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*Por Marcelo Ferla, jornalista
Na época em que chegou a Barcelona, eleito o melhor jogador da Copa do Mundo de 1974, ele jogava como um Messi, tinha fãs como um Cristiano Ronaldo, dava entrevistas como um Ibrahimovic. Rico e ciente do poder de influenciar as pessoas, como os Beatles, que amava desde criança, Cruijff fez questão de provocar a conservadora sociedade espanhola, em plena Era Franco, na companhia de sua mulher, Danny. Ele usava cabelos compridos; ela abusava das minissaias; ambos fumavam em público.
Seu destino só podia mesmo ter sido o Barça, “més que un club”, um reduto da resistência catalã ao regime ditatorial. O Ajax, em que jogou desde os nove anos, também tem uma bonita história social, pelo apoio irrestrito aos judeus de Amsterdã nos tempos da guerra. A seleção holandesa, que ele comandava, era um deleite visual que se vestia e se comportava feito um veloz e organizado exército budista em busca de beleza e redenção.
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Cruijff esteve no epicentro da revolução tática, da agressividade do marketing esportivo, da transformação dos jogadores em ícones pop, da valorização do atleta profissional e do jogo bonito, acima de tudo, inclusive da paixão – ele torceu para a Espanha, contra a Holanda, na final da Copa de 2010, porque a seleção de seu país não lhe encantava.
Genioso, Cruijff foi o primeiro atleta da história a ser expulso em uma partida da Holanda, em 1967. Politizado, ao se ver impedido por questões familiares (ameaças de sequestro e um suposto caso de traição), botou na conta da ditadura militar sua ausência no Mundial de 1978 – e inspirou os jogadores holandeses a virarem de costas para o general presidente da Argentina ao receberem suas medalhas de prata. Contestador, viu outro bom exemplo ser praticado pelos irmãos Van der Kerkhoff naquela Copa. Eles também arrancaram uma listra de cada manga de suas camisas, assim como Cruijff no Mundial de 1974. Garoto-propaganda da Puma, concorrente da fornecedora oficial da Federação holandesa, a Adidas (da tradicionais três listras), o líder do time se negou a descumprir seu contrato por causa de um acordo firmado sem o conhecimento dos jogadores.
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Auxiliado pelo grupo, Cruijff foi um dos articuladores para que Rinus Michels, velho parceiro do Ajax, fosse chamado para treinar a Holanda na Copa da Alemanha de 1974, no posto de Frantisek Fadrhonc, comandante nas Eliminatórias. A história agradece: Michels assumiu apenas em janeiro, mas levou o Carrossel Holandês a decretar o nascimento do futebol moderno já na estreia do Mundial, dia 15 de junho de 1974, quando fez 2 a 0 no Uruguai, em Hannover.
Hendrik Johannes Cruijff nasceu em 25 de abril de 1947, em Amsterdã, morreu em 24 de março de 2016, em Barcelona, e permaneceu 68 anos quebrando regras e estimulando liberdades. Antes dele, o Ajax tinha fama nacional em um país sem tradição no futebol; com ele, virou uma potência europeia e mundial. Antes dele como jogador, o Barcelona viveu um jejum de 13 anos de títulos nacionais; com ele flanando pelo campo, recuperou a hegemonia espanhola. Antes dele como treinador, o Barça era uma potência nacional; com sua voz de comando, conquistou pela primeira vez a Europa; por causa dele, o clube adotou uma filosofia vitoriosa que continua dando resultados. Antes de Cruijff, a Holanda tinha disputado dois jogos de Mundial, e perdido ambos, em 1934 e 1938. Com ele, encarnou o espírito de seu tempo ao levar para os gramados a mentalidade libertária dos anos 1960/1970, que transformou Amsterdã na Meca da juventude e da rebeldia, e viu nascer a emblemática e revolucionária Laranja Mecânica.
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Ao explorar cada detalhe do futebol, o craque também foi decisivo para que os jogadores tivessem o nome inserido em um contexto mais amplo de cultura pop. A adoção de um número diferente na camisa, numa época em que os titulares usavam do 1 ao 11, foi uma estratégia certeira de diferenciação. Até 1970, Cruijff jogava com a 9, quando saiu do time por uma lesão na virilha. Sua volta foi gradativa, incluindo partidas na reserva, em que era inscrito com o número 14. Após sair do banco no segundo tempo do clássico contra o PSV, e ajudar na vitória do Ajax, ele decidiu manter o 14, mesmo ao ser escalado como titular, e criou sua mais conhecida marca registrada.
No Barça, Cruijff novamente aderiu ao 9, mas adotou uma grafia diferente para seu nome, trocando o IJ pelo Y, de caráter mais universal. De um jeito ou de outro, já o tinha escrito no universo do futebol. Que mudou tanto por causa do holandês, que passou a ter seu próprio a.C/d.C.