O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (20) o julgamento da ação que discute o marco temporal para demarcação de terras indígenas no Brasil. Até o momento, dois ministros votaram a favor e quatro votaram contra a tese.
O marco temporal prevê que indígenas só tenham direito às áreas que ocupavam ou disputavam judicialmente no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Caso este entendimento seja aprovado, os povos originários só poderão reivindicar a posse de áreas que ocupavam naquela data.
Defendida pelos ruralistas, entidades que representam os povos originários argumentam que a regra restringirá o acesso dos indígenas a territórios aos quais teriam direito. Outra alegação é de que, em muitos casos, houve expulsões ou remoções forçadas nos períodos anteriores à Constituição.
O projeto que institui o marco temporal já foi aprovado na Câmara dos Deputados e avança no Senado. O relator da proposta, senador Marcos Rogério (PL-RO), pretende pautar a votação do texto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no mesmo dia em que o STF retomar o julgamento.
Dois anos no Supremo
O julgamento teve início em 2021, quando, antes de ser interrompido, o ministro relator do caso, Edson Fachin, votou contra a tese, e Nunes Marques se manifestou a favor. Em junho, Alexandre de Moraes acompanhou o relator, e em seguida a sessão foi suspensa por pedido de vista feito por André Mendonça.
Em 30 de agosto, com placar em 2 a 1 contra o marco temporal, o julgamento recomeçou, com a palavra de Mendonça, que votou a favor da tese e empatou a votação em 2 a 2. Em razão do horário, contudo, Mendonça, que falou por mais de três horas, não conseguiu concluir seu voto, e por isso abriu a sessão no dia seguinte com conclusão do seu parecer.
Em seguida, a palavra foi concedida a Zanin, que ressaltou a necessidade de impedimento de "retrocessos que reduzam a proteção dos povos indígenas", desempatando o placar.
— Acompanho o relator, reafirmando que a escolha do constituinte foi no sentido de que a proteção constitucional originária sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades indígenas independe da existência de marco temporal em 5 de outubro de 1998 — afirmou Zanin, no que foi considerado um aceno do ministro à base aliada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na sequência, Barroso defendeu que "não existe um marco temporal fixo e inexorável e que a ocupação tradicional também pode ser demonstrada pela persistência na reivindicação de permanência na área, por mecanismos diversos", ampliando o número de votos contra a demarcação.
— Todos nós desmistificamos a ideia de que haveria um marco temporal assinalado pela presença física em 5 de outubro de 1988 reconhecendo, ao revés, que a tradicionalidade e a persistência da reinvindicação à área, mesmo que desapossada, também constitui fundamento de direito para as comunidades indígenas — ressaltou Barroso.
Ainda faltam os votos de cinco ministros: Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
O que diz o projeto de lei do marco temporal
A essência do projeto é restringir a demarcação de terras indígenas aos territórios efetivamente ocupados por povos originários em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição. Veja outras mudanças previstas no texto:
- Proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas;
- Determina participação de prefeitos e governadores na demarcação;
- Permite que os proprietários de terras dentro da área demarcada contestem a criação das reservas;
- Determina à União notificar, com duas semanas de antecedência, a visita de peritos às propriedades atingidas pela demarcação;
- Flexibiliza exploração mineral em reservas indígenas;
- Determina indenização aos proprietários pelas terras desapropriadas e pelas benfeitorias existentes.
O que motivou o julgamento?
O processo que motivou a discussão no STF trata da disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina, que é parte da Reserva Biológica do Sassafrás. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e ocupação é questionada pela procuradoria do Estado.
O julgamento analisa recurso sobre a reintegração de posse do local feita pelo Instituto do Meio a Ambiente de Santa Catarina (IMA) contra a Fundação Nacional do Índio (Funai) e indígenas do povo Xokleng.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) havia aplicado, em 2013, a tese do marco temporal ao analisar o caso e conceder ao IMA a posse da área. O argumento usado foi de que a área, de aproximadamente 80 mil m², não estava ocupada pelos indígenas em 5 de outubro de 1988. A Funai, então, enviou ao STF um recurso questionando a decisão do TRF-4. Os Xokleng argumentaram que a terra estava desocupada na ocasião porque eles haviam sido expulsos do local.
A decisão do STF tem repercussão geral, ou seja, deverá ser seguida em situações semelhantes pelas instâncias inferiores da Justiça.
Como está a votação
Até o momento, votaram contra a tese:
- Edson Fachin (relator)
- Alexandre de Moraes
- Cristiano Zanin
- Luís Roberto Barroso
Votaram favoravelmente ao marco temporal:
- Nunes Marques
- André Mendonça