* Zero Hora
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O pescador Jorge Paixão tomou um susto ao receber a guia de pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) 2016 e encontrar um valor muito acima do que estava acostumado a pagar. O documento mostrava uma cobrança de R$ 5.491,93, referente a seis anos de impostos que não teriam sido pagos corretamente à prefeitura de Porto Alegre.
A surpresa de Jorge veio porque ele quitou todas as guias conforme as recebeu: o IPTU, durante todos os anos, foi pago integralmente. Ou, pelo menos, é o que ele pensava. O problema é que, antes de pertencer a Jorge, a casa passou por reformas que não foram registradas pela Secretaria Municipal da Fazenda. A área construída aumentou, mas o imposto cobrado permanecia o mesmo da estrutura menor. A conta chegou agora.
- Para mim, foi um choque. De onde eu vou tirar dinheiro para pagar isso? Era uma cobrança que eu não esperava, porque entendia que estava tudo pago - diz Jorge.
A casa, ainda inacabada, era um sonho de seu pai - morto em 1991 -, que esperava ver toda a família reunida no local, no bairro Tristeza. Jorge herdou a casa, apesar de não morar lá, mas não acompanhou sua ampliação. O aumento da área construída foi detectado pela prefeitura depois de um aerolevantamento - estudo feito a partir de imagens aéreas da cidade - que teve início em 2010 para atualizar o cadastro imobiliário da Capital, então com informações da década de 1980.
70 mil imóveis podem ter imposto alterado
O caso de Jorge não é o único. Milhares de moradores da Capital começaram a receber, neste ano, guias com o lançamento do IPTU atualizado desde o ano em que o RecadastraPoA teve início. Foram encontradas divergências em 10% das cerca de 700 mil matrículas registradas - e 55 mil desses imóveis já foram vistoriados. Há casos em que, apesar das reformas, a área construída não mudou, ou até diminuiu. Mas a maioria apresentou mudanças que podem resultar em um imposto devido maior do que aquele que vinha sendo cobrado.
- São cerca de 70 mil imóveis que tiveram mudanças de metragem que não foram comunicadas à prefeitura. Isso resultou em uma cobrança diferente da correta porque as informações não estavam atualizadas, o que é de responsabilidade do contribuinte - informa o secretário municipal da Fazenda, Jorge Tonetto.
A previsão da prefeitura é de que 7 mil contribuintes recebam ainda este ano as guias com valores reajustados. Procurada por Jorge, a advogada Izabel Franco contesta a cobrança retroativa do imposto e o prazo de 30 dias para recorrer da notificação, que considera exíguo. Para ela, o IPTU dos anos anteriores já foi pago, e o valor reajustado só poderia ser cobrado de todos os moradores afetados a partir de 2016. A advogada entrou com um recurso administrativo junto à prefeitura para contestar a cobrança.
A prefeitura explica que pode cobrar o imposto devido pelos contribuintes por um prazo de cinco anos. A Secretaria Municipal da Fazenda entende que o cidadão que não informou sobre mudanças no cadastro de um imóvel está descumprindo uma obrigação que não havia sido detectada pelo município, a quem cabe a tarefa de fiscalizar.
Cálculo deve ser mais claro, diz advogado
Especialista em direito tributário, o advogado Fábio Raimundi esclarece que o recadastramento, se aprovado por lei, permite a cobrança do imposto devido desde 2011. Ele questiona, porém, a forma como o chamado crédito tributário está sendo apresentado ao contribuinte, e a maneira como o valor devido foi calculado. Para Raimundi, é preciso discriminar, em cada caso, como foi definida a metragem atualizada do terreno e como se chegou ao novo valor.
- A prefeitura tem o direito de exigir esse pagamento, mas precisa ser transparente quanto ao critério do cálculo. O ideal, inclusive, seria notificar sobre esses valores antes de cobrá-los - descreve o diretor administrativo da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (FESDT).
O secretário municipal da Fazenda defende que o contribuinte com imóvel recadastrado que estiver com imposto devido nos últimos anos pode até encontrar vantagens para quitar a dívida: os lançamentos estão sendo feito sem aplicação de multas, e o pagamento realizado até o início de janeiro vai contar com os mesmos descontos do IPTU 2016.