Em novo diálogo atribuído aos integrantes da Operação Lava-Jato, mensagens revelam que o procurador Diogo Castor de Mattos teria admitido ao corregedor-geral do Ministério Público, Oswaldo Barbosa, que pagou por um outdoor a fim de promover a força-tarefa.
As conversas, publicadas pelo site The Intercept Brasil, mostram que o corregedor deu o caso por encerrado sem investigação.
A peça foi instalada em março na avenida que é a principal saída do Aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais, rumo a Curitiba, Paraná. Nove procuradores apareciam na imagem, na qual constava a frase “Bem-vindo à República de Curitiba. Terra da Operação Lava-Jato, a investigação que mudou o país. Aqui a lei se cumpre. 17 de março — 5 anos de Operação Lava-Jato — O Brasil Agradece”. A propaganda era ilegal e não estava assinada.
Além do corregedor-geral do MP, membros da força-tarefa teriam, de acordo com o site, conhecimento de quem era o responsável pela propaganda.
Conforme os diálogos, o coordenador da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, teria intermediado conversas com Barbosa para proteger Castor de Mattos, o qual teria indicado a suspensão das apurações. Ao final, a conduta do procurador não foi investigada e ele afastou-se da Operação no dia 5 de abril, apresentando atestado médico.
Na época, a Lava-Jato havia negado que a peça teria sido encomendada por membros da força-tarefa. Contudo, um grupo de advogados — o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu — entrou com uma representação no CNMP, alegando que o outdoor feria o princípio de impessoalidade. Vinte dias depois de Castor de Mattos afirmar que era o responsável, a representação foi arquivada.
“Não há nos autos qualquer indício de participação dos membros ora requeridos na exposição do outdoor, não havendo, portanto, nenhuma conduta a se investigar em âmbito disciplinar pela Corregedoria Nacional”, escreveu o relator do caso no conselho, Luiz Fernando Bandeira de Mello.
O coletivo de advogados que entrou com a reclamação recorreu contra o arquivamento, uma vez que teriam encontrado a pessoa que encomendou o outdoor. O responsável, músico João Carlos Queiroz Barbosa, registrou um boletim de ocorrência negando participação no caso.
Veja o suposto diálogo divulgado pelo The Intercept
28 de março de 2019 – Chat privado
- 11:44:56 — Oswaldo Barbosa — Deltan, verifique quem colocou este outdoor sem autorização no órgão de fiscalização, pois está repercutindo muito, inclusive no CNMP…
12:26:29 — Deltan Dallagnol — Oi Oswaldo, agradeço a preocupação, mas tenho dúvidas sobre nossa atribuição para apurar isso porque não é ato ilícito sob prisma civil ou criminal. Se fizermos algo, seria questionável. Mesmo se descobríssemos quem fez, não sei o que poderíamos fazer com a informação, por não ser nada ilegal em princípio. Parece-me que o adequado a nós é simplesmente esclarecer que não é nosso ou do nosso conhecimento a quem questionar. Creio que o Estadão já perguntou até. Fique à vontade aí para buscar a informação. Acredito que há atribuição correcional se houver notícia pública de que fomos nós, e parece que há. Se houver a apuração, seria importante tornar público o resultado, porque desmentiria a falsa acusação lançada por blogs. Abraços
12:58:47 — Barbosa — Tenho certeza que não foram vocês! O sentido da minha intervenção foi no sentido de eventualmente vocês conseguirem retirar o outdoor da rua…
13:06:47 — Barbosa — Mas se não conseguirem…tudo bem!
Os dois integrantes do MPF voltaram a se falar no Telegram na semana seguinte. As mensagens, contudo, apontam que Barbosa foi informado que Castor de Mattos afirmou ser o responsável. No dia 5 de abril, o coordenador da força-tarefa comunicou, em grupo com procuradores da Lava-Jato, o conteúdo de um ofício que havia enviado a Barbosa relatando a confissão de Castor de Mattos e o seu tratamento de saúde.
