"'Hay que endurecer sin perder la ternura', dizia um pensador latino-americano que ousou sonhar com liberdade", discursou Augusto Aras em uma sessão do Ministério Público Federal (MPF), em 2016. Nunca se soube se a citação atribuída a Che Guevara realmente saiu da boca do guerrilheiro, mas, ao ser proferida pelo procurador indicado por Jair Bolsonaro, serviu para alimentar um banquete de críticas de desertores ao presidente.
Desde a tarde de quinta-feira (6), quando o nome do novo chefe do MPF saiu em edição extra do Diário Oficial da União, a direita brasileira está em alas. Para um segmento, há consenso de que Aras, além de ser de esquerda, incorreu em pecado mortal: o petismo.
O Movimento Brasil Livre (MBL), que tem adotado uma postura crítica em relação ao Palácio do Planalto, identificou as críticas de bolsonaristas ao nome do procurador. Em seu site, sublinhou que "grande parte dos influenciadores e porta-vozes da direita conservadora brasileira não demonstrou apoio ao novo PGR".
— O rincipal ponto é ter um posicionamento anti-Lava-Jato, diz que a operação criminalizou os políticos e foi péssima para a economia, relativizando a responsabilidade dos criminosos e culpando os órgãos de fiscalização e controle — afirmou o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), que pertence ao MBL, a GaúchaZH.
Entre eles, está o youtuber Bernardo Küster, até então, defensor "ferrenho" das escolhas presidenciais. "Bolsonaro tem casca grossa e tem suportado com louvor ataques de seus inimigos – até facadas. Agora, a indicação de Augusto Aras para a PGR gerou COM RAZÃO indignação por parte de seus apoiadores. Pequeno dia", escreveu Küster, na quinta-feira. Em agosto, o youtuber havia postado um tuíte chamando o subprocurador de "socialista", acompanhado de um vídeo de 8min33seg inflado de críticas.
Pelas redes sociais, o descontentamento se enfileirou nos redutos conservadores do país. O youtuber André Guedes, o deputado federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), o influenciador Leandro Ruschel e o apresentador Danilo Gentili fizeram coro ao parecer negativo. "Eu sei que já já vão surgir as explicações e etc. Mas petista? Com tantas opções fora da lista tríplice? Infernizaram Deltan (Dallagnol) por isso? Não, não desce", publicou Guedes, no Twitter.
Nessa lista, também está o deputado estadual paulista Arthur do Val (DEM), que se popularizou pelo seu canal no YouTube, Mamãe Falei. Em entrevista a GaúchaZH, o trânsfuga lembrou do episódio em que Aras classificou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como "movimento importante da sociedade brasileira" e de quando o procurador deu uma festa em sua casa para a cúpula do PT.
– Ele não é só um petista, é um picareta. Há um histórico dele fazendo festa para o núcleo duro do PT, ajudando no lançamento de livro de petista, além de vários depoimentos de amigos mostrando surpresa com as últimas declarações de aproximação com o atual governo. O cara era um militante de esquerda e, de repente, começa a falar contra a ideologia de gênero. É um oportunista, um Alexandre Frota do Ministério Público – afirmou Arthur.
Apesar de parte dos críticos à direita não se incomodar com o fato de Aras não estar na lista dos nomes mais votados pela categoria, quebrando uma tradição dos últimos 16 anos, eles veem na escolha de seu nome um risco no combate à corrupção e um sinal de desmonte da Lava-Jato. No passado, o procurador teceu críticas à operação e ao uso de delações premiadas.
– Ele deu todos os indícios de ser alguém simpático ao pensamento esquerdista, inclusive os mais radicais. Isso, por si só, seria suficiente para decretar uma debandada grande do bolsonarismo. Mas não foi só isso. Esse procurador já deu sinais que considera que há excessos na Lava-Jato, que é um "garantista". Isso eu já tinha dito: se o presidente peitasse a Lava-Jato, ele descobriria que o lava-jatismo é mais forte do que o bolsonarismo. Essa indicação foi a pá de cal para rachar o movimento bolsonarista – disse o jornalista Rodrigo Constantino, um dos conservadores que têm endossado as críticas.
