
Os principais denunciados pela tentativa de golpe de 2022 ainda nem se tornaram réus e já estão contando com a possibilidade de uma anistia a ser aprovada por pressão dos Estados Unidos, como se o Brasil fosse uma republiqueta bananeira. É, sim, provável que todo o chamado “núcleo crucial” da trama golpista seja condenado pelo conjunto de atos preparatórios a uma ruptura institucional — que só não ocorreu porque os comandantes do Exército e da Aeronáutica honraram a farda e não embarcaram na aventura sonhada por Jair Bolsonaro, Braga Netto, Augusto Heleno e outros conspiradores.
Pelo que a Polícia Federal apurou e pelo o que o tenente-coronel Mauro Cid contou na sua delação premiada, sintetizados na denúncia do procurador-geral da República, Paulo Gonet, a ideia era reprisar 1964, quando o golpe militar teve apoio de civis e jogou o Brasil numa jornada sombria de 21 anos. Os civis foram incitados a permanecer de vigília em frente aos quartéis, enquanto os artífices do golpe reinterpretavam o artigo 142 da Constituição Federal, tentando encaixar atos ilegais nas “quatro linhas” da Carta Magna.
É fato que a Constituição prevê a decretação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para casos específicos em que se perde o controle das multidões. Não era o caso, até porque fracassaram as tentativas de criar o caos, seja com a queima de carros no dia da diplomação, seja na explosão de uma bomba no aeroporto de Brasília, às vésperas do Natal, seja na invasão dos prédios dos três poderes no 8 de Janeiro.
Estado de defesa, estado de sítio, suspensão das garantias constitucionais, prisão do presidente eleito e de ministros do Supremo Tribunal Federal e até um plano de assassinato (Punhal Verde Amarelo) passaram pela cabeça dos aloprados que espalhavam entre os acampados a sentença “Lula não sobe a rampa”.
Colocar em votação um projeto de anistia ampla, geral e irrestrita para os golpistas e seus cúmplices seria um erro fatal do Congresso, que é o primeiro poder sacrificado nas ditaduras. Significaria dizer que os próximos que não gostarem do resultado de uma eleição podem se rebelar e nada lhes acontecerá.
A anistia proposta para os que tentaram violentar a Constituição não tem nada a ver com aquela dos estertores do regime militar, que valeu para os dois lados — ainda que seja discutível o acerto do perdão a assassinos e torturadores. Foi uma saída negociada para acabar com a ditadura, que dava sinais de exaustão, e não um benefício a quem, como Bolsonaro, defende a tortura e tem um torturador (Brilhante Ustra) como ídolo.