A Lei Municipal nº 7.126/2025, sancionada em Bento Gonçalves e que prevê sanções para beneficiários de programas sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família, está causando reações em outros Estados do país. A Defensoria Pública da União (DPU), de Brasília, enviou ofícios à Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) e à Procuradoria-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul, solicitando a análise da lei. Segundo o DPU, a norma viola a Constituição Federal e os direitos humanos.
A lei, assinada pelo prefeito Diogo Segabinazzi Siqueira em 2 de janeiro de 2025, define que, caso for encontrada alguma inconsistência nos dados dos cadastrados no auxílio do Bolsa Família, será oferecido um prazo de 30 dias para regularização. Os usuários poderão buscar orientação da Secretaria Municipal de Esportes e Desenvolvimento Social (Sedes) e ajuda para inserção em programas de emprego e qualificação profissional.
Caso isso não aconteça, serão aplicadas as seguintes medidas:
- Corte imediato do benefício;
- Aplicação de multa administrativa no valor de R$ 7,2 mil (referente a 12 meses do benefício e que pode ser parcelada);
- Inclusão em programa municipal de orientação para regularização e inserção no mercado de trabalho formal.
Embora a lei tenha colocado como justificativa que estão "visando garantir a correta destinação dos recursos públicos aos cidadãos que realmente necessitam", na análise do DPU, foi constatada violações à Constituição Federal, considerando a norma como "um risco para a política pública de transferência de renda", explicaram em um dos ofícios.
Na justificativa, o DPU também destacou que "a lei ultrapassa a competência legislativa do município ao criar regras sobre um programa federal, incluindo penalidades não previstas em outras partes do país. A instituição também alertou para violações de direitos fundamentais, como a dignidade humana e o mínimo existencial, garantidos pela Constituição" esclareceram.
Além disso, a imposição de sanções severas, como multas altas e corte imediato de benefícios, é considerada, pela DPU, "desproporcional e contrária ao direito de defesa, também garantido pela Constituição. A DPU também alerta para um possível desvio de finalidade, uma vez que os valores arrecadados com as multas seriam destinados ao Fundo Municipal de Assistência Social, comprometendo o pacto federativo" salientaram. (Confira mais detalhes abaixo).
Os documentos, encaminhados pela Defensoria Nacional de Direitos Humanos (DNDH) e por membros do Comitê de Renda Básica, foram enviados na quarta-feira (15), sendo assinados pela defensora nacional de Direitos Humanos, Carolina Castelliano, e pelos defensores públicos federais Geórgio Carneiro da Rosa, Ed Fuloni e Maíra Mesquita, do Comitê Temático Especializado em Renda Básica Cidadã da DPU.
Até a publicação desta matéria, a assessoria de imprensa da prefeitura de Bento Gonçalves alega que o Executivo municipal ainda não foi notificado sobre nenhum dos ofícios.
O que a DPU solicita
Procuradoria-Geral da República (PGR)
Que a PGR avalie a possibilidade de apresentar uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ao Supremo Tribunal Federal (STF), em razão da inconstitucionalidade da lei. A ADPF é um instrumento "utilizado para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do poder público", conforme o Glossário do Senado.
Conselho Nacional dos Direitos Humanos
Pede ao CNDH que analise a possibilidade de "adotar eventuais providências dentro das atribuições do órgão".
Procuradoria-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul
Que avalie a possibilidade de ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Tribunal de Justiça do estado. A ADI é uma "ação ajuizada no STF para decidir se uma lei ou norma, seja federal ou estadual, está contra a Constituição", de acordo com a Agência Senado.
As justificativas dos ofícios
Nos ofícios, são elencados quatro itens que a DPU analisou como vícios de inconstitucionalidade da lei:
1. Violação à competência legislativa
- "O artigo 30, incisos I e II da Constituição Federal, assegura aos municípios legislar sobre assuntos locais e suplementar legislação federal. Entretanto, a Lei 7.126/2025 extrapola a competência municipal ao legislar sobre o programa federal Bolsa Família, inclusive criando sanções inexistentes no restante do país".
2. Ofensa à dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial
- "As sanções impostas pela legislação municipal (multas e corte imediato de benefícios) comprometem o mínimo existencial de pessoas vulneráveis.
- O programa Bolsa Família já possui mecanismos próprios para apurar fraudes, conforme a Lei 14.601/2023 e o Decreto 12.064/2024.
- Procedimentos federais regulam o ressarcimento de valores e sanções relacionadas ao programa, delegando responsabilidades ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social.
- A legislação municipal contraria os princípios constitucionais ao exceder os limites legais e criar responsabilizações indevidas".
3. Desproporcionalidade das sanções e falta de isonomia
- "A norma municipal prevê o corte imediato de benefícios sem garantir a participação do Ministério responsável e o trânsito em julgado, violando o princípio da proporcionalidade (art. 5º, inciso LV da Constituição Federal).
- Criação de procedimentos administrativos paralelos, em desacordo com a legislação federal vigente.
- Habitantes de Bento Gonçalves ficariam submetidos a regras distintas para acesso ao Bolsa Família, violando o princípio da isonomia (art. 6º, parágrafo único da Constituição Federal).
- O Bolsa Família, como etapa da universalização da renda básica de cidadania, não pode ser restringido por normas municipais".
4. Desvio de finalidade
- "A destinação dos valores arrecadados com as multas ao Fundo Municipal de Assistência Social e a inclusão obrigatória em programas municipais demonstram desvio da finalidade originária do programa federal, afrontando o pacto federativo, nos termos do artigo 18 da Constituição Federal".