O que parecia ser o pesadelo das filhas encaixou-se no sonho de Maria Helena Leitão, 73 anos, no começo da década de 1990. Ao visitar um dos imóveis do casario da Rua Fernando Machado, próximo à escadaria da Rua João Manoel, o trio deparou com cômodos em cores berrantes, infiltrações e roupas dos antigos moradores penduradas pela casa. O cenário que frustrou as duas meninas tirou o sono da professora aposentada naquela noite por outro motivo: de mudança para Porto Alegre, a caxiense planejava ficar com a casa.
– Não consegui dormir. Vi que as madeiras e a estrutura eram boas, as paredes eram grossas. Na minha cabeça, via a casa toda pronta. Sabia tudo o que eu queria fazer com ela – recorda.
Foram meses dormindo em um kitnet na Rua Duque de Caxias à espera da primeira obra, que melhorou um dos banheiros, consertou parte do forro e amenizou o incômodo colorido das paredes. Já dava para morar, mas ainda faltava para que o imóvel, que integra um conjunto preservado pelo município, se assemelhasse ao que tinha sido na década de 1930, quando foi erguido.
A primeira chance bateu na trave: o primeiro edital do Monumenta delimitou uma área que terminava antes de sua casa. Na segunda leva, com os limites estendidos, conseguiu aprovar o projeto da sobrinha, arquiteta que mora com Maria Helena e com a prima, Clarissa – a outra filha da aposentada mudou-se anos atrás. Consertou calhas, janelas, piso e ladrilhos, além de deixar a pintura externa da cor original: dois tons de amarelo, com janelas e portas em branco.
Por dentro, sobra aconchego no local recuperado por Maria Helena. Professora de artes aposentada, assina vários dos quadros que tomam as paredes da sala e dos corredores, intercalados com trabalhos de amigos artistas. Quatro preguiçosas gatas de diferentes pelagens circulam ou se esparramam pelos cômodos silenciosos – a movimentação maior se restringe à primeira sala, transformada no escritório da sobrinha e de dois sócios.
A relação com a vizinhança é amistosa, e a aposentada comemora as iniciativas de vizinhos mais jovens, moradores de outras casas do conjunto, que têm feito atividades para revitalizar a escadaria da Rua João Manoel, por anos abandonada pelo poder público. Já recebeu propostas de compra, mas nunca pensou em vender o imóvel. As restrições a alguns tipos de obra impostas pela prefeitura também não a incomodam.
– Em um apartamento, senão for aprovado por todos, também não se modifica nada. Não me custa nada manter a parte externa (preservada). As pessoas têm que ter boa vontade com o patrimônio histórico – diz.
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