Farroupilha se despediu nesta terça-feira (19) de uma das figuras mais conhecidas da sua história. Clóvis Zanfeliz morreu aos 83 anos, por volta das 22h, em decorrência de um enfisema pulmonar, contra o qual batalhava há anos. Ele estava internado no Hospital Beneficente São Carlos, instituição que municipalizou durante sua gestão como prefeito da cidade, entre 1989 e 1992. Além de viabilizar atendimentos pelo SUS no hospital, Zanfeliz instituiu a Secretaria da Saúde em Farroupilha. Fora o legado na saúde, o ex-político e empresário é lembrado como alguém à frente do seu tempo, principalmente por sua atuação em projetos da área da habitação e na idealização da Fenakiwi.
Na trajetória política, Zanfeliz era filiado ao então Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), hoje MDB. Ele foi vereador nos mandatos de 1965-1968 e 1969-1972. Foi nessa época que o então parlamentar teve o voto de minerva no projeto de criação do primeiro subdistrito de Farroupilha, o Distrito Industrial.
— Foi inclusive em desacordo com a orientação partidária, mas hoje se vê como foi importante. Transformou Farroupilha, que deixou de ser um município agrícola e passou a ser industrial — comenta Ademir Baretta, que foi secretário de Agricultura de Zanfeliz, depois vereador e prefeito e, hoje, é presidente do MDB na cidade.
De 1983 a 1988, Clóvis foi vice-prefeito e secretário de Trabalho de Wilson Cignachi, assumindo, no ano seguinte, o comando da prefeitura. Em 1997, voltou ao Legislativo, exercendo mandato de vereador até o ano de 2000.
— O principal é que ele sempre foi humilde. Foi prefeito e depois vereador. Isso se chama humildade, para ajudar ainda mais a população. Uma pessoa sempre sorridente, largando uma piada ou outra, com olhar humanitário — lembra a ex-secretária da Saúde e do Desenvolvimento Social e Habitação da cidade, Maria Glória Menegotto, que foi vereadora na mesma gestão, sentando, inclusive, ao lado de Zanfeliz na Câmara.
Tal espírito inspira, até hoje, a atuação de movimentos mais recentes, caso da Juventude do MDB, que reconhece Zanfeliz como referência:
— Mesmo afastado das atividades políticas devido à doença, ele sempre tinha uma ideia, um projeto, um diálogo à frente do tempo — ressalta Matheus Paim, presidente da Juventude do MDB e vice-presidente do partido no município.
Criação de uma festa para desenvolver Farroupilha
Para o atual prefeito da cidade, Fabiano Feltrin (PP), Clóvis detinha um grande conhecimento da importância da geração de emprego e renda na comunidade. Parte dessa visão vinha da vivência como empresário à frente dos Calçados Yank, antes de ingressar na política. O jeito empreendedor fez Zanfeliz encabeçar a criação de eventos como o Encontro de Tradições Italianas (Entrai) e a Fenawiki, cuja primeira edição se deu em 1991.
— O grande objetivo do Clóvis era o desenvolvimento econômico, fomentar indústria, comércio e serviços, focando nas malhas. Farroupilha se tornou esse polo, por conta das políticas públicas dele. A fruta era um pretexto — diz Feltrin, que foi presidente da festa em 2014.
Em 1986, enquanto vice-prefeito e secretário de Trabalho, Clóvis descobriu um viveirista local, que havia plantado quatro mudas de kiwi trazidas de São Paulo e as plantou. O pomar não vingava porque, como descobriram, todas as plantas vivas eram fêmeas e era necessário o macho para a polinização. Em reportagem do Pioneiro de 2017, o próprio Zanfeliz contou:
— Descobrimos um japonês em Novo Hamburgo que tinha a flor macho e enviei o agrônomo da prefeitura até lá para consegui-la. No outro dia, passamos a manhã inteira polinizando as flores. Nunca deu tanta fruta.
Gervásio Silvestrin, engenheiro agrônomo que atuou na prefeitura junto a Zanfeliz, lembra que o plano foi responsável por projetar o nome de Farroupilha, que ainda não tinha uma festa própria, ao contrário de outras cidades da região.
