O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para as 13h desta sexta-feira (22) um novo depoimento do tenente-coronel Mauro Cid, após serem divulgados áudios em que o militar critica a atuação das autoridades responsáveis pelas investigações contra ele.
O depoimento ocorrerá na sala de audiências do STF e será presidido pelo desembargador Airton Vieira, juiz instrutor do gabinete de Moraes. Na sala, devem estar presentes apenas o depoente, sua defesa e um representante da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Áudios
Os áudios de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mostram o militar declarando que o inquérito da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de Estado é uma "narrativa pronta" e que os investigadores "não queriam saber a verdade".
"Eles já estão com a narrativa pronta. Eles não queriam saber a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa dele. É isso que eles queriam, e toda vez eles falavam 'olha, a sua colaboração tá muito boa'. Ele até falou, 'vacina, por exemplo, você vai ser indiciado por nove tentativas de falsificação de vacina, vai ser indiciado por associação criminosa', e mais um termo lá. Ele disse assim: 'só essa brincadeira vai ser 30 anos pra você", declarou o tenente-coronel.
Os áudios, de curta duração, foram divulgados na quinta-feira (21), pela revista Veja. Em uma das gravações, Cid diz que a Procuradoria-Geral da República e o ministro Alexandre de Moraes estariam aguardando somente o momento certo de “prender todo mundo”.
"O Alexandre de Moraes já tem a sentença dele pronta, acho que essa é que é a grande verdade. Ele já tem a sentença dele pronta. Só tá esperando passar um tempo. O momento que ele achar conveniente, denuncia todo mundo, o PGR (procurador-geral da República) acata, aceita e ele prende todo mundo”, diz trecho dos áudios divulgados.
"Eles são a lei agora, a lei já acabou há muito tempo. A lei é eles, eles são a lei, o Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta quando ele quiser, com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação", afirmou o tenente-coronel.
Em um dos áudios divulgados pela revista, Cid afirma que a PF queria que ele falasse coisas que ele não sabia e que não aconteceram: "Não adianta, você pode falar o que você quiser. Eles (Polícia Federal) não aceitavam e discutiam que a minha versão não era verdadeira, que não podia ser assim, que eu estava mentindo".
Em outra gravação, o ex-ajudante de ordens explica o porquê de ter aceitado a delação premiada. Segundo ele, a recusa faria com que ele recebesse uma pena de até quatro décadas de prisão.
"Se eu não colaborar, vou pegar 30, 40 anos. Porque eu estou em vacina, eu estou em joia", disse Cid, em referência ao inquérito das fraudes no sistema do Ministério da Saúde e o caso das joias da Presidência da República vendidas ilegalmente pela cúpula do governo anterior, revelado pelo Estadão.
O ex-ajudante de ordens também disse que acredita que todos os investigados serão condenados, e que as penas somadas seriam maiores que cem anos. Cid ainda cita os golpistas que foram sentenciados por participarem dos ataques aos prédios públicos no 8 de janeiro de 2023, chamando os vândalos presos de "bagrinhos".
"A cama está toda armada. E vou dizer: os bagrinhos estão pegando 17 anos. Teoricamente, os mais altos vão pegar quantos?", afirma.
Cid revela mágoa com Bolsonaro
Outro áudio divulgado revela uma mágoa de Cid com Jair Bolsonaro, seu ex-chefe. Segundo o ex-ajudante de ordens, ele foi o único que teve a carreira no Exército e a vida financeira prejudicada após o início das investigações. O tenente-coronel relembra a campanha de transferências via Pix que foi feita, no ano passado, para ajudar Bolsonaro em despesas processuais e diz que ele ficou "milionário".
"Quem mais se f**deu foi eu, quem mais perdeu coisa foi eu. Ninguém perdeu carreira, ninguém perdeu vida financeira como eu perdi. Todo mundo já era quatro estrelas, já tinha atingido o topo. Presidente (Bolsonaro) teve Pix de milhões, ficou milionário, né? Tá todo mundo aí, político é até bom porque eles depois conseguem se eleger fácil. O único que teve pai, filha, esposa envolvido, o único que perdeu carreira, único que perdeu vida financeira toda f**ida foi eu", afirma o tenente-coronel.
Defesa
Em comunicado, a defesa de Mauro Cid não negou a autenticidade dos áudios e disse que as falas "não passam de um desabafo em que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda".
A defesa ainda nega que o militar tenha criticado a atuação de autoridades nas investigações sobre ele, ou que as falas possam ter algum impacto sobre o acordo de delação premiada fechada entre o tenente-coronel e a Polícia Federal.
“Mauro César Barbosa Cid em nenhum momento coloca em xeque a independência, funcionalidade e honestidade da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República ou do Supremo Tribunal Federal na condução dos inquéritos em que é investigado e colaborador, aliás, seus defensores não subscrevem o conteúdo de seus áudios”, diz a nota da defesa.
Ex-ajudante de ordens da Presidência da República no governo de Jair Bolsonaro, Mauro Cid fechou acordo de colaboração premiada após ter sido preso no âmbito do inquérito que apura fraudes em certificados de vacinação contra covid-19. De acordo com a Veja, os áudios do militar foram mensagens enviadas a um colega da farda.
Além do caso referente às vacinas, Cid cooperou também com o inquérito sobre uma tentativa de golpe de Estado que teria sido elaborada no alto escalão do governo Bolsonaro.
No comunicado, a defesa diz também que os áudios "de forma alguma, comprometem a lisura, seriedade e correção dos termos de sua colaboração premiada firmada perante a autoridade policial, na presença de seus defensores constituídos e devidamente homologada pelo Supremo Tribunal Federal nos estritos termos da legalidade".
A defesa ainda sustenta que a gravação foi clandestina:
"Referidos áudios não passam de um desabafo em que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda, mas que, de forma alguma, comprometem a lisura, seriedade e correção dos termos de sua colaboração premiada firmada perante a autoridade policial, na presença de seus defensores constituídos e devidamente homologada pelo Supremo Tribunal Federal nos estritos termos da legalidade".