
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, nesta terça-feira (25), duas das três sessões para análise de recebimento ou não da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados por tentativa de golpe de Estado. O julgamento será retomado a partir das 9h30min desta quarta (26).
Pela manhã, foram apresentadas manifestações do relator, do procurador-geral da República e das defesas. À tarde, os ministros analisaram questões preliminares, contestações das defesas sobre o julgamento — todas foram rejeitadas.
A primeira alegava suspeição dos ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cristiano Zanin para julgar o caso. Ela foi rejeitada por unanimidade, com votos de Cármem Lúcia e Luiz Fux, que também compõem o colegiado. O caso já havia sido analisado pelo plenário do STF, e também foi rechaçado por 9 votos a 1.
Defesas pedem votação do caso em plenário
O segundo ponto foi sobre o pedido das defesas para que o caso fosse analisado pelo plenário do STF, composto por 11 ministros, e não pela Primeira Turma. Os advogados alegam que os acusados não têm mais foro por prerrogativa de função e, por isso, o processo deveria tramitar na primeira instância.
O relator, Alexandre de Moraes, apresentou um panorama sobre as condenações de envolvidos nos ataques às sedes dos três poderes em 8 de Janeiro de 2023, em 1.494 ações, nos quais houve entendimento de que os casos são de competência da Primeira Turma.
Neste ponto, ele criticou o argumento de que a Corte estaria julgando "velhinhas com a bíblia na mão":
— Aproveito para desfazer narrativa completamente inverídica de que o STF estaria condenando velhinhas com a Bíblia na mão, que estariam passeando pela Praça dos Três Poderes. Nada mais mentiroso do que isso — sustentou.
Ele citou ainda a alteração no regimento interno da Corte, em 18 de dezembro de 2023, que previu o julgamento de casos criminais pelas turmas do STF.
— Qualquer tratamento diferenciado em relação a este caso (do "núcleo crucial"), seria um tratamento diferente a outros 168 casos em relação ao dia 8 — disse Moraes, que foi acompanhado por Dino, Cármem Lúcia e Cristiano Zanin.
Os advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro defendem que a competência das turmas não se aplica a presidentes e, por extensão, a ex-presidentes, especialmente após a ampliação do foro para além do fim do mandato.
Moraes argumentou que essa é uma previsão "excepcional" aplicada exclusivamente a presidentes em exercício porque o eventual recebimento da denúncia contra o chefe do Executivo provoca o seu afastamento das funções, o que gera a vacância do Poder Executivo.
Luiz Fux foi o único a divergir. Ele disse que a questão de competência não é pacificada pela Corte, e que mantém a coerência de outras votações que realizou, acolhendo o pedido.
O ministro relembrou que neste mês votou sobre o assunto, e foi vencido. Para ele, a questão do número de ações do 8 de Janeiro que já foram julgadas, como argumentou Moraes, não impede que a questão volte a ser debatida.
— Peço licença para manter minha coerência que tive semana passada — disse, divergindo do relator e votando à favor da preliminar.
Falta de acesso a provas
A terceira preliminar analisada abordou nulidades para o julgamento apontadas pelas defesas, apontando falta de acesso a provas, prova ilícita, prática de "pesca probatória" e ilegalidade no não oferecimento de denúncia única.
Sobre o último aspecto, o relator disse que a PGR não escolheu "livremente" os integrantes dos grupos, mas identificou que os núcleos e os respectivos membros tinham peculiaridades e que a divisão não impossibilita o direito às defesas.
Ele ainda negou que houve falta de acesso a provas pelas defesas e que elas tiveram acesso a todos os materiais que foram documentados. Segundo ele, há casos os quais as provas não foram utilizadas no processo, como celulares e computadores de Walter Braga Netto que estarão nos autos com a conclusão dos laudos de análise pela Polícia Federal.
— Nós tivemos acesso exatamente ao mesmo material probatório que a Procuradoria-geral (da República) teve e as defesas tiveram. É isso que levará à rejeição ou acatamento da denúncia — disse Moraes.
O ministro ainda negou a existência de "pesca probatória" durante a investigação e disse que os fatos foram sendo desencadeados no curso da apuração.
— Se você encontra outros crimes, o que você vai fazer? A polícia vai simplesmente ignorar os demais crimes? A polícia, no curso das investigações, apreende um celular. E no celular tem uma minuta de golpe. Apreende um computador e no computador tem uma minuta de golpe. Há necessidade de abertura de outra investigação específica. Isso não é pesca probatória — disse Moraes, que foi acompanhado por Dino, Fux, Cármem Lúcia e Cristiano Zanin.

