Para fundamentar o afastamento imediato da juíza Gabriela Hardt — ex-substituta de Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, berço da Operação Lava-Jato —, o ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, elencou as condutas a ela atribuídas na "gestão caótica de valores provenientes de acordos de colaboração e de leniência". A juíza informou que não vai se manifestar sobre a decisão de Salomão.
O ministro suscita o enquadramento da magistrada por uma série de crimes. O que mais pesa sobre a magistrada, no entendimento do ministro, é a homologação do polêmico acordo cível entre a Petrobras e a força-tarefa da Lava-Jato: a proposta de criação de uma fundação com multa de R$ 2,5 bilhões paga pela petrolífera nos Estados Unidos. O acordo foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
"Sem o feito estar devidamente instruído, com diversas ilegalidades patentes, a magistrada homologou o acordo em questão, que destinava grande montante de dinheiro público à criação de uma fundação de direito privado de interesse pessoal dos próprios procuradores da Lava-Jato que formularam o pedido, além do pagamento de indenizações a determinados acionistas minoritários da Petrobras de acordo com critério temporal e sem respaldo legal ou explicação razoável, neste último caso atendendo interesses de um advogado específico", anotou o corregedor.
Para o ministro, a decisão de Gabriela foi "baseada exclusivamente nas informações incompletas e até mesmo informais, sem qualquer tipo de contraditório ou intimação da União Federal".
"Tal comportamento fazia parte da estratégia concebida para recirculação dos valores repassados pelo juízo à Petrobras, posteriormente constrangida a celebrar o acordo nos EUA para o retorno do montante bilionário para a fundação privada", indicou Salomão.
Nesse caso, o ministro vê indícios de descumprimento da Lei Orgânica da Magistratura além de violação "aos deveres de prudência, independência, imparcialidade e transparência, do Código de Ética da Magistratura".
"Constatou-se um conjunto de atos comissivos e omissivos singulares que são efetiva e essencialmente anômalos (quem, em sã consciência, concordaria em destinar bilhões de reais de dinheiro público para uma fundação privada, de maneira sigilosa e sem nenhuma cautela), sendo que tais ações da reclamada, de uma maneira ou outra, culminariam na destinação do dinheiro para fins privados, o que só não ocorreu por força de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal", argumenta.
O ministro elenca outros episódios em que vê supostas infrações disciplinares e faltas funcionais na conduta da magistrada. Ele suscita o enquadramento de atos de Gabriela Hardt como ilícitos penais.
As suspeitas que recaem sobre a juíza, segundo Salomão:
- Definição da Petrobras como vítima dos delitos apurados em ação penal, desconsiderando a União e com critérios contraditórios e sem nenhuma transparência, sendo essa prática determinada inicialmente pelo então Juiz Federal SErgio Moro (na qualidade de juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba/PR) e posteriormente referendada pela juíza Gabriela
- Atuação da juíza em processo autônomo (instaurado de ofício, com absoluto sigilo e sem a participação dos interessados) para suposto controle e destinação de valores de acordos de colaboração e leniência, inclusive referentes a ações penais sem sentença e, também, sem trânsito em julgado, estabelecendo critérios sem fundamentação legal, eivados de contradição e sem transparência, atingindo montantes superiores a R$ 5 bilhões
- Homologação de acordo de assunção de compromissos firmado pela força-tarefa da Operação Lava-Jato e a Petrobras e que destinava valores públicos a interesses privados (criação da fundação "Lava-Jato" e pagamento de indenizações a acionistas minoritários selecionados por critério temporal não fundamentado em lei), sem a observância de independência, imparcialidade, transparência e prudência. Tudo isso foi realizado sem a intimação da União e da Procuradoria-Geral da República e sem a participação do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). Destaca-se, ainda, a ausência de documentos que demonstravam como o acordo internacional que originou o documento homologado teria sido desenvolvido e operado entre os procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato, a Petrobras e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (DOJ)
- Hipótese criminal de peculato-desvio (artigo 312 do Código Penal), com possíveis desdobramentos criminais interdependentes — prevaricação (artigo 319 do Código Penal), corrupção privilegiada (art. 317, §2º, do Código Penal) ou corrupção passiva (artigo 317, caput, do Código Penal) —, construídas com base nas informações obtidas ao longo dos trabalhos, que indicam articulação entre os agentes e prática de atos atípicos pelo juízo, Ministério Público e outros atores.
Contraponto
A juíza informou que não vai se manifestar sobre a decisão de Salomão.