Eleitos para governar pequenos municípios do interior do Rio Grande do Sul, prefeitos de primeira e segunda viagem se veem diante de desafios gigantescos. Sem força política, com recursos reduzidos e cada vez mais demandados, os administradores enfrentam problemas que incluem a velha briga por acesso asfáltico, a falta de vagas em creches e pré-escolas e até a ausência de estações rodoviárias para atender à população.
Nos últimos dois dias, eles estiveram reunidos em Porto Alegre para participar do Seminário dos Novos Gestores, promovido pela Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs). O objetivo do evento – que também envolve mandatários de médias e grandes cidades – foi orientar novatos e veteranos sobre práticas de gestão, estimular a troca de experiências e oferecer apoio nas reivindicações.
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– A lua de mel entre a vitória e a posse terminou. Agora começa a preocupação, e motivos para isso não faltam. As demandas são muitas, mas estamos todos no mesmo barco – alerta o presidente da Famurs, Luciano Pinto.
Só em 2016, segundo a entidade, os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal fonte de recursos para a maior parte das administrações, caíram R$ 335 milhões. Para 2017, a Famurs prevê redução ainda maior: de pelo menos R$ 353 milhões. A queda na arrecadação preocupa e torna ainda mais difícil o trabalho dos prefeitos de localidades de pequeno porte – a maioria no Estado –, onde a dependência em relação ao FPM é maior. Também é motivo de angústia a situação das finanças estaduais, que, por tabela, acaba afetando a vida nos municípios.
Se nos centros urbanos mais desenvolvidos o grande desafio é dar conta do subfinanciamento do SUS e encontrar soluções para a crise na segurança pública, nos menores as principais reivindicações incluem o fim dos acessos de chão batido, a criação de vagas na Educação Infantil e a instalação de terminais rodoviários.
Há casos de prefeituras que enfrentam os três obstáculos juntos (leia ao lado). Em relação aos acessos municipais, a assessoria de comunicação do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) informa que foram concluídas 36 obras e que há 70 ligações à espera de pavimentação. Dessas, 21 estão em fase de execução, com recursos obtidos junto ao BNDES.
De acordo com o órgão, "o objetivo é finalizar os projetos já iniciados em gestões anteriores" e, depois disso, buscar novos programas de financiamento para asfaltar os demais trechos.
Isolamento afasta oportunidades
Quanto às rodoviárias, a ausência de estações reflete o desinteresse de empresários pelo serviço, principalmente em localidades isoladas por estradas de terra. De 274 editais de concessão lançados pelo Estado em 2012, só 22% tiveram êxito e quase metade ficou sem interessados.
Em 2016, a lei que instituiu o Plano Diretor do Sistema Estadual de Transporte Público Intermunicipal de Passageiros de Longo Curso foi sancionada pelo governador José Ivo Sartori. Desde então, conforme o Daer, por determinações judiciais, editais pontuais foram publicados, mas o departamento aguarda a regulamentação da norma para liberar dois novos lotes de licitações.
No que se refere à Educação Infantil, que é de responsabilidade dos municípios, estudo divulgado pelo Tribunal de Contas (TCE) em 2016 revelou déficit de 156 mil vagas para crianças no Rio Grande do Sul. Desde 2008, as prefeituras gaúchas conseguiram aumentar em 70% a oferta, mas a situação segue distante do ideal.
CARENTES DE ASFALTO, RODOVIÁRIA E CRECHES
Centenário, no Alto Uruguai, Ubiretama e Garruchos, na Região das Missões, têm mais em comum do que a vocação agrícola e o número de habitantes – que não chega a 5 mil. Os três municípios personalizam o drama de dezenas de outros e traduzem as dificuldades que muitos prefeitos terão nos próximos quatro anos: sofrem as consequências do isolamento imposto por tortuosos acessos de terra, carecem de estações rodoviárias e, por falta de verbas, ainda lutam para atingir a meta de vagas em escolas infantis.
A longa briga por pavimentação
O principal motivo de frustração é a falta de ligação asfáltica. A espera por pavimentação persiste desde o fim dos anos 1990.
À época, o então governador Antônio Britto (PMDB) prometeu sanar o problema. Até hoje, passados cinco governos, os moradores de Centenário, Garruchos e Ubiretama ainda convivem com nuvens de poeira.
Em Ubiretama, o prefeito Ildo Leske (PDT) diz que as obras tão esperadas começaram em 2012, mas avançam devagar. Uma ponte ainda precisa ser erguida e outra, ampliada.
– Meu sonho é inaugurar o asfalto até o fim deste ano. Já fui prefeito em 2009 e não consegui fazer isso. Espero que, desta vez, de fato aconteça. Ninguém aguenta mais esperar – diz Leske.
