O ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, que já foi o integrante mais antigo da Lava-Jato até sua aposentadoria em março de 2019 e representou o núcleo duro da força-tarefa, considera que a fala do presidente Jair Bolsonaro, de que acabou com a operação pois "não há mais corrupção no governo", indica que o chefe do Executivo se tornou "submisso às vontades do centrão".
— A fala de Bolsonaro sobre ter matado a Lava-Jato é apenas a confirmação de que seu governo realmente merece o selo de ética que lhe foi conferido por Renan Calheiros — afirmou o ex-procurador ao Estadão.
— O que Bolsonaro e seus aliados desejam é a dominação completa e definitiva do orçamento público pelas velhas lideranças do sistema político corrupto revelado pela Lava-Jato. Ele repete o caminho de Lula, que vendeu a ética que ostentava na oposição em troca da manutenção no poder. São ambos as faces da mesma moeda, mas a mão que joga o coração ou coroa é a da política corrupta — completou Lima.
A indicação de Lima faz referência aos elogios que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) teceu ao presidente em entrevista à CNN na noite de terça-feira (6).
— Eu entendo que o Jair Bolsonaro, para além das diferenças que nós temos, ele pode deixar um grande legado para o Brasil, que é o desmonte desse estado policialesco que tomou conta do país. E ele já encadeou várias medidas, desde o Coaf, a questão da Receita, a nomeação do Aras para a chefia do Ministério Público, a demissão do Moro. Agora, a nomeação do Kassio — disse o parlamentar na ocasião.
A fala de Bolsonaro sobre a Lava-Jato, no dia seguinte aos elogios de Renan, foi uma resposta às críticas de lava-jatistas por ter se aproximado de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que se posicionam contrários à operação tocada pelo ex-juiz Sergio Moro. O presidente tem sido criticado pela indicação do desembargador Kassio Marques para a vaga do decano Celso de Mello. O nome do magistrado foi chancelado por Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que mantém posicionamentos críticos à Lava-Jato, e tem o apoio de parlamentares do chamado Centrão, atingido pela força-tarefa nos últimos cinco anos.
— É um orgulho, é uma satisfação que eu tenho, dizer a essa imprensa maravilhosa que eu não quero acabar com a Lava Jato. Eu acabei com a Lava-Jato, porque não tem mais corrupção no governo. Eu sei que isso não é virtude, é obrigação — disse o presidente no Palácio do Planalto na tarde de quarta-feira (7), quando discursava no lançamento do Programa Voo Simples, do Ministério da Infraestrutura, que promete modernizar as regras de aviação no País.
A afirmação de Bolsonaro também se deu momentos depois de os ministros do STF decidirem alterar o regime interno para que ações penais e inquéritos voltem a serem analisados pelo Plenário e não mais pelas duas turmas de julgamento. A mudança foi proposta pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux, e é vista como uma reação para blindar a Lava-Jato.
Os integrantes da força-tarefa reagiram à fala do presidente, apontando que o discurso do chefe do Executivo indica "desconhecimento sobre a atualidade dos trabalhos e a necessidade de sua continuidade", mas mais que isso "reforça a percepção sobre a ausência de efetivo comprometimento com o fortalecimento dos mecanismos de combate à corrupção".
"Os procuradores da República designados para atuar no caso reforçam o seu compromisso na busca da promoção de justiça e defesa da coisa pública, papel constitucional do Ministério Público, apesar de forças poderosas em sentido contrário", registrou a nota divulgada pelo Ministério Público Federal do Paraná.
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, que foi juiz titular da Lava-Jato até deixar a magistratura para entrar no governo Bolsonaro também se manifestou sobre a declaração de mandatário.
"As tentativas de acabar com a Lava Jato representam a volta da corrupção. É o triunfo da velha política e dos esquemas que destroem o Brasil e fragilizam a economia e a democracia. Esse filme é conhecido. Valerá a pena se transformar em uma criatura do pântano pelo poder?", afirmou Moro em seu perfil no Twitter.