À frente do Ministério da Cidadania, formado pela junção de três pastas, o gaúcho Osmar Terra (MDB-RS) terá que unir os interesses das áreas de Assistência Social, Cultura e Esporte. Sua missão passará por garantir compromissos assumidos na campanha pelo presidente Jair Bolsonaro.
Entre eles, o pagamento de uma 13ª parcela anual do Bolsa Família a cerca de 15 milhões de famílias e a revisão dos critérios da Lei Rouanet, incentivo dado ao governo para artistas, alvo constante de opositores da esquerda. Médico e ex-secretário da Saúde no Rio Grande do Sul, também atraiu para sua responsabilidade o combate às drogas, defendendo a tolerância zero contra o consumo.
Na segunda-feira passada, Terra concedeu a seguinte entrevista em seu gabinete, em Brasília. Confira os principais trechos:
O Ministério da Cidadania reúne a Assistência Social, a Cultura e o Esporte. Como administrar tantos assuntos diferentes, alguns marcados por embates ideológicos?
O que precisa é saber aonde chegar. Ter noção política da possibilidade real de chegar a objetivos estratégicos, importantes para o governo. Precisa saber montar uma boa equipe, pois só assim tu consegues o resultado. Uma equipe com viés técnico. Pode até ser um agente político, mas tem que ter competência técnica para trabalhar naquela área. (Na formação da pasta) Foi importante preservar as políticas do esporte, da cultura e do desenvolvimento social. O primeiro passo foi juntar o comando geral do que seria esse novo ministério. Integrar na base as políticas que puderem ser integradas e manter o que é relevante com o que já tinha. Nós vamos ter muitas áreas que vão trabalhar juntas, como a área de inserção social.
O senhor confirmou que beneficiários do Bolsa Família irão receber um 13º salário em 2019. O dinheiro para essa despesa não prevista no Orçamento está garantido?
Existe uma determinação do presidente (Bolsonaro) e boa vontade enorme do ministro (da Economia) Paulo Guedes. Isso não impede o pente-fino nos benefícios. Nós zeramos a fila em dois anos. Em 2016, eram 15 milhões de beneficiários. Nesses dois anos, saíram 7,6 milhões famílias (3,5 milhões por irregularidades) e entraram 6,7 milhões. Vamos ver quais instrumentos a gente pode ter para ampliar o pente-fino. Eu acho que o 13º vai ter parte paga por esse combate a fraudes e outra com reforço do recurso orçamentário.
Acho que ela (Lei Rouanet) tem que ter algum mecanismo interno para estimular a qualidade do espetáculo. Às vezes o sujeito consegue o patrocínio, mas não tem garantia de qualidade nenhuma. Pode ser sem graça, não ir ninguém, mas aí ele já ganhou o dinheiro.
OSMAR TERRA
ministro da Cidadania
O 13º foi uma promessa de campanha de Bolsonaro, mas qual é a função social de pagar uma parcela a mais do benefício às famílias?
A gente chama de 13º para as pessoas identificarem bem o que é. Na verdade, é uma parcela a mais para reforçar o ganho que as pessoas têm com o Bolsa Família que é, na essência, uma ajuda temporária para as famílias que estão na extrema pobreza. O que o presidente Bolsonaro quis reafirmar na campanha, eu entendi claramente isso, é que diante dos boatos do PT de que se não ganhasse a eleição o Bolsa Família iria desaparecer, a maneira com que o presidente quis mostrar que valorizava o programa foi dizendo que o pagamento iria ser melhorado com a 13ª parcela.
Mas, ao mesmo tempo, ele falou em juntar a transferência de renda com o programa Progredir para geração de emprego e renda. O Bolsa Família tem perto de 10 milhões de jovens que são nem-nem (não trabalham e não estudam). Serão oferecidos microcrédito, cursos de capacitação vinculados com o mercado de trabalho.
O programa pode ser prejudicado com os cortes no Sistema S anunciados pelo ministro Paulo Guedes?
A gente pode negociar esses cortes. Eu já conversei com o ministro. Se o Sistema S nos der a oportunidade de fazermos cursos de capacitação sem cobrar do Bolsa Família, acho que poderemos ter um entendimento, avançar num acordo, diminuir ou até não ter cortes. Não pode é o Sistema S ter benefícios e depois a parte social ficar só para aquelas pessoas de um determinado setor econômico.
O senhor acredita que crianças de famílias que recebem o Bolsa Família poderão disputar espaço no mercado de trabalho com crianças de famílias com melhores condições financeiras em um ambiente que estimula a meritocracia?
Futuramente elas vão ter, se o programa Criança Feliz se expandir. Ele protege a criança desde a barriga da mãe, nas famílias mais pobres. É um programa que trabalha com a novidade da ciência: é nos primeiros mil dias de vida que você desenvolve a competência futura. Para dar oportunidade de uma criança ter melhor desempenho na escola, você tem que cuidar desde a gestação, com um visitador que vai toda a semana na casa orientar a família, ver os resultados, o progresso da criança e ligar com todas as políticas públicas que há no ambiente. Hoje são quase 500 mil crianças atendidas. A meta é chegar a 3 milhões até o final do governo.
