Em junho de 2017, a então senadora Ana Amélia Lemos recebeu um telefonema da amiga e advogada particular Miriam Bastos Santos. Professora universitária e ex-chefe de gabinete do Ministério da Educação na gestão Carlos Chiarelli, Miriam perguntava se Ana Amélia poderia receber um jovem e promissor político pelotense, filho de amigos diletos e que recém retornara de um período de estudos nos Estados Unidos.
A senadora prontamente atendeu o pedido e, dias depois, sentava-se com Eduardo Leite durante o congresso anual da Federasul, em Canela. Faltando 15 meses para as eleições de 2018, Leite foi direto: aspirava concorrer a governador e gostaria de saber se Ana pretendia disputar o cargo novamente:
— Ele precisava de uma luz, e como eu havia concorrido em 2014 e tinha muita visibilidade, queria saber se eu iria de novo. Fui taxativa: "não vou".
A resposta foi a senha para, aos 32 anos, Leite se lançar em sua mais ambiciosa empreitada eleitoral até então. Ao abdicar de uma reeleição dada como certa na prefeitura de Pelotas, onde encerrou o mandato com 87% de aprovação popular em 2016, o tucano projetava voos mais altos, mas sabia que uma candidatura ao governo dependia de um alinhamento político tão difícil como improvável. A questão é que a trajetória de Leite sempre foi marcada por acontecimentos improváveis.
Em 2004, quando debutou nas urnas concorrendo a vereador em Pelotas, Leite ficou de primeiro suplente na coligação PSDB-DEM e achou que veria frustrada sua carreira política. Acabou chamado para trabalhar na gestão do recém eleito Bernardo de Souza, na qual presidiu o Conselho de Assistência Social e foi secretário interino de Cidadania, entre outros cargos de segundo escalão.
Dois anos depois, Bernardo renunciou por questões de saúde, e Leite temia ser demitido pelo novo mandatário, Fetter Júnior, com quem mantinha divergências. Para própria surpresa, foi promovido a chefe de gabinete do prefeito, ganhando experiência na lida das crises cotidianas da administração.
Em 2008, às vésperas de largar o cargo para concorrer de novo a vereança, herdou o mandato de um vereador cassado. A vitrine na Câmara pavimentou a campanha eleitoral e ele se tornou o sexto mais votado do município. Nos anos finais do mandato, uma briga entre dois grupos antagônicos na Casa o catapultou à presidência do Legislativo, cadeira que potencializou sua futura candidatura à prefeitura em 2012.
Nas vésperas da campanha, um escândalo abateu o candidato de Fetter Júnior, e Leite, com o apoio do governo e uma coligação de oito partidos, elegeu-se prefeito aos 27 anos. Era essa conjunção de sorte e talento para aproveitar as oportunidades que Leite esperava ver repetida em 2018.
Publicamente, afirmava que pretendia concorrer a deputado federal. Nos bastidores, movia-se com cautela e atenção, perscrutando os passos dos demais personagens à esquerda e à direita. O tucano sabia que teria ao menos dois adversários fortes, com o então governador José Ivo Sartori (MDB) tentando a reeleição de um lado e, do outro, a tradição do PT de jamais ficar fora de um segundo turno ao governo do Estado.
Para tanto, seria preciso construir uma aliança robusta que servisse como terceira via ao eleitorado refratário à esquerda e desgostoso com a gestão Sartori. No PSDB, a iniciativa era tida como aventureira, mas mesmo assim impulsionada, sobretudo pelos postulantes a uma cadeira na Câmara. Considerando a dificuldade histórica do PSDB para fazer bancada — a sigla tinha apenas um deputado federal em 2018 —, a presença de Leite na eleição majoritária garantia votos na legenda ao tempo em que também retirava de cena um nome competitivo ao Parlamento.
— A gente sentia no ar que muitos no partido não depositavam muita fé na capacidade de o Eduardo vencer a eleição, mas se sentiam aliviados porque com ele concorrendo a governo diminuía a concorrência interna para a Câmara — lembra a prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas.
Busca de aliados
Leite procurou o deputado Onyx Lorenzoni, então no DEM e hoje seu rival no segundo turno, para saber se ele também tinha pretensões de concorrer. Envolvido na campanha de Jair Bolsonaro, Onyx descartou de pronto e disse que iria para mais um mandato na Câmara. Com o caminho se afunilando, de conversa em conversa Leite foi atraindo pequenas siglas. A candidatura ficou em pé quando ele conquistou o apoio do PTB, transformando em vice mais um adversário, Ranolfo Vieira Júnior. O salto decisivo, porém, deu-se a poucos dias do começo da campanha, ao fazer do PP o sétimo partido da coligação.
