Caso a trama golpista investigada pela Polícia Federal tivesse conseguido derrubar o governo eleito em 2022, o então presidente Jair Bolsonaro continuaria no poder assessorado diretamente por um gabinete lotado de militares e chefiado pelo general Augusto Heleno. Esse é o planejamento que emerge de um documento elaborado pelo general Mário Fernandes, preso por suspeita de ser um dos líderes da intentona.
Bolsonaro tem negado participação em qualquer levante antidemocrático. Ao retornar a Brasília na última segunda-feira (25), o ex-presidente disse que, caso fosse incitado a executar um golpe de Estado, perguntaria aos conspiradores como seria o dia seguinte à ruptura institucional. É justamente o “day after” citado por Bolsonaro que Fernandes esmiuça no arquivo “HD_2022a.doc”, localizado pelos agentes federais em um HD externo na casa do general.
Trata-se da minuta de um decreto instituindo o chamado “Gabinete Institucional de Gestão da Crise”. O texto desenha a estrutura organizacional do órgão que daria a Bolsonaro “maior consciência situacional das ações em curso a fim de apoiar o processo e tomada de decisão”. De acordo com o exposto no arquivo, o gabinete funcionaria 24 horas por dia, sete dias por semana, com sede na “sala de reunião suprema”, no segundo andar do Palácio do Planalto.
No comando do gabinete de crise estaria Heleno, um dos assessores mais leais a Bolsonaro e à época à frente do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Logo abaixo, como coordenador-geral, figurava outro general, Braga Neto, candidato a vice na chapa derrotada e com passagens pelo ministério da Defesa e pela Casa Civil no governo Bolsonaro.
Na “Assessoria Estratégica” do órgão, aparecem o próprio Mário Fernandes e o coronel Élcio Franco Filho. Outros três coronéis ficariam lotados em uma assessoria de inteligência. Ao menos 18 militares são indicados para as 12 instâncias do gabinete.
O único civil em posto de destaque é Filipe Martins, autor da minuta do decreto de Estado de Sítio e à época assessor de Relações Internacionais da Presidência. Segundo a PF, “chama a atenção o fato de constar como integrantes da estrutura várias pessoas que são investigadas ou ligadas aos investigados” na operação golpista.
De acordo com o texto, o gabinete de crise teria como objetivo “estabelecer diretrizes estratégicas, de segurança e administrativas para o gerenciamento da crise institucional”. Duas normas legais citadas no planejamento iriam dar respaldo jurídico aos trabalhos. O primeiro é a Lei 13.844/2019, que desenha os organismos ligados à Presidência, e o decreto de Estado de Sítio.
Entre as ações a serem executadas, estavam influenciar a opinião pública e monitorar o trabalho da imprensa, com “discurso único, em todos os níveis, para evitar interpretações e ilações que desinformam a população”. O gabinete também teria que buscar apoio no Congresso e na comunidade internacional, além de monitorar o trabalho de parlamentares e estreitar relações com setores aliados, como o agronegócio, caminhoneiros e governantes favoráveis ao golpe. Nas 10 assessorias previstas para dar suporte às iniciativas, havia até mesmo uma especializada em “operações psicológicas”.
Averiguando os metadados do arquivo, a PF verificou que o documento foi criado por Fernandes às 10h43min de 16 de dezembro de 2022, mesmo dia em que houve uma reunião no Palácio do Alvorada para pressionar Bolsonaro a assinar a minuta do decreto de Estado de Sítio e um dia após membros das Forças Especiais do Exército terem abortado a missão de sequestrar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
De acordo com a PF, o planejamento foi impresso ao menos duas vezes dentro do Palácio do Planalto, ambas no dia 16 de de dezembro. Na segunda vez, foram impressas seis cópias, o que para a PF evidencia a distribuição do plano para várias pessoas.
O arquivo estava armazenado em uma pasta denominada “ZZZZ_Em Andamento”, nome que, para a PF, evidencia que as ações estavam em curso. Na mesma pasta estava o plano “Punhal Verde e Amarelo”, cujo objetivo era assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e Moraes. “Trata-se de um verdadeiro planejamento com características terroristas”, resume a PF.