Em época de eleições, candidatos focam ou em assuntos vagos ("governabilidade" está muito em moda), ou em pontos que tendem a mobilizar o eleitorado (em época de crise, a imigração é sempre bode expiatório). Evitam falar de educação, ciência e tecnologia. Mas, em um mundo altamente tecnológico como o que vivemos, estes deveriam ser os pontos fundamentais de qualquer campanha. Para a campanha eleitoral americana da presidência, que já virou reality show graças às trapalhadas de Donald Trump, um grupo de cientistas criou uma coalizão com um website, ScienceDebate. Ali, questões essenciais sobre ciência e inovação são listadas para os candidatos, encorajando jornalistas a fazerem tais perguntas, e depois publicando e comentando as respostas, que ficam registradas para o futuro.
Sem dúvida, hoje no Brasil uma grande preocupação dos cidadãos precisa ser a honestidade do candidato – e seu histórico. Contudo, a posição dele sobre aquecimento global e ecologia nos afeta diariamente. Se ele não acredita em aquecimento global, não deve acreditar que as reservas de água estão diminuindo. Isso vai ter impacto na hora de votar ou apoiar leis que permitem altos níveis de emissão de CO2 por equipamentos diversos. Mais cedo do que você imagina, também terá consequências nas suas contas de água e luz. Se o político não tem posicionamento ecológico, não se preocupa, por exemplo, se a água que bebemos está sendo processada de forma correta.
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O recente episódio da toxicidade da água das torneiras em Porto Alegre mostra isso claramente. A água que sai de esgotos de casas e indústrias precisa ser tratada antes de ser despejada no Guaíba, e depois limpa novamente, antes de voltar para sua torneira. Quem não se preocupa com isso não fiscaliza, não multa, e o resultado é claro. Hoje, no Brasil, menos de 20% dos esgotos é tratado antes de ser despejado no mar ou nos reservatórios onde é captada a água que se bebe. Ninguém pergunta aos candidatos sua posição sobre isso. Ingressamos no século 21 sem saneamento básico.
Causou surpresa a ideia de que, após esse escândalo, um técnico assumisse a supervisão do processo de tratamento de esgotos no Dmae. Isso deveria ser regra, e não exceção. Tais cargos administrativos em geral são usados como moeda política, distribuídos para aliados que frequentemente não têm qualquer experiência na área em questão. Em eleições municipais, estaduais ou federais, há maneiras concretas de contribuir para a independência tecnológica do país e a qualidade de vida da população. Garantir investimento a programas de educação e incentivo à ciência em todos os níveis vai influenciar sua conta de energia, telefone, internet, supermercado e, certamente, do plano de saúde.
*Cristina Bonorino escreve mensalmente no Caderno DOC.