O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso defendeu, nesta segunda-feira, a criação de um novo modelo para o ensino superior no Brasil, além da descriminalização do aborto. As ideias foram defendidas durante evento da Fundação Estudar, criada pelo megainvestidor Jorge Paulo Lemann.
Segundo Barroso, a universidade pública no Brasil custa muito caro e não dá um retorno proporcional para a sociedade. Ele defendeu um modelo parecido com o que existe nos Estados Unidos, onde as universidades precisam se autofinanciar, incluindo com doações. O ministro disse que não se trata de uma "reforma universitária", que confrontaria o sistema atual, mas criar um modelo alternativo melhor.
– Precisamos de um modelo que seja público nos propósitos e privado no financiamento.
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Já em relação ao aborto, ele afirmou que a criminalização é uma "péssima política de saúde pública".
– O aborto não deve ser estimulado, mas criminalizar é uma escolha absurda que viola a dignidade da mulher. Isso impede que mulheres pobres utilizem o serviço público, por isso elas se auto mutilam. Isso é mais um fator de discriminação da pobreza.
Ele afirmou que nenhum país desenvolvido do mundo, mesmo os mais religiosos, criminalizam o aborto.
– Essa é uma política pública atrasada e perversa. Criminalizar uma posição do outro é uma forma autoritária e intolerante de viver a vida – disse.
Reforma política
O ministro do STF também acredita que o país precisa de uma reforma política que diminua o número de partidos, além de baratear o custo das campanhas e dar maior legitimidade ao sistema representativo.
– No sistema brasileiro o eleitor não sabe quem elegeu para o Congresso e o parlamentar não sabe por quem foi eleito – comentou. – O Brasil vive uma multiplicação de partidos, que são apropriados privadamente, não têm autenticidade programática e vivem de acesso ao fundo partidário e venda do tempo de TV – acrescentou.
Segundo ele, há quase um consenso sobre a proibição de coligações nas eleições proporcionais e cláusulas de barreiras, enquanto ganha força uma solução intermediária, que é o sistema distrital misto, "o que é uma boa ideia".
– Se não mudarmos o sistema político, vamos continuar convivendo com os mesmos problemas – alertou.
Na avaliação de Barroso, parte da causa da corrupção no Brasil é a absoluta falta de risco de que aconteça qualquer coisa com quem procede incorretamente. Segundo ele, a sociedade está mudando, mas o momento ainda é de luta.
– O Poder Judiciário tem procurado atender a essa demanda, isso começou com o mensalão e passa pela Lava-Jato – afirmou.
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O ministro disse ainda que o Brasil precisa superar o preconceito que ainda existe contra a iniciativa privada.
– O Brasil é o país do patrimonialismo e do oficialismo.
Ele explicou que o modelo de capitalismo estatal no Brasil criou desconfianças justificadas na sociedade, porque era feito com favorecimentos, fraudes em licitações, golpes no mercado financeiro e latifúndios improdutivos.
– É um modelo que não se vale das premissas do capitalismo verdadeiro, que são risco e concorrência. No Brasil nós temos financiamento público, reserva de mercado e socialização de risco, isso não é capitalismo, é socialismo para ricos – afirmou.
Para Barroso, é preciso melhorar a gestão pública, pois o Estado cresceu demais e hoje a sociedade não consegue mais sustentá-lo. Ele afirmou que o funcionalismo público já consome 4% do PIB e que só o governo federal tem 23,5 mil cargos em comissão, o que é um recorde absoluto no mundo. O segundo lugar, os Estados Unidos, tem 9 mil, enquanto países como França e Alemanha tem 500.
– Todos os governos estaduais estão quebrados, não arrecadam nem para pagar a folha, que dirá para investimentos – acrescentou.
Nesse momento, Barroso se mostrou desesperançoso e disse que talvez fosse melhor começar tudo de novo. Ele citou uma metáfora de uma novela exibida pela Rede Globo na década de 1960. Como o folhetim, de uma autora cubana, estava indo muito mal na audiência, Janete Clair foi chamada e, vendo que nada se salvava, criou um terremoto na trama que matou a maioria dos personagens.
– Pode ser alternativa (para o Brasil) – brincou Barroso.
*Estadão Conteúdo