Pauta simbólica para o governo Luiz Inácio Lula da Silva, a demarcação de reservas indígenas está prestes a ser limitada pela Câmara dos Deputados. A medida tem amplas chances de aprovação já nesta terça-feira (30) e reforça a ofensiva do Congresso sobre o Planalto em um momento de desacerto na articulação política palaciana.
Apoiado pela bancada ruralista, o projeto de lei (PL) estabelece o chamado marco temporal das demarcações. Pelo texto que será submetido ao plenário, somente poderão ser demarcados como reservas indígenas os territórios efetivamente ocupados por povos originários em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição. Terras reivindicadas, ocupadas ou em conflito após essa data ficam proibidas de ser entregues a populações indígenas.
Embora a fixação do marco temporal seja o ponto mais destacado, a matéria tramita em conjunto a outros 14 projetos que legislam sobre temas similares. Desta forma, o relator do PL, deputado Arthur Oliveira Maia (UB-BA), criou ainda mais polêmica. No texto apresentado previamente aos parlamentares, Maia amplia a exploração mineral das reservas, obriga a participação de governadores e prefeitos na demarcação e concede aos proprietários das terras o direito ao contraditório, entre outras mudanças nas regras atuais.
Entenda em tópicos o que é o marco temporal e quais os argumentos contrários e a favor
O que diz o projeto de lei do marco temporal
A essência do projeto é restringir a demarcação de terras indígenas aos territórios efetivamente ocupados por povos originários em 5 de outubro de 1988, dia da promulgação da Constituição. Veja outras mudanças previstas no texto:
- Proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas;
- Determina participação de prefeitos e governadores na demarcação;
- Permite que os proprietários de terras dentro da área demarcada contestem a criação das reservas;
- Determina à União notificar, com duas semanas de antecedência, a visita de peritos às propriedades atingidas pela demarcação;
- Flexibiliza exploração mineral em reservas indígenas;
- Determina indenização aos proprietários pelas terras desapropriadas e pelas benfeitorias existentes.
Argumentos favoráveis
- Em 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kássio Nunes Marques votou a favor do marco temporal, no caso de Santa Catarina, afirmando que, sem esse prazo, haveria “expansão ilimitada” para áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário” no país;
- O ministro avaliou ainda que, sem o marco temporal, a “soberania e independência nacional” estariam em risco;
- Ele destacou que é preciso considerar o marco temporal em nome da segurança jurídica nacional;
- Segundo Marques, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial;
- Marques citou que a Constituição deu prazo de cinco anos para que a União efetuasse a demarcação das terras. Para ele, essa norma demonstra a intenção de estabelecer um marco temporal preciso para definir as áreas indígenas;
- O ministro também entende que a ampliação da terra indígena de Santa Catarina requerida pela Funai é indevida, por se sobrepor a uma área de proteção ambiental.
Argumentos contrários
- Representantes dos povos indígenas afirmam que o marco temporal ameaça a sobrevivência de muitas comunidades indígenas e de florestas.
- Afirmam também que trará o caos jurídico ao País e muitos conflitos em áreas já pacificadas, por provocar a revisão de reservas já demarcadas.
- O ministro Edson Fachin é o relator do caso e foi o primeiro a votar. Ele foi contrário ao marco temporal.
- Para ele, a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que os indígenas tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal e da configuração de renitente esbulho.
- O ministro também afirmou que a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado.
- Fachin salientou que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório.