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A denúncia apresentada nesta terça-feira (18) pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 33 pessoas aponta ter havido uma organização criminosa que "utilizou violência e grave ameaça com o objetivo de impedir o regular funcionamento dos Poderes da República (art. 359-L do Código Penal) e depor um governo legitimamente eleito (art. 359-M do Código Penal)"
Segundo o documento enviado pela PGR ao Supremo Tribunal Federal (STF), esse grupo atuou "pelo menos (desde) o dia 29 de junho de 2021 e operando até o dia 8 de janeiro de 2023, com o emprego de armas (art. 2º da Lei n. 12.850/2013).
De acordo com as investigações da Polícia Federal (PF) que subsidiam a decisão da PGR, as manifestações recorrentes de Bolsonaro, em lives, atos públicos e até perante a comunidade internacional em eventos diplomáticos, representam a estruturação de um discurso com viés estratégico de direcionar parte da opinião pública a favor da ruptura da democracia.
Foram vários os episódios de atuação de Bolsonaro em desfavor da credibilidade das eleições no Brasil. O tema gerou inquéritos e processos na Justiça. Dois deles, resultaram em condenações, tornando Bolsonaro inelegível até 2030.
Relembre cinco momentos em que o ex-presidente questionou o sistema eleitoral:
1. Declarações em Miami
No dia 3 de março de 2020, em Miami (EUA), onde participava de encontro bilateral sobre a relação econômica entre os dois países, o então presidente Jair Bolsonaro afirmou que houve fraude na eleição presidencial de 2018, a qual, segundo ele, deveria ter sido vencida no primeiro turno.
Bolsonaro não apresentou nenhuma prova acerca de sua manifestação, mas sustentou perante autoridades norte-americanas que apresentaria, em breve, as evidências.
— Eu acredito que, pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito em primeiro turno, mas no meu entender houve fraude. E nós temos não apenas a palavra, temos comprovado, brevemente eu quero mostrar. Nós precisamos aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos — declarou Bolsonaro.
No primeiro turno da eleição presidencial, Bolsonaro recebeu 49,3 milhões de votos, equivalente a 46,03% dos válidos. Para vencer a eleição no primeiro turno, são necessários 50% dos votos válidos mais um voto. Como o percentual não foi alcançado, houve um segundo turno entre ele e o candidato do PT, Fernando Haddad. Bolsonaro venceu a eleição com 55,15% dos votos válidos.
A eleição presidencial de 2018 não teve registro de fraudes, segundo a Justiça Eleitoral, assim como nos 22 anos anteriores em que o sistema de votação foi utilizado.
2. Bate-papo no Alvorada
Hábito que acompanhou parte da rotina nos quatro anos de governo, as caminhadas matinais seguidas de bate-papos com apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, também serviram como palanque para disseminação da tese não comprovada de vulnerabilidade das urnas no Brasil.
A elevação do tom do discurso neste cenário ocorreu no dia 7 de janeiro de 2021, um dia depois de extremistas invadirem a sede do Legislativo norte-americano para interromper a solenidade para confirmação da eleição de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos.
Bolsonaro voltou a levantar dúvida sobre a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e a pressionar pelo retorno do voto impresso no país. Sem citar diretamente o ataque ao Capitólio por apoiadores de Donald Trump, derrotado à época, o ex-presidente afirmou que o modelo eletrônico pode levar o Brasil a ter um problema pior do que o dos Estados Unidos.
— Se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos — declarou.
Também sem apresentar nenhuma prova, Bolsonaro repetiu que houve fraude nas eleições norte-americanas. A conversa com os apoiadores, neste dia, também precipitou o acirramento nas falas de Bolsonaro contra os questionamentos da imprensa sobre a falta de apresentação de provas.
O chefe do Planalto disse que não responderia mais aos jornalistas, a quem chamou de "canalhas".
