
No mesmo dia em que Jair Bolsonaro (PL) participou de uma manifestação em Copacabana, no Rio de Janeiro, pedindo anistia aos condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de Janeiro, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro publicou nos stories do Instagram uma foto antiga do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vestindo uma camiseta com a palavra "anistia".
A imagem, capturada por Iugo Koyama em abril de 1979, mostra o então sindicalista distribuindo panfletos pró-anistia no ABC Paulista, durante a ditadura militar. A foto também foi compartilhada por apoiadores de Bolsonaro ao longo da semana que antecedeu a manifestação, que, segundo o Estadão, reuniu apenas 2% do público esperado.
A ex-primeira-dama também postou a imagem de um cartaz com a frase: "Anistiados de 1979 são os ditadores de hoje". Mas, afinal, o que foi a Anistia de 1979 e como ela se compara à anistia defendida por Bolsonaro?
O que é anistia
A anistia é um dispositivo jurídico previsto no Código Penal brasileiro que pode impedir a punição de um crime ou contravenção. É a chamada extinção de punibilidade, que "apaga" a pena e suas consequências legais.
Ela é concedida por meio de lei federal, que deve ser aprovada pela Câmara e Senado e, posteriormente, sancionada pelo presidente da República. Caso seja vetado, o Congresso ainda pode derrubar o veto em votação. Uma futura lei também deve ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A anistia difere do indulto ou da graça, também mecanismos de extinção de punibilidade, que são benefícios concedidos pelo presidente por meio de um decreto e se aplicam a um indivíduo ou grupo de pessoas. Enquanto isso, a anistia diz respeito aos fatos, ou seja, aos crimes cometidos.
Anistia de 1979
A Lei da Anistia de 1979 foi aplicada para perdoar crimes políticos cometidos entre 1961 e 1979 pela ditadura militar de maneira bilateral. Ou seja, tanto perseguidos pela ditadura, incluindo presos políticos, exilados e sindicalistas, como agentes da repressão que cometeram tortura, assassinatos e outras violações de direitos humanos foram beneficiados.
Anistia de Bolsonaro
Mais de um texto sobre a anistia aos participantes do 8 de Janeiro tramitam no Congresso. O projeto de lei 2.858/2022, de autoria do deputado federal Major Vitor Hugo (PL-GO), reuniu outros semelhantes que foram apresentados na Câmara dos Deputados. É o texto mais avançado no Legislativo hoje.
O projeto também pode beneficiar Bolsonaro, já que diz que as pessoas que participaram de eventos antes ou depois de 8 de janeiro de 2023 que tenham conexão com os atos daquele dia também são alvos da anistia.
O ex-presidente liderou organização criminosa que tramou um golpe de Estado, da qual o 8 de Janeiro fez parte, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR). O julgamento do recebimento da denúncia contra Bolsonaro e outras sete pessoas por tentativa de golpe está marcado para o dia 25 de março.
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que deve apresentar o "PL da Anistia" como prioridade do partido na próxima reunião de líderes da Casa, prevista para quinta-feira, 20.
Na última quinta-feira (13), o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), anunciou que apresentará um pedido de urgência para a votação "para entrar na pauta na semana que vem".
O requerimento precisa, no mínimo, de votos favoráveis de 257 dos 513 deputados para ser aprovado. Caso isso ocorra, a proposta não precisa passar por comissões, e segue direto para o plenário da Casa.
Diferenças
Na Lei da Anistia de 1979, o perdão se estendeu a perseguições, cassações e crimes praticados por agentes da repressão.
Mas a Constituição Federal de 1988 prevê que nem todos os tipos de crimes podem ser anistiados. Atos como tortura, tráfico ilícito de drogas, terrorismo, crimes hediondos e ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, não estão incluídos.
Neste sentido, juridicamente, os crimes de 8 de Janeiro não se encaixam nos critérios de anistia permitidos pela Constituição, segundo a interpretação do STF. Ataques antidemocráticos constam no artigo 5º do texto constitucional, inciso 44, como um crime inafiançável e imprescritível.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, os ministros do STF interpretaram o inciso para considerar que as pessoas que estavam no 8 de Janeiro cometeram crime contra o Estado democrático de direito, e portanto, não estariam sujeitas à anistia.
No entanto, o crime inafiançável e imprescritível, ou seja, não sujeito a "perdão", seria a ação de grupos armados, que não seria o caso dos invasores dos prédios dos três poderes, de acordo com especialistas.