— Ele foi ousado, sempre acreditou muito na cultura do kiwi. Quando a Fenawiki foi realizada pela primeira vez, estávamos muito no início e ele teve coragem de realizar a festa antes mesmo de a cidade consolidar a produção. A primeira edição foi feita só com kiwi importado — recorda Silvestrin.
As primeiras toneladas de kiwis farroupilhenses começaram a ser colhidas em 1989, mesmo ano em que Zanfeliz assumiu o cargo de prefeito do município.
Política de portas abertas
A gestão de Zanfeliz também foi a responsável pela criação do Albergue Municipal e da Casa da Criança Odete Zanfeliz, denominada hoje assim em homenagem póstuma à esposa do ex-prefeito e idealizadora do projeto. Em 1990, durante seu governo, Farroupilha sediou a primeira Feira do Livro do interior do Estado.
— Uma pessoa muito dedicada à área social, ligada à comunidade. A história em Farroupilha deve muito a ele — salienta Bolivar Pasqual, prefeito entre 2001 e 2008, governo no qual Zanfeliz foi secretário da Agricultura.
Segundo acredita o prefeito Fabiano Feltrin, o mandato de Clóvis no Executivo foi um divisor de águas na forma como a população percebia o poder público, pela característica de atender os que mais precisavam no próprio gabinete, algo inédito para a época:
— Como ele conseguiu mostrar que as autoridades eram acessíveis... Ele era muito popular, de sorriso escancarado 24 horas por dia, as pessoas amavam ele. Ele também foi o primeiro prefeito da cidade a abordar e inserir a comunidade no meio-ambiente — destaca Feltrin.
A relação entre as famílias Feltrin e Zanfeliz é marcada pelas funções exercidas em conjunto nos governos: a mãe de Fabiano, Marlene Feltrin, foi secretária da Educação de Clóvis, cuja filha, Luciana Zanfeliz, agora ocupa a mesma função na gestão de Feltrin. A atual sede da Secretaria da Educação, inclusive, foi construída no mandato de Clóvis.
Paralela à função de vice-prefeito, entre 1969 e 1972, Zanfeliz foi secretário de Assistência Social, período em que, conforme Ademir Baretta, o município mais implantou loteamentos populares para abrigar quem vinha trabalhar em Farroupilha. É o caso dos bairros Cinquentário, Industrial e Primeiro de Maio; este último, por sinal, é maior que 200 municípios gaúchos.
Segundo Baretta, Clóvis também se envolveu na implantação da Estação Rodoviária de Farroupilha, do Festival do Moscatel e dos centros de pronta-entrega, shoppings que passaram a movimentar o turismo de compras na região.
Em 2014, Clóvis recebeu o título de Cidadão Emérito. Na ocasião, disse em seu discurso:
"Vocês sorriem, mas tomara que todos vocês, nobres vereadores, cheguem um dia a ser homenageados por serviços prestados a nossa comunidade e ao nosso país, para que amanhã nós tenhamos um país mais justo, eu diria mais fraterno, em que as desigualdades desapareçam, que não haja tanta injustiça social (…). Eu sou de uma época em que a gente fazia política por ideal, era para ver as pessoas serem mais felizes, a gente passa tão depressa!"
Ex-vereadora e atual coordenadora da Regional Vinhedos do MDB, Maristela Pessin, a Tetella, enfatiza a força de Zanfeliz na luta contra a doença, elogiada até pelos médicos que tratavam o ex-prefeito. Tetella, cuja família também era próxima dos Zanfeliz, costumava visitar Clóvis na chácara dele e levava junto o pai, Zeno Pessin, um dos fundadores do MDB de Farroupilha.
— É um dia muito triste para os farroupilhenses, amigos e família. Acabamos perdendo uma grande liderança política, um exemplo de homem público, com sensibilidade, preocupação com as pessoas e bom-humor diário. Agora restam os ensinamentos, a saudade e principalmente a gratidão.
Entre outras autoridades que se manifestaram sobre o assunto, estão a Câmara de Vereadores de Farroupilha, o MDB-RS e o próprio Executivo Municipal, que decretou três dias de luto oficial. Clóvis Zanfeliz foi velado no Memorial São José de Farroupilha na manhã desta quarta-feira (20). O corpo foi cremado no Memorial Crematório São José, em Caxias. Ele deixa esposa, quatro filhos e duas netas.