5 de abril de 2019 – Filhos do Januário 4
- “Senhor Corregedor, Cumprimentando-o, dirijo-me a V. Exa. para informar, em nome dos colegas que integram a força-tarefa da operação Lava Jato, que o procurador Diogo Castor de Mattos, afastado nesta data por razão psiquiátrica, comunicou aos procuradores que custeou com recursos próprios, por iniciativa de um amigo do seu relacionamento particular, a publicação de outdoor com imagem e mensagem de reconhecimento dos trabalhos da Lava Jato, nesta cidade, em março deste ano. O referido procurador informou ainda que encaminhou ofício a V. Exa., nesta data, solicitando audiência para reportar voluntariamente o fato a essa Corregedoria. Temos conhecimento ainda de que o referido procurador vem se submetendo a tratamento psiquiátrico desde dezembro de 2018 e, nesta data, afastou-se dos trabalhos por determinação médica. O procurador Diogo Castor de Mattos, também, pediu formalmente o afastamento definitivo dos trabalhos da Lava Jato, fundamentando seu afastamento em quadro de estafa de caráter físico, emocional e intelectual (ofício 2706/2019-PRPR/FT – PRPR00023953/2019). Nesta mesma data, foi solicitado seu afastamento à Exma. Procuradora-Geral da República. Estamos reportando essa situação a V. Exa. assim que tomado conhecimento do fato, colocando-nos à disposição para qualquer esclarecimento complementar. Certos de sua atenção, renovamos protestos de elevada estima e distinta consideração.”
Minutos depois, Dallagnol avisou o próprio corregedor, em chat privado, que encaminhara o ofício.
- “Caro Oswaldo, obrigado por sua atenção, mais uma vez. Fiz o ofício, confidencial, cadastrando apenas nós dois”.
Barbosa respondeu em seguida.
- “Grato. Despacharei na segunda, abraços”.
Logo após, o teor do ofício foi explicado por Deltan no mesmo grupo no qual ele havia encaminhado o ofício.
5 de abril de 2019 – Filhos do Januário 4
- 19:55:41 — Deltan Dallagnol — Resumo da conversa com corregedor: 1. Foi bem sensível à questão de o colega estar sob tratamento 2. Disse que nesse tipo de situação ele instaura uma sindicância não disciplinar, submete a pessoa a junta médica, e a depender do resultado pode entender pela inimputabilidade para o fato (e inclusive para o outro fato em que ele falou “turma do abafa”) 3. Pediu pra eu fazer ofício (o feito acima) e ele suspenderia apuração e mandaria ofício pro CNMP pra suspender tb a apuração da turma do abafa, tudo com sigilo 4. Disse que pessoas que estão com dificuldades de saúde devem compreender e perceber que a Instituição não é algoz, mas se sentir acolhidas em momento difícil. Em outros casos isso aconteceu e a pessoa voltou a prestar bom serviço público. 5. Disse que topa receber ele em floripa.
Com Castor de Mattos já fora do grupo, os procuradores debateram quais problemas poderiam ocorrer caso o caso do outdoor vazasse.
5 de abril de 2019 – Filhos do Januário 4
- 18:38:20 — Paulo Galvão — Pessoal, só lembrando a todos: em respeito ao Diogo, o ideal é que o assunto seja tratado com sigilo total. Ele já fez a comunicação à Corregedoria, então agora é com as instâncias competentes. Digo isso para evitarem qualquer comentário em grupos de colegas ou rodas de amigos.
- 18:39:24 — Laura Tessler — e evitar comentar com os servidores…o pessoal tá curioso e querendo pescar mais detalhes sobre as razões do afastamento.
- 18:45:11 — Deltan Dallagnol — Isso, por favor. Esse assunto tem que ficar aqui. Não podemos falar com colegas, porque falarão com outros, que falarão com outros, e estaremos expondo o colega e a própria operação.
Áudios
Fora do grupo com os integrantes da força-tarefa, Castor de Mattos foi criticado em uma conversa com apenas quatro procuradores da Lava-Jato no dia 7 de abril. Faziam parte dos diálogos Deltan Dallagnol, Orlando Martello, Paulo Galvão e Julio Noronha.
Noronha classificou o ato de Mattos como uma traição, mas ressaltou que ainda havia a possibilidade do colega voltar para a operação no futuro.
Além disso, Noronha disse acreditar que a investigação do CNMP seria “esvaziada”.
Já o procurador Paulo Galvão defendeu que Mattos prestou as informações “espontaneamente” à corregedoria.
Julio Noronha, por sua vez, afirma que, se a força-tarefa justificasse a saída de Castor de Mattos apenas pela questão de saúde, estaria sendo “conivente além do necessário com a situação”.
O pedido de Noronha foi atendido, e Mattos deixou os grupos da Lava-Jato.