimento do Estado e do município para que se disponibilize uma área para que alguma entidade faça essa atividade e que o grupo Mirabal possa se candidatar a fazer essa atividade — diz. — A Mirabal tem a expertize nesse tipo de atendimento, então acredito que quando tiver toda a documentação regularizada e se adequando ao edital do município, o processo vai transcorrer de maneira natural.
Questionado sobre a preocupação da pasta diante da iminente reintegração, o secretário adjunto disse que todos os esforços do grupo de trabalho foram para que isso não ocorresse. E criticou a decisão judicial.
— Acho que houve um pouco de intolerância por parte da Justiça em decretar a imediata saída delas, visto que agora nós temos uma luz no fim do túnel que antes não existia.
A decisão pelo cumprimento da reintegração foi do juiz Oyama Assis Brasil de Moraes, da 7ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre — assessoria do Tribunal de Justiça afirma que ele não se pronuncia durante o andamento do processo. A ordem de reintegração já está em cartório e "ainda está sendo aguardada a juntada de um documento" para continuação do trâmite de desapropriação, sendo que não há datas definidas, conforme o TJ.