*Por Fabro Boaz Steibel
Diretor Executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) do Rio e professor da ESPM Rio
Você talvez tenho ouvido falar de Bitcoin, e por certo já ouviu falar da Monalisa. Monalisa é a obra de arte mais conhecida do mundo. Bitcoin é uma moeda virtual, uma criptomoeda, que pode ser trocada por dinheiro vivo, como reais. Pois bem: recentemente, um hacker conseguiu "roubar" R$ 200 milhões em criptomoedas de uma rede de computadores chamada DAO, e isso diz muito sobre como poderemos combater a corrupção no futuro próximo.
O maior assalto a banco no Brasil aconteceu em 2005, quando um grupo armado entrou no Banco Central de Fortaleza e roubou R$ 164 milhões. De tão cinematográfico, o furto chegou a virar filme. Para ter sucesso na ação, os ladrões tiveram que movimentar 3,5 toneladas de dinheiro vivo e mover uma pilha de notas de quase 33 metros de altura.
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No assalto ao DAO, feito em criptomoedas, nada disso foi necessário. O truque foi simples. Explicando por metáforas, o ladrão foi ao caixa automático e sacou R$ 100. Depois, repetiu a operação repetidamente até dar a quantia de R$ 200 milhões. Um bug no sistema permitiu que ele criasse um ATM que cospe dinheiro. Simples.
Você pode achar mais seguro deixar seu dinheiro em notas vivas, embaixo do colchão. Errado. Criptomoedas são muito seguras, e o motivo disso é o processo por trás do funcionamento delas: o blockchain.
No assalto ao DAO, o que foi roubado foi uma moeda que se chama Ether. Se você ouviu falar de Bitcoin, Ether é uma moeda virtual similar. Vale dinheiro mas não é impressa. Tem valor (variável) de mercado, mas existe apenas dentro de computadores, não tem Banco Central, tem inflação controlada e acredite, funciona. Tanto que no Brasil temos carteiras de ações investindo nisso, e gigantes do setor bancário como Bradesco e Itaú acompanhando. De São Paulo a Hong Kong, o mercado financeiro está de olho em blockchain.
Blockchain é um termo que traduz uma forma de processar dados que é diferente do que estamos acostumados a ver. Hoje, bancos falam com bancos, tal como eu falo com você pela internet. A diferença do blockchain é que ali computadores falam uns com os outros sem precisarem de nós, humanos. Nós criamos o código e as máquinas, e depois disso as máquinas falam eternamente entre si sozinhas, sem precisarmos intervir.
Lembra da Monalisa? Ela é chave para entendermos porque o assalto ao DAO não permitirá ao ladrão sair por aí esbanjando o que levou. No caso do assalto ao Banco Central, os ladrões levaram notas de dinheiro que têm número de série, que ninguém verifica. O dinheiro pode ser trocado livremente na rua. Mas no assalto ao DAO, não. Ali, cada nota recebe um número único, e quando ela passa de uma conta para outra, o número muda e passa a mostrar as transação envolvidas no próprio número de série.
Nas moedas virtuais, é como se o número de série tivesse o extrato bancário de todas as contas por onde o dinheiro passou. Disponível para quem quiser ver. Quem comprar uma das moedas do ladrão terá sua criptomoeda marcada para sempre. Além disso, na verdade ele roubou 200 milhões de Monalisas. Se você entra no Louvre, rouba o quadro famoso, e sai vendendo na internet, é fácil encontrarmos o responsável. Como cada criptomoeda é original, e famosa, a chance de o ladrão ser flagrado no simples ato de vender as moedas é enorme.
Repassar criptmoedas para a frente sem ser pego é quase impossível. A utilidade disso? Combate à corrupção. Imagine se todo dinheiro público fosse rastreável. Que todas as doações a partidos políticos, que todos os pagamentos a empresas fossem também. Que cada cédula repassada fosse pública, e documentada, para sempre. Uma vez que eu suspeite que a cédula X foi usada de forma ilegal, eu sei exatamente por onde passou esse dinheiro. Daí é investigar onde está o humano por trás da operação.
Um dos pilares da corrupção é a lavagem dos intermediários na transferência de dinheiro. O uso de off-shores como conhecemos é justamente isso: fazer a cédula do dinheiro deixar de ser rastreável. Eu digitalizo o dinheiro, jogo daqui para lá, e só com uma Lava-Jato para saber que a cédula X foi daqui para ali. Com criptomoedas, uma Lava-Jato opera de forma mais fácil. O dinheiro desviado tem no seu próprio número de série a história de quem passou por ele.
O assalto ao DAO produziu o maior furto de criptomoedas da história. O furto dificilmente será usado para benefício monetário, e cheira na verdade muito mais a um teste do sistema do que a qualquer outra coisa. Um golpe matemático, mais do que uma mente criminosa. O que já sabemos é que furtar criptomoedas, em qualquer quantidade, é como roubar Monalisas e tentar revender por aí. E se aplicarmos isso ao gasto público, temos uma grande ferramenta de combate à corrupção. Ponto para a sociedade, e para onde nosso sistema financeiro pode ir.