3. Reunião com embaixadores
Uma reunião com embaixadores de nações amigas do Brasil, na tarde de 18 de julho de 2022, no Palácio da Alvorada, expôs a iniciativa de desacreditar na democracia e no sistema eleitoral brasileiro à comunidade internacional.
No encontro, Bolsonaro sustentou denúncia feita por um suposto hacker, jamais identificado, que teria obtido acesso ao código fonte e às senhas de autoridades do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
— Sou acusado o tempo todo de querer dar o golpe, mas estou questionando antes por que temos tempo ainda de resolver esse problema — afirmou o ex-presidente, exibindo um arquivo PowerPoint contendo suas desconfianças e reiterando ataques a ministros do STF.
Aos embaixadores, Bolsonaro disse que tudo o que apresentara estaria documentado. Porém, não demonstrou tais documentos.
4. As lives de 2022
Em 2022, ano eleitoral, em duas lives transmitidas em suas redes sociais, nos dias 22 e 29 de julho, Bolsonaro abordou a credibilidade das eleições.
Essas manifestações ocorreram menos de um mês antes do início oficial da campanha eleitoral. Em 22 de julho, questionou a segurança e confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro. Ele afirmou desconfiar da conduta do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à época, ministro Luis Roberto Barroso.
— Por que o ministro do STF Luís Roberto Barroso vai para dentro do Congresso Nacional se reunir com lideranças partidárias dizendo que as urnas são plenamente confiáveis? Se são, dá um tapa na minha cara — desafiou Bolsonaro.
— Vamos aprovar o voto impresso auditável juntamente com a contagem pública dos votos — acrescentou.
Sob pretexto de "evitar problemas", defendeu a aprovação da PEC que implementaria o voto "auditável" nas eleições presidenciais. A proposta chegou a começar a ser discutida na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, porém foi retirada de pauta diante da iminência de ser derrotada pelos parlamentares do colegiado.
Bolsonaro mais uma vez adiou a apresentação de provas sobre possíveis fraude nas eleições, e disse que "com toda certeza" as apresentaria na quinta-feira da próxima semana.
Em 29 de julho, assegurou ter "indícios e indícios", com base em análise de inteligência, sobre fraudes na eleição:
— Alguns em fase de análise, outros extraídos da própria imprensa brasileira e outros também de pessoas que no dia das eleições foram votar e o nome do seu candidato não apareceu na tela. Por incrível que pareça as reclamações só tinham uma mão, queriam votar no 17 e aparecia nulo ou automaticamente o 13. Quem queria votar no 13 não aparecia 17 e nem nulo. Então, são indícios e mais indícios — apontou, na transmissão.
Bolsonaro também voltou a atacar o ministro Luis Roberto Barroso. Novamente, não houve apresentação de provas e dos supostos indícios.
5. Derrota não reconhecida
Descumprindo um rito cristalizado nas culturas democráticas, o ex-presidente, derrotado por Lula na eleição presidencial, não se manifestou em reconhecimento à vitória de seu oponente político em 30 de outubro de 2022.
Bolsonaro virou notícia ao ter seu isolamento no Palácio do Planalto após a divulgação do resultado das urnas registrado pela imprensa. Ganhou destaque por ter ficado mais de 24 horas sem se pronunciar.
183 ataques às urnas, aponta estudo da USP
Um estudo realizado pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital do Grupo de Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP) aponta que o ex-presidente Jair Bolsonaro atacou as urnas eletrônicas com informações falsas 183 vezes durante seu mandato.
A nota técnica, de autoria do pesquisador Ergon Cugler Silva, elenca as principais falas do ex-presidente para questionar a segurança eleitoral entre 2019 e 2022. Afirmações como “a urna eletrônica não é segura” e “a urna eletrônica não é auditável” foram as mais repercutidas pelo político, sendo repetidas, respectivamente, 80 e 57 vezes no período.
A íntegra do documento pode ser acessada no portal monitordigital.org.