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Quatro ONGs ligadas a movimentos sociais de combate ao racismo e dos direitos humanos abriram processo contra o vereador de Caxias do Sul, Sandro Fantinel, pelas suas declarações preconceituosas contra os baianos. As entidades pedem uma indenização no valor de R$ 1 milhão do parlamentar com objetivo de obter "reparação de danos morais coletivos e dano social infligidos à população pobre e à população negra do Brasil". Assinam o documento a Educafro Brasil (Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes) e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, de São Paulo; a Iara (Instituto de Advocacia Racial e Ambiental), do Rio de Janeiro; e a Associação Cultural Sawabona Shikoba, de Porto Alegre.
A ação civil pública foi protocolada na sexta-feira (3), no 2º Juizado da 3ª Vara Cível da Justiça de Caxias do Sul, sob responsabilidade do juiz Carlos Frederico Finger. No pedido de indenização, as organizações classificam a fala do vereador Fantinel como "inadmissível", afirmando que ele "externalizou discursos de ódio, de cunho racista, especificamente contra a população oriunda das regiões Norte e Nordeste". Em outro trecho do processo, as ONGs citam que a fala do vereador Fantinel representa ato ilícito com repercussão coletiva, "em discurso de total descaso com a população baiana e, em especial, com os trabalhadores daquele Estado".
"Não há mais espaço no Estado de Direito para discursos como o do vereador Sandro Fantinel, daí porque é necessária a tutela do Poder Judiciário para promover a reparação do dano a direitos difusos perpetrado pelo requerido", diz o documento.
Além disso, as ONGs enfatizam que são necessárias outras medidas para impedir que esta conduta seja repetida e que a reparação não pode se dar apenas através da indenização. Por isso, além da reparação financeira, as organizações pedem uma retratação pública de Fantinel, com repúdio a atos de racismo e da não discriminação dos povos. Também pedem que o vereador caxiense participe de um curso com ênfase nos temas da dignidade da pessoa humana, igualdade e não discriminação.
O advogado Leandro da Cruz Soares, que representa a Educafro e é autor da ação contra Fantinel, reforça os argumentos apontados na ação civil e afirma que a declaração contra os trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão em Bento Gonçalves é "desumana", além de "absurdamente ofensiva".
— Não há como não se comover com essa situação (dos trabalhadores resgatados), e não há como esse vereador sair ileso desse discurso. É necessário que o Poder Judiciário dê um viés direcionado a uma condenação. Infelizmente, falas como essas são corriqueiras. São falas diárias, não são um caso isolado. Isso demonstra a postura racista diante dos trabalhadores nordestinos e o total descaso às pessoas que estavam trabalhando aqui no RS, que deixaram suas famílias para tentar a vida em outro Estado. É necessária uma aplicação ao vereador, é direito da sociedade brasileira de não ser afrontada por nenhum tipo de aporofobia (aversão aos pobres), nem mesmo às questões raciais — declara Leandro.
Infelizmente, falas como essas (do vereador Fantinel) são corriqueiras. São falas diárias, não são um caso isolado.
LEANDRO DA CRUZ SOARES
Advogado, representante da Educafro e autor da ação civil contra o vereador Sandro Fantinel
Gilberto Soares, produtor cultural e articulador de relações institucionais da Associação Cultural Sawabona Shikoba, concorda com o advogado da Educafro, e reafirma que "as declarações deste indivíduo não são solitárias e tem uma legião de pessoas que pensam como ele". Com a ação, ele espera fazer com que, pelo menos, essa parcela da população repense suas atitudes.
— Não creio que mudaremos a forma de pensar de muitos deles, mas mexer naquilo que mais dói neles fará com que repensem suas atitudes racistas. Por conseguinte, tratarão com mais cidadania todos aqueles que estão excluídos de nossa sociedade. Chegou o momento de não aceitarmos mais esta situação e dar o exemplo para esta juventude ávida de atitudes — garante Gilberto.
A reportagem não conseguiu contato com o Centro Santos Dias de Direitos Humanos e o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara).
Três pedidos de indenização
Outros dois pedidos de indenização por reparação de danos morais coletivos foram ajuizados nos últimos dias. Uma das ações civis públicas foi protocolada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), em Caxias do Sul, na tarde da última segunda-feira (6). O órgão pede que o parlamentar seja condenado ao pagamento de R$ 300 mil, que seria destinado ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados.
Na sexta-feira (3), o Ministério Público Federal (MPF) protocolou um pedido de indenização contra Fantinel no valor de R$ 250 mil. Sobre as declarações, o MPF classificou o discurso do vereador como "preconceituoso, odioso, de caráter xenofóbico e discriminatório". Na ação civil pública, o procurador Fabiano de Moraes entendeu que o vereador colocou as vítimas como culpadas da situação em que se encontravam. Além disso, o órgão interpretou que Fantinel ofendeu os órgãos de fiscalização da União, e aponta que o político tratou a situação dos trabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão como "normal".
À reportagem, o vereador disse que, por orientação de advogados, não irá se manifestar neste momento. No dia 2 de março, Fantinel publicou uma nota oficial nas suas redes sociais, na qual ele reitera seus "sinceros pedidos de desculpas pelas minhas falas ocorridas em 28/02/23, em sessão na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. Registro que tenho muito apreço ao povo baiano, e a todos do Norte/Nordeste do país. Em um momento de lapso mental, proferi palavras, que não representam o que eu penso e sinto pelo povo da Bahia e do Norte/Nordeste. Somos todos iguais e estou profundamente arrependido".