Pela primeira vez, o prefeito de Caxias do Sul, Daniel Guerra (PRB) admite a possibilidade de tirar férias durante os quatro anos do mandato. Segundo a Lei Orgânica do Município, o prefeito tem direito a 30 dias de férias após cada ano de mandato e, no último, deve tirar durante o período aquisitivo (ao longo do ano). Até então, a decisão de Guerra era de não tirar férias para não dar posse ao vice-prefeito, Ricardo Fabris de Abreu (sem partido). Os dois estão rompidos desde o final de março, quando o vice anunciou que não iria mais renunciar ao cargo, como havia prometido dias antes.
Caso mantenha a ideia de não tirar férias, Guerra vai contrariar a própria decisão da administração municipal que, desde o início do ano passado, intensificou a regularização da vida funcional dos servidores e identificou o acúmulo de períodos de férias e licenças-prêmios. Em novembro passado, o Pioneiro revelou que a prefeitura pagou R$ 4,8 milhões em vencimentos de 135 servidores que receberam acima do teto municipal _ que corresponde ao valor do salário do prefeito, de R$ 21.529,01. Na ocasião, a secretária de Recursos Humanos e Logística, Vangelisa Lorandi, criticou a postura dos governos anteriores que deixaram acumular os benefícios.
_ É inadmissível (um servidor) ter acumulado tantos períodos de férias e licenças-prêmio _ disse Vangelisa sobre um assistente social que recebeu R$ 178,6 mil.
A diferença entre a situação de Guerra e a dos servidores mostrados na reportagem é que, mesmo não usufruindo dos quatro períodos de férias, como pretende o prefeito, a lei municipal diz que é "vedada a acumulação". Portanto, ao final de cada ano subsequente ao do período aquisitivo, o prefeito perde o direito de férias.
O pós-doutor em Direito Público e professor da FSG Adriano Tacca diz que o prefeito está autorizado a tirar férias, se for do interesse dele, e confirma que ele não tem direito a acumular. Tacca lembra que a então governadora Yeda Crusius (PSDB) também não tirou férias durante os quatro anos. A tucana também tinha desavenças políticas com seu vice Paulo Feijó, à época no DEM.
Finais de semana para o descanso
Para manter a rotina de trabalho, enfrentar o estresse do cargo e permanecer o mandato sem férias, Daniel Guerra pratica musculação durante a semana em uma academia da cidade. Já para evitar o cansaço, o prefeito evita comparecer a eventos e cerimônias de entidades de classe e empresariais. Os finais de semana são dedicados ao descanso, e ele raramente participa de atividades do governo.
Sem período de férias por vontade própria, Guerra não pode, sem licença da Câmara de Vereadores, sair do município por período superior a 15 dias. A pena para essa infração é a perda do cargo. O mesmo vale para o vice.
Atualmente, não há prazo determinado para a transmissão de cargo de prefeito para vice. O ex-prefeito Alceu Barbosa Velho (PDT), diz que se baseava na Lei Orgânica anterior, que dizia que prefeito e vice não poderiam se ausentar da cidade por mais de cinco dias.
_ Fazia a transmissão por ata de transferência de cargo. Mesmo que tivesse e-mail e internet, acho que a cidade não pode ficar sem prefeito por um período acima de cinco dias. Mas em caso de férias, mesmo que seja um dia, tem que transferir (o cargo) _ ressalta o pedetista.
Viagem em junho
Em junho do ano passado, Guerra tentou manter em sigilo uma viagem de trabalho para fora do Estado. O objetivo era evitar o desgaste de deixar o município sem comando. Com a repercussão negativa, o Executivo anunciou o motivo de tanto mistério. Guerra tinha viajado a Brasília para tratar do processo da Família Magnabosco. Na ocasião, a cidade ficou dois dias sem prefeito.
Uma servidora municipal que prefere não se identificar faz um alerta sobre o afastamento do prefeito sem que haja a transmissão de cargo. Ela diz que se no período houver o término de prazo de um dispositivo da lei orgânica, como a sanção de um projeto de lei, o ato terá de ser assinado pelo vice-prefeito.
Pausa do vice
Consultado na semana passada, o vice-prefeito Ricardo Fabris de Abreu (sem partido) afirmou que estava de férias marcada de 15 de janeiro a 15 de fevereiro. Segundo ele, houve a necessidade de agendar as férias para cumprir regramento do Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Fabris é servidor público e decidiu continuar recebendo o salário da Justiça do Trabalho.
_ Eu tenho as férias acumuladas do ano passado (quis dizer 2016), da eleição. Tenho dois períodos acumulados, e o TRT não permite que acumule mais do que isso para não te indenizar. Marco no TRT e informo o Recursos Humanos da prefeitura.
Fabris viajou com a família para o Litoral.
O QUE DIZ O GOVERNO MUNICIPAL
A manifestação veio por meio de nota:
"O prefeito está envolvido e preocupado apenas em trabalhar pela cidade. Se, porventura, vier a tirar férias, será em momento oportuno dentro de seu planejamento. Conforme o artigo 98 da Lei Orgânica do Município, o prefeito pode fracionar as férias, sem necessidade de gozar de um período fechado de 15 ou 30 dias, como os servidores municipais. Como Chefe do Executivo, ele pode escolher a sequência de dias de férias, inclusive, sendo autorizado a gozar das férias em curtos períodos, como de apenas um dia, por exemplo. Por ocupar um cargo eletivo, o prefeito municipal não tem direito a licença-prêmio. Esse é um benefício previsto no Estatuto do Servidor e que compete aos servidores municipais concursados."
O QUE DIZ A LEI ORGÂNICA
Art. 98. Independentemente de licença da Câmara Municipal, que deverá apenas ser previamente oficiada, o Prefeito gozará férias de trinta dias após cada ano de mandato e, no último, gozará as férias durante o período aquisitivo. ( N.R. dada pela Emenda à L.O.M. nº 14, de 2 de julho de 1999.).
§ 1º O trintídio das férias poderá ser fracionado, a critério do Prefeito. (Redação inserida pela Emenda à L.O.M. nº 14, de 2 de julho de 1999.).
§ 2º O direito ao gozo de férias só poderá ser exercido até o término do ano subsequente ao do período aquisitivo, vedada a acumulação. (Redação inserida pela Emenda à L.O.M. nº 14, de 2 de julho de 1999.).
§ 3º Ao Vice-Prefeito assistirá igualmente direito a férias, nas mesmas condições previstas nos parágrafos anteriores, cabendo ao Prefeito a primazia no seu exercício. (Redação inserida pela Emenda à L.O.M. nº 14, de 2 de julho de 1999.).