Dois dias depois de o presidente Jair Bolsonaro admitir publicamente que demitiu diretores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) por paralisarem uma obra da loja Havan em Rio Grande, no sul do Estado, a Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou o afastamento da atual presidente da entidade.
A decisão de afastar Larissa Rodrigues Peixoto Dutra foi publicada oficialmente na noite de sexta-feira (17) e ganhou repercussão neste sábado (18).
Em seu despacho, a juíza da 28ª Vara Federal do Rio de Janeiro Mariana Tomaz da Cunha cita na íntegra a frase dita por Bolsonaro diante de empresários da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo na quarta-feira (15) em relação a uma obra que se encontrava em andamento no Rio Grande do Sul:
— Também, há pouco tempo, tomei conhecimento que, uma obra, uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja e apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta: ‘que trem é esse?’, porque eu não sou tão inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan?’, com ph. Explicaram para mim, tomei conhecimento, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça para a gente (risos).
No local, foram encontradas duas dezenas de achados arqueológicos, incluindo cerâmicas pré-coloniais. Depois da declaração de Bolsonaro, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou ao Judiciário um novo pedido de afastamento da presidente do Iphan, nomeada em maio de 2020, em um processo que já estava aberto a partir de uma solicitação anterior encaminhada pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero.
Em junho do ano passado, Calero havia pedido a remoção de Larissa do cargo sob a justificativa de que ela, formada em turismo e hotelaria, não reunia as condições técnicas para ocupá-lo. Esse pedido chegou a ser atendido pela 28ª Vara, mas acabou revertido após um recurso da União.
Após a nova manifestação do presidente, a juíza entendeu que ficou evidenciado o “desvio de função” na nomeação da atual presidente — ou, conforme diz o despacho, “quando o agente público pratica um ato em benefício próprio ou alheio, sem observância aos princípios da supremacia do interesse público, da indisponibilidade do interesse público e da impessoalidade.”
Para a juíza, “no exercício de suas funções, o atual Exmo. Presidente da República admitiu que, após ter tomado conhecimento de que uma obra realizada por Luciano Hang, empresário e notório apoiador do governo, teria sido paralisada por ordem do Iphan, procedeu à substituição da direção da referida autarquia, de modo a viabilizar a continuidade da obra. As falas supratranscritas sugerem, ao menos em um juízo de cognição sumária, uma relação de causa e efeito entre as exigências que vinham sendo impostas pelo Iphan à continuidade das obras do empresário e a destituição da então dirigente da entidade”.
O despacho lembra que, em uma reunião interministerial realizada em abril de 2020, já havia sido mencionada pelo presidente a decisão de “substituir a presidência da autarquia com o propósito não de acautelar o patrimônio cultural brasileiro, mas de promover o favorecimento pessoal de interesses específicos de pessoas e instituições alinhadas à agenda governamental.”
GZH entrou em contato com a assessoria de comunicação do Iphan, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. A decisão, que também suspende o ato de nomeação de Larissa, vale até o julgamento do mérito da ação.