Uma relíquia de bronze, pesando cerca de 20kg e guardada numa sala do Museu Municipal de Canoas entre outras peças consideradas reservas, está no centro de uma disputa entre a cidade e Nova Santa Rita. Na próxima segunda-feira, representantes das duas cidades se reunirão pela primeira vez para discutir, entre outros temas, quem tem direito ao sino do século 19 que no passado pertenceu a uma fazenda de Nova Santa Rita e foi doado ao então prefeito de Canoas, Hugo Lagranha, nos anos 1960.
O tema voltará à mesa dos prefeitos instigado pela estudante de História Luciane Silva, 39 anos, ex-moradora do Bairro Morretes, em Nova Santa Rita, que decidiu resgatar a história da região. Há dois anos, ela mergulhou em livros e pesquisas para confirmar a possível visita da Princesa Isabel, do marido dela, Gastão de Orléans, o conde d'Eu, e dos filhos Pedro, Luiz e Antonio, a então Fazenda Morretes, pertencente aos amigos da família, o comendador Francisco Antônio Borges e o irmão José Borges, em 27 de janeiro de 1885.
Na data, diz a lenda contada por gerações na região, Isabel teria tocado o sino de bronze para chamar os escravos e anunciar sua chegada à fazenda.
- Cresci morando ao lado das ruínas da velha fazenda e ouvindo esta história. Na infância, as escolas levavam os alunos até a casa grande que ainda estava em pé. Ela foi destruída na década de 1990 - recorda Luciane.
Diário pessoal
A princesa e os filhos vieram ao Sul acompanhar o marido, que, na qualidade de marechal do Exército, comandava um grande exercício militar na região. Eles ficaram no Estado entre dezembro de 1884 e março de 1885.
Hoje, da casa onde a princesa e a família teriam passado um dia do verão gaúcho, às margens do Rio Caí, restam apenas as paredes descascadas e consumidas pelas raízes das árvores. Luciene e o irmão William Silva, 33 anos, visitam com frequência o ambiente para ver de perto a história esquecida. Ela conta da dificuldade em reunir material que comprove o que se fala pelas ruas de Nova Santa Rita.
- Num trecho de seu diário pessoal, a Princesa conta que visitou Morretes com a família, que veio de trem. Ela dá detalhes que confirmam a passagem dela por aqui. Também entrevistei familiares do capataz do proprietário da fazenda que comprou as terras da família Borges. Foi este capataz o responsável por entregar a Canoas o sino e outros utilitários do tempo dos escravos - sustenta Luciane.
Em julho, Luciene, que está no último semestre de História no Núcleo de Educação a Distância do Grupo Uniasselvi, defenderá o trabalho de conclusão do curso. Com ainda não encontrou registro de que o sino foi batido por Isabel, em Morretes, a futura historiadora pretende continuar a pesquisa num futuro Mestrado.
- Não desistirei enquanto não ver a história de Morretes ser reconhecida - afirma.
Objeto é patrimônio do município
Em maio de 2007, o sino foi tombado como patrimônio de Canoas. Segundo o gerente do museu, Airam Aguiar, a peça, que chegou a ficar exposta por um período na Praça da Emancipação mas foi retirada devido ao risco de vandalismo, foi modificada ao colocarem dois parafusos para instalar um badalo.
- Ele era para ser batido com um martelo, como mostram os sinais. Porém, sofreu esta intervenção em algum período, tirando a originalidade dele - explica.
Para Airam, a devolução do sino a Nova Santa Rita é uma questão a ser discutida na maior esfera de ambas as cidades.
- Mas acho improvável, pois é um patrimônio de Canoas. As pessoas perguntam pelo sino quando chegam ao museu, pois têm identificação com ele - conta Airam, mesmo com o sino estando guardado num dos cômodos do prédio entre outras peças antigas.
Já o diretor de Cultura da prefeitura de Nova Santa Rita, Jairo Junior, afirma que a prefeitura pretende resgatar a história da cidade, que antes de se emancipar de Canoas foi distrito de São Sebastião do Caí, na época em que a Princesa Isabel teria visitado a região.
- A administração municipal está empenhada em resgatar a história e está junto com a comunidade, no desejo de trazer de volta para o povo o sino que hoje está em Canoas. Estamos em processo de contato com Canoas e iniciando a conversa sobre o assunto - garante Jairo.
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Luciane observa os escombros da casa
Foto: Mateus Bruxel
A casa que teria sido visitada pela Princesa Isabel
Foto: Mateus Bruxel