O Aras de hoje se diz católico e defensor de causas conservadoras, atacando a ideologia de gênero e a criminalização da homofobia, por exemplo. Porém, parece ser um caso típico de um passado que condena: em 2016, citou até mesmo um slogan clássico de campanha do ex-presidente Lula.
– A esperança precisa vencer o medo – discursou o novo procurador-geral da República em entrevista à TV Câmara de Salvador.
1) "Fim" da Lava-Jato
Influenciadores de direita veem na escolha o "fim" da Lava-Jato e do combate à corrupção. Aras já fez críticas à operação e aos métodos dela, como o instituto da delação premiada. Em entrevista em 2016, disse que os "meios empregados estão, muitos deles, começando a criar um regime de cerceamento das liberdades públicas".
Para o subprocurador, à época, as delações foram usadas para atingir "fins espúrios, ilícitos, imorais" e "para satisfação de caprichos próprios, para atingir adversários". Também afirmou que "não podemos afastar a possibilidade de que segmentos explorem a Lava-Jato politicamente, partidariamente".
Em Brasília, comentou-se que o ministro da Justiça, Sergio Moro, não via com bons olhos a escolha de Aras. E há informações de que, entre integrantes da Lava-Jato, o clima é de velório.
2) "Ligado" à esquerda
Entre "bolsonaristas críticos", há o consenso de que Aras está ligado à esquerda. O subprocurador já defendeu bandeiras vinculadas ao segmento oposto do presidente. Disse, por exemplo, que a "direita radical" fazia proveito de uma crescente "doutrina do medo" para oprimir os mais pobres e suprimir direitos e garantias sociais.
Nesse passado "comunista", Aras apontou que os pobres da periferia são quem mais sofrem com a violência "não só do bandido como eventualmente de segmentos até da polícia".
– Essa política do medo tem consequências desastrosas, que é o crescimento de uma doutrina de direita, uma direita radical, em que a lei é feita pelos opressores para que os oprimidos venham a cumpri-la – discorreu Aras, em 2016.
Para a direita em oposição à escolha, o procurador é um "oportunista" ao virar a casaca e passar a defender pautas conservadoras.
3) Carteirinha "petista"
Os críticos ainda colaram o adesivo do PT no peito de Aras por causa dos seus sinais ao partido. No passado, ele disse que Che Guevara "ousou sonhar com liberdade", mencionou um slogan clássico da campanha de Lula à Presidência e inclusive deu festa ao núcleo duro do PT.
Em agosto de 2013, Aras abriu as portas da sua casa para comemorar o lançamento de um livro do ex-deputado petista Emiliano José sobre as lembranças da época da ditadura militar. Na lista de convidados, o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do PT Rui Falcão.
De acordo com reportagem do UOL que revelou a festividade, Aras comprou 80 exemplares do livro para homenagear o amigo. Há relatos que, no evento, Emiliano foi chamado por Aras de "história encarnada e compromisso com ideias libertárias de que a democracia precisa".
4) "Apoio" do PT e do STF
Pelas bolhas bolsonaristas, circulou um tuíte da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, em tom elogioso à indicação de Bolsonaro. Gleisi escreveu: "Se tem uma coisa que o PGR indicado por Bolsonaro tem razão é essa: o sequestro do Brasil pela Lava-Jato e seus aliados levou a economia do país à ruína". "Gleisi curtiu a indicação", publicou Arthur do Val.
Há, ainda, o clima de alívio no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa da indicação, conforme sinais capturados nos bastidores de Brasília. Para a "direita raiz", esse é um péssimo sinal: a "Lava-Toga", CPI para investigar ministros do Supremo, representa uma bandeira cara aos direitistas.