
Já se passaram quase seis anos da publicação da série de reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) que revelou a existência da fraude contra aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Eles sofriam mensalmente descontos no contracheque do benefício a título de filiação em associações e sindicatos de aposentados.
As filiações garantiriam direito a seguros, sorteios de prêmios, descontos em farmácias e outras supostas vantagens oferecidas pelas entidades nas quais estavam associados. O problema era que o aposentado jamais tinha autorizado a associação. O beneficiário do INSS sequer conhecia a entidade que todo mês recebia um pedacinho do seu vencimento.
São situações idênticas às investigadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) e Polícia Federal (PF), que deflagraram, na manhã desta quarta-feira (23), a operação Sem Desconto. A ofensiva combate organização criminosa que teria retido, em operações fraudulentas, o montante de R$ 6,3 bilhões dos aposentados entre 2019 e 2024.
É importante destacar que, embora o procedimento supostamente criminoso seja o mesmo, tratam-se de casos diferentes. Após a reportagem do GDI, a central associativa de aposentados denunciada teve o seu convênio com o INSS rescindido em agosto de 2019. Era por meio desse convênio que a instituição ficava autorizada a receber valores descontados dos contracheques. Os casos investigados pela Operação Sem Desconto, apesar de terem acontecido entre 2019 e 2024, começaram a ser apurados pela CGU de forma administrativa em 2023. Já o inquérito da PF foi aberto recentemente, no início de 2025.
Modo de operação
O esquema envolve, inicialmente, corretores de associações, de seguros e de instituições do sistema financeiro que atuam na ponta, no varejo, buscando reunir de forma ilegal cópias dos documentos de aposentados, como o RG, a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o número do benefício do INSS, o telefone e a data de nascimento. Essas documentações costumam ser mantidas em arquivos, o que é chamado de carteira. As carteiras existem no mercado porque financeiras e estabelecimentos do ramo possuem grande volume de documentos de aposentados que um dia buscaram os seus serviços. Além disso, à época da reportagem, o GDI mostrou que carteiras com milhares de documentos pessoais são vendidas em grupos de WhatsApp com corretores de todo o Brasil.
No segundo passo, entram em cena as associações e sindicatos de aposentados e, eventualmente, empresas financeiras parceiras.
As entidades têm convênios com o INSS: é por meio dessas parcerias técnicas que garantem o direito de receber valores descontados do benefício a título de associação. É um canal de desconto.
Tendo a documentação e o acesso à plataforma do canal de desconto, era feita a digitação da filiação do aposentado no “piloto automático”. Essa gíria significa associar a vítima em uma entidade sem nenhuma autorização, com contribuições mensais em favor dos fraudadores.
No último passo, os corretores providenciavam a falsificação da assinatura do aposentado na ficha de filiação. A reportagem do GDI revelou assinaturas de vítimas que foram grosseiramente falsificadas, conforme apontamento de peritos. Tudo era transmitido eletronicamente ao INSS, que chancelava o desconto no contracheque da vítima. Nessa etapa, surgia uma fiscalização frágil do INSS, que não identificava as fraudes. A série de reportagens também mostrou que havia, à época, o vazamento de dados pessoais e telefones de idosos recentemente aposentados. Eram informações de guarda do INSS.
Valores das mensalidades
À época da reportagem, o GDI mostrou o caso de dois aposentados que passaram meses, sem perceber, sofrendo descontos em favor de uma central de aposentados. A pouca familiaridade de idosos com sistemas digitais é um dificultador para a percepção de que algo está errado no valor da aposentadoria.
Em 2019, as duas vítimas retratadas pela reportagem sofriam descontos em valores modestos: uma mulher tinha retenção mensal de R$ 52, e um senhor, de R$ 18,74. Para as vítimas, beneficiárias de salário mínimo ou pouco mais, era um desconto que fazia a diferença no somatório de um ano. Já para os fraudadores, os descontos em baixas quantias valiam a pena por não chamar a atenção. E, como o esquema era praticado em grande escala, no país inteiro, as somas alcançavam os milhões mensais.
A reportagem do GDI foi publicada em junho de 2019 e, dois meses depois, o INSS decidiu rescindir o convênio da central de aposentados denunciada. O órgão federal, na mesma ocasião, afirmou ter identificado outras três associações de aposentados que tinham a mesma prática. A opção foi por cancelar os convênios delas também. Com isso, nenhuma delas poderia mais receber valores descontados dos vencimentos dos aposentados.
O INSS informou, à época, que somente em dois meses foram retidos R$ 57 milhões que seriam repassados às entidades pelas filiações fraudulentas. O dinheiro foi creditado de volta aos beneficiários que tiveram os descontos indevidos. Contudo, várias outras associações e centrais mantiveram seus convênios e acesso a canais de desconto.
Desconto em farmácia
A reportagem do GDI também mostrou que os benefícios prometidos pelas centrais de aposentados não aconteciam na prática. Em geral, as supostas vantagens eram anunciadas por atendentes de call center que recebiam chamadas de idosos que tinham descoberto os descontos e buscavam cancelar a associação. Era uma forma de tentar reter o idoso que recém havia tomado conhecimento de sua filiação onerosa.
A reportagem acompanhou uma dessas ocasiões: uma senhora de Porto Alegre que sofria descontos no contracheque foi orientada a procurar uma farmácia para adquirir medicamento com preço promocional. Seria uma das vantagens associativas. Chegando à farmácia, ela foi informada de que não havia nenhum convênio entre o estabelecimento e a central de aposentados. O medicamento mais barato era um engodo.