Juiz de garantias e delação de Mauro Cid
A penúltima preliminar analisou a aplicação das regras de juízo de garantias ou dispositivo semelhante ao STF, que estabelece um juiz responsável pela fase anterior à denúncia e outro durante a fase de julgamento.
Moraes citou julgamento pela Corte, em decisão unânime, que estabeleceu que o juiz de garantias não se aplica a processos de competência originária do STF e do Superior Tribunal de Justiça, do tribunal do júri, casos de violência doméstica familiar e de menor potencial ofensivo. Ele foi acompanhado por todos os ministros.
A última análise foi sobre o pedido de nulidade da delação de Mauro Cid. O relator rebateu o argumento de que o acordo foi firmado sem a atuação do Ministério Público (MP). Citou que tanto a Polícia quanto o MP podem assinar a colaboração, mas que a acusação tem a prerrogativa de não utilizar o conteúdo.
— Ela (a delação) é um meio de obtenção de prova — disse Moraes.
Argumentou ainda que cabe ao judiciário analisar somente os termos desta colaboração, tanto no julgamento quanto em sua fase anterior.
O ministro afirmou que os termos foram pactuados entre a PF e Cid e que permanecem idênticos aos firmados em setembro de 2023. Nos oito depoimentos que prestou, o delator foi acompanhado por, no mínimo, dois advogados, ressaltou Moraes.
O ministro disse que não houve coação a Cid em audiência marcada após ofício da PF alegar que havia prática dolosa de Cid por omissões nos depoimentos, representando pela prisão.
Na sequência, ele afirma que presidiu audiência com Cid sobre os apontamentos da PF e que somente repetiu os termos da delação premiada, com a possibilidade de rescisão do acordo.
— A audiência foi marcada para que o colaborador, com a presença dos seus advogados, pudesse se manifestar sobre essa imputação que a PF lhe havia feito, com parecer favorável da procuradoria, sobre ele ter mentido, omitido, fatos objeto da colaboração — disse ele, afirmando que o acordo foi mantido após Cid retificar informações que já havia passado.
O voto de Moraes, por afastar a preliminar, foi acompanhado por Dino:
— É muito difícil crer que um coronel do Exército brasileiro, uma alta autoridade, seria facilmente intimidado — diz Dino ao acompanhar Moraes e negar anulação da delação.
Fux, Cármem Lúcia e Cristiano Zanin também acompanharam o voto do relator para negar a anulação da delação de Cid.

Quem são os investigados
Nesta primeira fase, será analisado o recebimento da denúncia contra oito dos 34 denunciados pela PGR. De acordo com a procuradoria, estes oito formam o primeiro núcleo da denúncia, ou o "núcleo crucial" da tentativa de golpe. São eles:
- Jair Bolsonaro, ex-presidente;
- Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa);
- Anderson Torres (ex-ministro da Justiça);
- Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa);
- Augusto Heleno (ex-ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional);
- Almir Garnier Santos (ex-comandante da Marinha);
- Alexandre Ramagem (ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência e atual deputado federal);
- Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que fechou acordo de delação premiada).
Os crimes
A denúncia da PGR aponta que Bolsonaro e seus aliados teriam cometido cinco crimes:
- Tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito
- Golpe de Estado
- Organização criminosa armada
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima
- Deterioração de patrimônio tombado
O rito processual
- O presidente da Primeira Turma do STF, o ministro Cristiano Zanin, fez uma abertura oficial da sessão. Após, o ministro Alexandre de Moraes fez uma leitura do relatório da denúncia.
- O procurador-geral da República, Paulo Gonet, fez uma sustentação oral, apresentando suas considerações principais e reiterando a denúncia dos crimes. Em seguida, os advogados de defesa manifestaram-se por 15 minutos, pedindo que a denúncia seja rejeitada.
- Antes de analisar o recebimento da denúncia, a Primeira Turma deliberou questões processuais preliminares
- Na sequência, então, os cinco ministros decidirão se aceitam ou não o pedido de denúncia da PGR, o que ocorrerá nesta quarta-feira. Uma maioria simples de três votos entre os cinco possíveis define a votação.
- Se a denúncia for aceita, terá início a fase processual da ação penal, ou seja, passará a ser analisado o mérito das acusações criminais, se o tribunal entende que os então acusados cometeram ou não os crimes apontados pela PGR. Se a decisão for pelo não recebimento, a denúncia é arquivada, e não ocorre a análise do mérito das acusações criminais.