Em Centenário, o trecho de chão batido é de oito quilômetros, como em Ubiretama. O suficiente para atravancar o desenvolvimento e a expansão populacional.
– Nenhuma empresa quer vir para cá – lamenta o prefeito de Centenário, Hilário José Kolassa (PT).
O caso mais complicado é o de Garruchos, que detém o mais longo acesso a ser pavimentado no Estado: são cerca de 60 quilômetros de terra vermelha.
– Estamos isolados. Temos dificuldades para escoar a produção, para receber insumos, para buscar atendimento médico. Até bebês já nasceram nessa estrada. Quando chove, vira um lamaçal – desabafa o prefeito João Carlos Scotto (PP).
Os três mandatários têm esperança de ver o transtorno resolvido, mas a fé balança diante da crise financeira do Estado. Sem conseguir pagar o funcionalismo em dia, o governo tem inaugurado obras do tipo a conta-gotas, apenas com recursos de financiamento, pois o Tesouro não tem destinado dinheiro para essa finalidade.
A demanda por terminais de ônibus
A ausência de estações rodoviárias é outra dura realidade nos municípios do Rio Grande do Sul, em especial nos lugares sem acesso asfáltico.
Ubiretama, segundo o prefeito, já recebeu linhas intermunicipais de ônibus no passado, mas atualmente não conta com nenhuma. Com apenas uma Unidade Básica de Saúde, a prefeitura se encarrega de levar e trazer pacientes que precisam de atendimento em municípios próximos.
– De resto, o povo se vira como pode. A maioria tem carro, mas não deixa de ser motivo de transtorno – diz Ildo Leske (PDT).
Em Centenário, conforme o secretário municipal da Saúde, Genoir Florek, os moradores contam apenas com uma parada de ônibus em frente a um estabelecimento comercial, onde esperam veículos que circulam entre Carlos Gomes e Erechim. O município também disponibiliza carros para pacientes e ajuda a pagar a passagem de quem trabalha fora.
Quanto a Garruchos, o prefeito diz que uma linha de ônibus com destino a Santo Antônio das Missões passa pela cidade, em dias específicos. E é só.
– As pessoas pedem a nossa ajuda para ir a consultas, para fazer exames. Às vezes, até para ir ao banco. Colocamos cinco, seis carros para atender a demanda, mas a estrada é ruim, e os veículos estão sempre precisando de reparos – relata João Carlos Scotto (PP).
Os gestores afirmam que as ligações de chão batido estão diretamente relacionadas à ausência dos terminais de transporte.
– Se um dia tivermos asfalto, podemos pensar em ter rodoviária. Hoje, não é viável. Infelizmente, não se sustenta – sintetiza Leske.
A exigência de vagas na Educação Infantil
As metas do Plano Nacional de Educação (PNE) preocupam – e muito – os prefeitos do Rio Grande do Sul. Até 2016 eles deveriam ter garantido vagas na pré-escola para 100% das crianças de quatro a cinco anos, mas o índice era de 78,4% em 2015, segundo o último estudo do Tribunal de Contas do Estado (TCE), divulgado em 2016.
Outro objetivo, previsto inicialmente para 2011 e depois postergado para 2024, estabelece que pelo menos metade das crianças de zero a três anos tenha acesso às creches. Esse patamar também não foi atingido. Segundo o TCE, a média estava em 32,6% em 2015.
Centenário, Garruchos e Ubiretama integram o contingente abaixo da meta, e os gestores lutam para reverter a situação. Em Ubiretama, o prefeito terá de abrir pelo menos 15 vagas infantis até a metade do ano, após cobrança do Ministério Público.
– Conseguimos a cedência de uma sala na escola estadual e vamos dar um jeito de cumprir a determinação, mesmo sem dinheiro – assegura Ildo Leske (PDT).
Nos outros dois municípios, os problemas incluem duas obras inconclusas. Em Centenário, segundo o prefeito Hilário Kolassa (PT), a gestão anterior começou a ampliação da escola infantil, mas não passou das fundações por falta de verbas. Ele estima que precisará de mais de R$ 100 mil para concluir a construção. Sem recursos, esteve nos últimos dias em Brasília, pedindo ajuda de gabinete em gabinete.
– Infelizmente, estamos pedindo esmola, mas não podemos esmorecer. Fomos eleitos para isso – afirma Kolassa.
Em Garruchos, o prefeito João Scotto (PP) relata que a empresa responsável por erguer uma escola do tipo quebrou:
– A obra está parada há cerca de dois anos. Até as portas do prédio foram furtadas.