Ao processar o empresário Joesley Batista por calúnia e pedir indenização por danos morais, o presidente Michel Temer reforça a estratégia que visa desqualificar as acusações feitas pelo delator da JBS e consolidar na Câmara os 172 votos necessários para enterrar a provável denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O Planalto acredita que a investida da PGR só deverá ser formalizada na primeira semana de julho, previsão que manteve a viagem iniciada ontem de Temer iniciada à Rússia e à Noruega.
Além das ações movidas contra Joesley, a ofensiva do governo tenta constranger Janot e o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato e responsável por homologar a delação da JBS no Supremo Tribunal Federal (STF). Conforme interlocutores de Temer, a intenção é fornecer argumentos para que deputados aliados justifiquem no plenário e nas bases eleitorais a defesa do presidente.
A decisão de processar Joesley na Justiça Federal foi tomada no sábado (17), após a publicação da entrevista do delator à revista Época, na qual ele acusou Temer de ser o chefe da "a maior e mais perigosa organização criminosa do Brasil". Na queixa-crime, o presidente chama o empresário de "criminoso notório de maior sucesso na história brasileira", sentença que será repetida à exaustão na Câmara.
– O presidente precisava mostrar que está indignado. Ficar calado seria um sinal de que ele concorda com tudo o que foi dito – afirma um dos conselheiros de Temer.
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No momento, o Planalto confia que dispõe do apoio de 172 dos 513 deputados, soma suficiente para arquivar a denúncia que Janot planeja apresentar contra o presidente por corrupção passiva, baseada no episódio da suposta compra do silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Nesta segunda-feira (19), em nota redigida da prisão, o ex-parlamentar voltou a negar que tenha pedido propina a Joesley e afirmou que o empresário mentiu na entrevista à Época sobre a relação com o ex-presidente Lula. Os três teriam se encontrado em março do ano passado para discutir o impeachment de Dilma Rousseff.
A mensagem de Cunha agradou políticos próximos a Temer, pois ajuda a desacreditar o dono da JBS e reforça os questionamentos ao acordo de delação firmado por executivos e acionistas da empresa. A base manterá o discurso contrário as condições benéficas da colaboração premiada, que não resultou na prisão dos irmãos Batista.
– A Odebrecht não teve o mesmo tratamento do Ministério Público – cutuca o deputado Carlos Marun (PMDB-MS).
A tropa de choque de Temer avalia pedido de impeachment de Janot, a partir de suspeitas de que ele persegue adversários. O procurador-geral também pode ser convocado pela CPMI da JBS, que ainda não foi instalada. Já a carga contra Fachin está, no momento, na comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde parlamentares querem aprovar requerimento de com perguntas ao ministro sobre sua relação com Ricardo Saud, executivo da JBS e "cabo eleitoral" do magistrado junto aos senadores, quando ele foi indicado para o STF.
– Ninguém é divino, todos precisam responder por seus atos. Fachin homologou uma delação que beneficiou uma pessoa próxima a ele – justifica o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS).
A intenção inicial dos escudeiros de Temer era convocar Fachin, mas o grupo foi rebatido pelo presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG). Ele indicou que não há previsão legal para tal pedido e rejeitou o requerimento. Caso não haja sucesso na comissão, a mesma solicitação pode ser feita na futura CPI, em busca de um escorregão do ministro para suscitar a tentativa de anular a delação da JBS. Fachin evitar comentar as manobras, enquanto recebe a solidariedade dos demais ministros do STF. Na Corte, paira o receio de que ataques similares possam ser feitos contra outros magistrados no futuro.
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AS ARMAS DO PLANALTO
- Perguntas a Fachin
Deputados alinhados a Temer tentam aprovar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara requerimento com perguntas ao ministro do STF Edson Fachin sobre a relação dele com Ricardo Saud, um dos delatores da JBS. O executivo atuou como "cabo eleitoral" de Fachin junto a senadores, quando o ministro foi indicado à cadeira na Corte. O documento questiona como o magistrado conheceu Saud, o motivo do apoio do executivo e se houve compromisso entre JBS e parlamentares pelo voto a favor de Fachin. Presidente da CCJ, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG) rejeitou o requerimento. Cabe recurso.
- Processos contra Joesley
Acusado por Joesley Batista de ser o chefe da "maior e mais perigosa organização criminosa do Brasil", Temer entrou com dois processos contra o dono da JBS. Trata-se de uma queixa-crime por calúnia, injúria e difamação e um processo civil com pedido de indenização por danos morais. Em um dos processos, o presidente chama Joesley de "criminoso notório de maior sucesso na história brasileira", que mantém patrimônio no Exterior com "aval da Justiça". Com as ações, estrategistas de Temer acreditam que ele demonstra "indignação", o que dá argumentos para que deputados da base defendam o presidente.
- CPI da JBS
A comissão parlamentar de inquérito do Congresso ainda aguarda a indicação de seus integrantes pelos partidos. A ideia original é apurar irregularidades nos empréstimos do BNDES à JBS nos governos petistas, porém a CPI também deve ser usada para questionar Rodrigo Janot e Edson Fachin. Deputados e senadores avaliam solicitar respostas por escrito de questionamentos sobre as condições do acordo de delação da JBS, que permitiu a saída do país de Joesley Batista. A convocação de Janot não é descartada. A venda de ações da empresa e a compra de dólares na véspera do vazamento da delação também serão investigadas.
- Relações de Janot
Nos bastidores, parlamentares da base de apoio a Temer avaliam a possibilidade de dar andamento no Senado a um eventual pedido de impeachment contra o procurador-geral da República. A solicitação seria formulada por juristas e serve, neste momento, para tentar convencer Rodrigo Janot, que deixa a PGR em setembro, a desistir da denúncia contra o presidente. Uma das bases do pedido seria gravação, revelada pela revista IstoÉ, de uma conversa entre dois procuradores, que acusam Janot de perseguir adversários como estratégia para minar a campanha de concorrentes a sua sucessão como procurador-geral.
- Nulidade da delação
O Planalto e líderes de partidos aliados do Congresso nutrem a esperança de conseguir no STF a anulação ou mudanças nas condições do acordo de delação da JBS, o que poderia retardar investigações e futuras denúncias contra políticos. A competência do ministro Edson Fachin para homologar a colaboração no Supremo também é questionada. Pareceres jurídicos já circulam entre parlamentares e ministros. Nesse cenário, qualquer manifestação oficial de Fachin ou Rodrigo Janot sobre o acordo pode ser usada pela coalizão de Temer. A nulidade da delação interesse governistas e políticos de oposição.