O juiz Adel Américo Dias de Oliveira, da 22ª Vara Federal de Porto Alegre, recebeu a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra dez pessoas por propina supostamente cobrada para garantir obras da Trensurb. Trata-se de um desdobramento da Operação Lava-Jato. Passam a ser réus os ex-ministros Eliseu Padilha e Paulo Bernardo, o ex-deputado federal Marco Maia, os ex-presidentes da empresa Humberto Kasper e Marco Arildo Cunha e outras cinco pessoas. A ação penal movida pela procuradora da República Jerusa Viecili tem origem em inquérito da Polícia Federal (PF) conduzido pelo então delegado da Delegacia de Repressão à Corrupção e Crimes Financeiros e atual superintendente da instituição no Estado, Aldronei Pacheco Rodrigues. Os crimes apurados são corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro.
O caso envolve a extensão da linha do metrô entre São Leopoldo e Novo Hamburgo, concluída em 2014, a um custo final de R$ 953 milhões. Conforme a acusação, há elementos que indiquem o recebimento de propina paga pela empreiteira Odebrecht nesse contrato. O inquérito que resultou na ação penal movida pelo MPF foi aberto a partir das delações premiadas dos executivos da empreiteira Benedicto Barbosa da Silva e Valter Luis Arruda Lana. O caso começou tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF), a pedido do ministro Edson Fachin, mas foi encaminhado para 1a instância após a perda de foro privilegiado dos políticos investigados.
No caso de Eliseu Padilha, no entanto, parte dos crimes atribuídos a ele foi considerada prescrita, por ter mais de 70 anos (está com 75), quando o prazo prescricional cai pela metade.
“Assim, considerando que Eliseu Lemos Padilha foi denunciado por fatos ocorridos entre 20/11/2009 a 12/06/2012, devem ser considerados prescritos aqueles ocorridos anteriormente a 28/06/2011. Remanescem não prescritos, assim, ainda sete fatos ocorridos entre 07/07/2011 e 12/06/2012”, sustenta o juiz em sua decisão.
O magistrado alerta ainda na sua decisão que pela idade de alguns dos réus, outras prescrições devem ocorrer:
“Em vista das possíveis penas a serem aplicadas em caso de eventual sentença condenatória, assim como em face de grande parte dos fatos serem anteriores a maio de 2010 - marco de alteração da redação do § 1º do art. 110 do CP, que anteriormente possibilitava a verificação da prescrição pela pena em concreto entre a data dos fatos e a data de recebimento da denúncia -, é provável que outra significativa parcela dos fatos narrados na denúncia sejam igualmente fulminados pela prescrição”.
O que dizem os delatores
De acordo com a delação dos ex-executivos da construtora, foram várias solicitações de propina em decorrência das obras. A primeira, do ex-deputado federal gaúcho Marco Maia (PT), que já ocupou a presidência da Trensurb. Ele teria pedido 0,55% do valor do contrato para ajudar a não "ter entraves no negócio”. A segunda, do então deputado federal Eliseu Padilha (MDB), também gaúcho, e que consistia em 1% do valor do contrato, sob alegação de que o político auxiliou a Odebrecht na época da licitação, no ano de 2001, quando era ministro dos Transportes. Um terceiro pagamento de propina teria ocorrido para Paulo Bernardo, então ministro do Planejamento, filiado ao PT, que teria garantido a inclusão da obra da Trensurb no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O ex-deputado Marco Maia também teria interferido para garantir pagamentos a dois que eram dirigentes da Trensurb, conforme o delator Benedicto Barbosa da Silva. O ex-presidente da empresa de trens, Marco Arildo Cunha (sucessor de Maia no cargo), teria recebido 0,5% do valor da obra, e o ex-diretor Humberto Kasper, 0,25%.
Nas planilhas do suposto pagamento de propina que GZH teve acesso, não aparecem os nomes dos destinatários, mas os apelidos. “Aliado”, conforme os delatores e os documentos apresentados por eles, é Marco Maia. “Sucessor” é Marco Arildo Cunha. “Jornalista” é Humberto Kasper. “Bicuíra” é Eliseu Padilha. E “Filósofo” é Paulo Bernardo. Os codinomes foram confirmados pelos ex-dirigentes da empreiteira.
