*Por Fábio Costa Pereira, procurador de Justiça, e Marcelo Berger, doutor e professor em Direito Econômico
O terremoto causado pela Operação Lava-Jato e seus desdobramentos guarda relação direta com aspectos até então desconhecidos do mundo jurídico brasileiro. Trata-se do uso intensivo de mecanismos já comuns em outros países no combate às organizações criminosas envolvidas em atos de corrupção, e que agora, com relativo atraso, estão chegando ao Brasil. Termos como estratégias, ameaças, blefes, recompensas, informação assimétrica, sinalização, risco, resultados esperados, probabilidades e dilema do prisioneiro passaram a ocupar importante espaço na mídia e na comunidade jurídica.
Claro que, como qualquer novidade, chega recheada de controvérsias, intensa luta de bastidores e, acima de tudo, desconhecimento. Prezado leitor, este maravilhoso universo que ora se descortina é o da Teoria dos Jogos aplicada ao Direito. Criada na década de 1920 pelo matemático John Von Neumann e pelo economista Oskar Morgensten, tal teoria se constitui em importante ferramenta de análise econômica que pode ser aplicada aos mais diferentes campos das relações humanas. Tudo o que hoje é observado com enorme ansiedade e surpresa nos noticiários sobre a Lava-Jato guarda relação direta com a Teoria dos Jogos.
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No Brasil, de forma mais clara e marcante, a sua aplicação no combate à criminalidade organizada veio pelas mãos da força-tarefa que se centraliza em Curitiba, formada pelo tripé Polícia Federal, Ministério Público Federal e Justiça Federal. A Teoria dos Jogos por eles é utilizada com maestria para otimizar investigações criminais e atingir efetividade nas ações penais que a elas se sucedem. Observe-se que, graças à quantidade inacreditável de provas obtidas, o noticiário sobre o tema evolui freneticamente, sempre com novos movimentos, novas iniciativas, declarações desencontradas, novos envolvidos, velhos envolvidos, novas estratégias, enfim, um jogo que parece nunca acabar. Trata-se efetivamente de um jogo, do qual o Direito é parte importante, mas longe de ser a principal. Este jogo envolve muito dinheiro, figuras poderosas, inteligência e profundo conhecimento sobre comportamento humano, análise custo-benefício e aversão ao risco. São inúmeros jogadores interagindo estrategicamente entre si, usando diversas artimanhas, legais ou não, para obter os melhores resultados.
Neste drama ou nesta trama – previsivelmente, é bom que se diga –, importante movimento estratégico, porém não o derradeiro, foi realizado em dezembro, nas dependências do Congresso Nacional. Quando o país enlutado ainda chorava a tragédia da Chapecoense, as 10 Medidas contra a Corrupção, oriundas de iniciativa popular, foram votadas de forma totalmente descaracterizada. A votação visava, principalmente, alterar as regras do jogo para inviabilizar os resultados pretendidos pelas investigações e ações penais em andamento – e que envolvem figuras notórias e poderosas da política brasileira. Apenas para se ter uma ideia, por meio de emenda de plenário, foram incluídos crimes de abuso de autoridade para punir, severamente, não corruptos e corruptores, e sim membros do Ministério Público e da magistratura em razão do exercício de sua missão funcional. A proposta aprovada, agora em trâmite no Senado, peca pela abstração, permitindo que qualquer conduta dos agentes de Estado encarregados da aplicação da Lei Penal seja considerada como crime.
Veja-se, a título exemplificativo, a hipótese delitiva prevista no inciso III do artigo 9° do referido projeto: é crime de abuso de autoridade promover a instauração de procedimento investigativo sem que existam indícios mínimos da prática de crime. A previsão, no mínimo, deve ser considerada como paradoxal, pois investigações são feitas justamente para elucidar a existência de ilícitos, os quais, a priori, não são conhecidos. Com a previsão legal, investigar praticamente se tornará exceção à regra. O PL, além de outros pontos preocupantes, introduz a censura. Membros do Poder Judiciário e do Ministério Público não mais poderão prestar contas à sociedade do que estão fazendo, nem mesmo dos processos em que oficiam. Não é de se estranhar a medida, pois foi através da transparência implementada pela Lava-Jato, do acesso da imprensa às provas colhidas, que os cidadãos tomaram conhecimento da extensão dos crimes praticados e dos agentes públicos, depositários da confiança da população, que contra ela pecaram.
Para enfrentar o problema posto, é preciso que se reconheça que os jogadores envolvidos são brilhantes estrategistas e estão há muito tempo nesta arena. Neste jogo bruto, sofismas e quimeras retóricas são absolutamente irrelevantes para o deslinde da disputa. A história ensina que nunca devemos subestimar os adversários. Saber que o inimigo é poderoso, capaz e com muitos recursos à disposição é uma regra de ouro para vencer esta guerra. O jogo está longe de terminar e esperamos, com todas as nossas forças, que o Brasil, ao final, seja o vencedor.