A Lei Rouanet é alvo de críticas de aliados do governo. Haverá mudanças na forma como o benefício é concedido?
A lei está muito concentrada para poucas iniciativas, com oferta de recursos exagerada. Tu podes montar uma produtora tendo um grupo ou um filme e podes usar até R$ 60 milhões. É bom explicar que a lei é um dinheiro público. A empresa decide quem vai patrocinar, mas é um dinheiro que, se ela não patrocinar o evento, teria que pagar como Imposto de Renda.
Há concentração exagerada de 80% no eixo Rio-São Paulo. O Brasil é muito maior. Há alguns artistas com financiamento grande, porque empresas têm mais interesse quando é alguém famoso. Os jovens talentos que estão iniciando, a cultura popular, como os CTGs no Rio Grande do Sul, têm pouquíssimo patrocínio. A lei tem distorções importantes.
O primeiro passo é trabalhar com as empresas estatais para que os patrocínios sejam distribuídos homogeneamente no país todo, com prioridade para eventos de cultura popular, de raiz, pequenos grupos de teatro, de música, que estão começando. Em vez de 10% de ingressos gratuitos (como define a regra atual), que sejam 40%.
Acho que ela (Lei Rouanet) tem que ter algum mecanismo interno para estimular a qualidade do espetáculo. Às vezes o sujeito consegue o patrocínio, mas não tem garantia de qualidade nenhuma. Pode ser sem graça, não ir ninguém, mas aí ele já ganhou o dinheiro.
Com isso, não há o risco de censura por temas?
Não vamos confundir censura com mau gosto. Pode ter algum critério. É uma comissão que escolhe e vai ter a sua decisão democrática. Mas também a gente não é obrigado a aprovar coisas de mau gosto só para dizer que não está censurando.
Eu estive no front da luta contra as drogas. Eu vi os caras morrendo de crack, eu vivi o drama deles, as famílias desesperadas. O que tem que ficar claro é o seguinte: onde funciona liberar droga no mundo? (...) A polícia tem que se ocupar, sim, porque isso é a causa da violência, da desagregação das famílias.
OSMAR TERRA
ministro da Cidadania
Na área do Esporte, houve corte de quase 50% no Bolsa Atleta para 2019 atingindo, principalmente, a base. A ação pode ser revista?
Nossa primeira medida, claro que a gente vai ter que ver como a economia vai se comportar, (será analisar) quais as possibilidades de repor os recursos que foram cortados. Mas, antes disso, vamos recalcular as bolsas. Tem atleta ganhando até R$ 15 mil, e tem os meninos que ganham R$ 300 na base. Nós temos que garantir a base. Então esse que ganha R$ 15 mil pode ganhar R$ 10 mil. Esse recurso tira daqui e coloca na base.
O Ministério da Cidadania também ficará responsável pelo combate ao uso de drogas. O senhor é contra a descriminalização. Como o assunto deverá ser abordado?
Eu acho que tem que ter tolerância zero contra as drogas. Elas causam dano irreparável. A alteração que a droga produz no cérebro, e eu falo como médico e como quem tem mestrado na área de neurociência, são danos permanentes. Elas têm efeitos agudos, mas com o tempo vão deteriorando o cérebro. Então, elas são um problema gravíssimo de saúde pública e de segurança.
O que seria agir com tolerância zero? Seria um abandono da política de redução de danos?
A redução de danos não faz a pessoa parar de usar a droga. Ela até estimula que a pessoa use. O usuário fuma crack, mas não na latinha, tem um cachimbo de vidro. É uma epidemia que continua crescendo. Hoje o crack é três vezes superior ao álcool em auxílio-doença no INSS. Então como você vai trabalhar com redução de danos? Em feminicídio e a violência contra a mulher, 90% dos casos são por uma pessoa, no mínimo, alcoolizada.
Estamos vivendo um período epidêmico. Há oferta exagerada através das fronteiras. Somos vizinhos do Paraguai, um dos maiores exportadores de maconha do mundo. A Colômbia, o Peru e a Bolívia, os maiores exportadores de cocaína. A Bolívia fornece 90% do crack consumido no país. O Brasil está vivendo uma epidemia, acompanhada de epidemia de violência. A tolerância zero é reduzir isso a zero.
Alguns especialistas no assunto afirmam que a repressão às drogas toma muito tempo da polícia, que fica sem tempo de investigar crimes mais violentos. O senhor concorda?