Num cenário nacional já polarizado entre petismo e bolsonarismo, a retirada de cena do candidato mais identificado com Jair Bolsonaro, Luis Carlos Heinze, abriu caminho para o tucano ganhar a eleição. Leite começou a campanha com 8% de intenção de votos, venceu o primeiro e o segundo turnos. Aos 33 anos, tornou-se o mais jovem governador eleito em 2018 e uma das sensações políticas reveladas pelas urnas.
Caçula dos três filhos do advogado José Luis Marasco Cavalheiro Leite e da cientista política Rosa Eliana Figueiredo, Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite é formado em Direito, com mestrado em gestão pública na Fundação Getúlio Vargas e estudos de políticas públicas na Columbia University, em Nova York. Na casa dos pais, ambos professores universitários, cresceu conversando sobre política a cada refeição.
Política dentro de casa
Durante as campanhas eleitorais, a família se reunia na sala para assistir, via antena parabólica, aos debates entre candidatos dos outros Estados. Quando Leite tinha três anos, em 1988, o pai concorreu a prefeito de Pelotas pelo PSDB, legenda na qual assinara a ficha número 1 no município, abonada por José Paulo Bisol. A campanha contou com a presença em Pelotas de aliados do quilate do então senador Fernando Henrique Cardoso e do deputado Roberto Freire, mas mesmo assim amargou o último lugar, com 2.512 votos. Anos mais tarde, Marasco surpreenderia Leite sentado no sofá de casa, assistindo no videocassete às gravações da propaganda política do pai.
— Tu tinha boas ideias, pai, só não sabia expressá-las — diagnosticou o adolescente.
A atmosfera política da casa logo contagiou Leite. Eleito presidente do grêmio estudantil do Colégio São José, passou a atuar em campanhas de educação no trânsito, como o Vida Urgente, da Fundação Thiago Gonzaga. Logo se destacou pela capacidade de comunicação e passou a dar entrevistas nas rádios, ultrapassando os portões do educandário. Fluente em inglês e francês, cogitou seguir a carreira da diplomacia. Mas completando 16 anos num sábado, na segunda-feira seguinte providenciou o título de eleitor.
— Esse gosto pela política sempre foi muito natural no Eduardo. Ele tinha só nove anos na primeira campanha presidencial do Fernando Henrique e aquilo despertou uma coisa dentro dele. Não houve nenhuma surpresa quando se candidatou a primeira vez, e a gente sabia que ele estava seguindo um sonho e uma vocação natural — comenta o irmão mais velho, Gabriel.
Esse gosto pela política sempre foi muito natural no Eduardo. Ele tinha só nove anos na primeira campanha presidencial do Fernando Henrique e aquilo despertou uma coisa dentro dele. Não houve nenhuma surpresa quando se candidatou a primeira vez, e a gente sabia que ele estava seguindo um sonho e uma vocação natural.
GABRIEL LEITE
Irmão mais velho de Eduardo Leite
Até então, a política era motivo de conversas efusivas na casa dos Cavalheiro Leite, jamais uma preocupação. Bastou o caçula assumir a prefeitura de Pelotas para surgirem os primeiros efeitos colaterais. Logo no segundo mês de governo, o desfile das escolas de samba foi cancelado por questões de segurança. A medida, tomada pelo Corpo de Bombeiros horas antes do começo dos desfiles, transformou-se na primeira crise da nova gestão. Embora a decisão não tenha sido da prefeitura, os realizadores de um dos mais tradicionais carnavais do interior do Estado logo culparam o novo prefeito pela suspensão dos festejos.
Despreparada para reclamações tão agressivas, a família se assustou com a repercussão, que chocou o próprio Leite. O Carnaval acabou liberado na semana seguinte, e o tucano, sambista nato e exímio tocador de pandeiro, fez do episódio um aprendizado.
— Depois daquilo, ele fez do "levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima" sua música predileta. Sempre canta nos maus momentos — comenta Gabriel.
No governo do Estado, Leite montou um base com 40 deputados, vendeu estatais e aprovou reformas estruturantes, como a administrativa e da Previdência. As medidas equilibraram as contas públicas e permitiram pagar em dia os salários do funcionalismo após 57 meses de atrasos. Em contrapartida, atraíram críticas contundentes, sobretudo pelas privatizações e por ter renunciado na tentativa de se credenciar a uma malfadada candidatura presidencial.
Namorado do médico capixaba Thalis Bolzan, Leite decidiu assumir que era gay em julho do ano passado. A decisão atraiu uma corrente gigantesca de afeto, mas não cessou sucessivos ataques homofóbicos dos quais é alvo. Todavia, ajudou a expor seus detratores, dentre eles o presidente Jair Bolsonaro e o ex-deputado Roberto Jefferson, ambos interpelados judicialmente. Na campanha atual, por vezes Leite foi mais atacado pela orientação sexual do que por descumprir a promessa de não disputar um segundo mandato. No Estado que criou fama de não reeleger governador, quebrar o tabu da reeleição talvez seja vencer o menor dos preconceitos.