A investigação está embasada em um laudo pericial que descreve o material existente nos sistemas de informática usados pela Odebrecht - chamados de Drousys e MyWebDay, e o Banco de Dados Dump (Banco de Dados do MyWebDay B) - e o funcionamento destes. Desses arquivos foram extraídas as informações sobre registros de aprovação e pagamentos de propinas, o que inclui os agora réus da ação penal.
Para o codinome Bicuíra (atribuído a Eliseu Padilha), por exemplo, o laudo traz todos os registros resgatados pela pesquisa do perito da PF. Eles foram confrontados com os e-mails em que houve as supostas tratativas para os respectivos pagamentos de propina. Neles aparecem 18 pagamentos registrados, que chegariam a mais de R$ 2,5 milhões, entre 2010 e 2012.
Já para Paulo Bernardo, o Filósofo, o valor seria de R$ 4,5 milhões, entre 2009 e 2013. Marco Maia teria recebido R$ 1,6 milhão, de 2009 a 2012. A Marco Arildo é atribuído o recebimento de R$ 1,8 milhão, entre 2009 e 2011. Para Humberto Kasper, os pagamentos seriam de R$ 507 mil, entre 2008 e 2011.
Também se tornaram réus os supostos intermediários dos pagamentos: Ernesto Kubler Rodrigues (apontado pelo delator Valter Lana como sendo a pessoa indicada por Paulo Bernardo para receber a propina) e os gaúchos Paulo Albernaz Aramis Cordeiro (doleiro, responsável pelas entregas de dinheiro) e Ibanez Filter (que teria pego a propina para o ex-ministro Padilha).
Histórico do caso na Justiça
O inquérito da PF foi aberto em 11 de abril de 2017 pelo STF, mas ficou anos tramitando, enquanto os investigados interpunham recursos. O ex-ministro Padilha, por exemplo, alegou que os fatos já tinham prescrito, até por ele ter mais de 70 anos (quando os prazos de prescrição caem pela metade). Ele também tinha foro privilegiado.
Como Padilha, Maia e Bernardo, os três políticos envolvidos, não se elegeram recentemente, perderam o foro especial e o caso foi remetido à Justiça de 1ª instância. Começou a ser investigado em agosto de 2020, tendo o relatório com indiciamentos sendo enviado em maio de 2021 à 22ª Vara Federal de Porto Alegre, cujo titular é o juiz Adel Américo de Oliveira. Depois, houve o oferecimento da denúncia pelo MPF e o recebimento da mesma pelo magistrado. Os réus estão sujeitos a penas que variam de 2 a 12 anos de prisão, além de multa.
Os contrapontos
O que diz Marco Maia
Advogado do réu, Daniel Gerber: “Sem a menor sombra de dúvida teremos no processo a oportunidade de mostrarmos a inconsistência absoluta das acusações, baseadas exclusivamente na palavra de delatores, na planilha fornecida por eles e em mais nenhum outro elemento que indique veracidade no que foi afirmado”. Na época dos fatos, Marco Maia classificou as delações como “calúnias” feitas por delatores para se livrar de crimes cometidos.
O que dizem Marco Arildo Cunha e Humberto Kasper
Advogado dos réus, Ricardo Cunha Martins: “Não existe qualquer ato de ofício que o acusado tenha praticado para beneficiar a Odebrecht. Ao contrário, foi contra o valor final da obra. Sua implicação resulta da delação ilícita e que não apresenta qualquer prova do seu envolvimento”.
O que dizem o ex-ministro Eliseu Padilha e Ibanez Filter
A advogada Bruna Aspar Lima, que defende os dois, disse que a manifestação ocorrerá somente no processo.
O que diz o ex-ministro Paulo Bernardo
GZH aguarda o retorno da advogada do réu, Verônica Abdalla Sterman.
O que diz Paulo Cordeiro
O advogado Paulo Caleffi, que defende o réu, afirmou que "restará demonstrado nos autos da ação penal que ele não praticou o delito imputado pelo MPF (lavagem de capitais)".
A reportagem ainda busca a posição dos delatores Benedicto Barbosa da Silva e Valter Luis Arruda Lana. E de Ernesto Kubler Rodrigues, apontado pelo delator Valter Lana como sendo a pessoa indicada por Paulo Bernardo para receber a propina.