Isso é uma bobagem. Estão vendendo historinha de ficção que não tem comprovação em nenhum lugar. Eu trabalho com comprovação. Eles dão opinião. Não têm vivência. Eu estive no front da luta contra as drogas. Eu vi os caras morrendo de crack, eu vivi o drama deles, as famílias desesperadas. O que tem que ficar claro é o seguinte: onde funciona liberar droga no mundo? Por que o mundo todo proibiu? Essas perguntas é que ficam sem resposta nesse raciocínio. A polícia tem que se ocupar, sim, porque isso é a causa da violência, da desagregação das famílias. É tarefa da polícia. Ela tem que ter liberdade, ter efetivo e prisão para traficantes.
O Brasil mudou muito. As bandeiras da ética, da moral e da melhoria da qualidade de vida da população não estão com a esquerda. (...) Quem gerou essa volta dos militares de alguma forma ao poder, através do voto e de uma forma democrática, não teve golpe nenhum, foi a incompetência, a corrupção e a degradação que a esquerda impôs ao país.
OSMAR TERRA
ministro da Cidadania
O senhor foi um dos signatários, como também Bolsonaro, da proposta para acabar com o regime semiaberto. Se virar lei, as penitenciárias ficarão ainda mais lotadas. Como o Estado faria para retomar o controle de presídios que estão nas mãos de facções?
Como é que o Estado não controla um presídio? Isso é uma aberração. Nós vamos nos conformar com as aberrações? Então vamos liberar, vamos colocar no semiaberto? Aí os caras saem, matam e vão dormir de novo no presídio. Não tem saída. Tolerância zero é o único caminho para controlar a violência e as drogas e dar melhor qualidade de vida para a população.
Recentemente, o senhor comentou em uma entrevista sobre restrições no horário de venda de bebidas alcoólicas. Essa ideia é factível?
Isso foi no meio de uma explanação sobre a questão das drogas e a violência. O exemplo é Diadema (município no interior de São Paulo), que reduziu homicídios. Uma das razões é ter estabelecido um horário, até as 23h, para vender bebidas em bares e restaurantes. Mas não é o central da política (do ministério). O central é tirar droga da rua. O maior número de crimes e atos violentos ocorre depois das 23h, em geral por pessoas que usam drogas ilícitas ou álcool. A maioria das agressões dentro da família ocorre depois desse horário. Não acho absurdo (restringir a venda de álcool) fazer nos lugares mais violentos. Pode ser feito ou não, não é o central da política. Eu só propus um debate.
O senhor foi militante estudantil no período da ditadura. Bolsonaro já deu declarações de apoio ao regime militar. Quais são as semelhanças e diferenças entre a época dos presidentes militares e o momento atual?
O Brasil mudou muito. As bandeiras da ética, da moral e da melhoria da qualidade de vida da população não estão com a esquerda. A esquerda avacalhou com a política brasileira. A esquerda fez uma corrupção em um nível inacreditável. Eu prezo a ética. Quem gerou essa volta dos militares de alguma forma ao poder, através do voto e de uma forma democrática, não teve golpe nenhum, foi a incompetência, a corrupção e a degradação que a esquerda impôs ao país. Hoje as bandeiras da ética, do desenvolvimento para enfrentar a crise econômica, para as pessoas voltarem a andar na rua sem medo, estão na mão de quem está no poder: a centro-direita.
O senhor citou a esquerda como símbolo da corrupção. Mas seu partido, o MDB, também esteve no centro de irregularidades. Qual é a situação do MDB hoje?
O MDB tem uma parcela que se encantou com as vantagens da corrupção e está sendo punida. Estão na cadeia. Acho que isso tem que acontecer. Eu fui candidato a líder da bancada do MDB contra o Eduardo Cunha, porque eu sabia que ele ia terminar do jeito que terminou. E quem votou em mim, 20% da bancada, votou querendo mostrar que tem um outro MDB que não é esse. Temos gente boa em todos os partidos. No caso do MDB, infelizmente, tiveram poder muito grande em alguns Estados, como no Rio de Janeiro, e até no centro da política brasileira.
E há investigações contra o ex-presidente Temer, o ex-ministro Eliseu Padilha...
Tem que fazer as investigações que tiver. Eu convivi com o ministro Padilha e com o presidente Temer. Nunca me foi pedido nada que fosse estranho, indevido, com risco moral e ético. Mas, se tiver alguma coisa, tem que ser apurada. Não pode ficar ninguém fora da lei. Não pode ter corrupto de estimação para lado nenhum, em partido nenhum.
Houve desencontros em declarações dadas pelo presidente Bolsonaro e sua equipe na semana da posse. Quando o senhor acha que o governo vai estar mais azeitado para evitar esse tipo de constrangimento?
O que tem na política, principalmente na grande política nacional, é muito "diz que me disse". Às vezes vaza uma informação e aquilo se transforma em um problema. O que está faltando agora é um aprendizado. A maior parte das pessoas que está hoje no comando do país está pela primeira vez. Tem que ter um certo cuidado com o que se fala e com o que não se fala. Eu acho que o governo aprende rápido. Acho que não é um problema. Todos os governos tiveram isso, como os governos Lula, Dilma, Temer. O importante é ter boa intenção para resolver os problemas. Aí, o que prevalece é o resultado.