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A primeira reportagem da série A cidade que queremos traz um diagnóstico de Caxias do Sul, do ponto de vista "humano", e aponta alternativas viáveis, sugeridas por especialistas e interessados no assunto para tornar o município, com quase meio milhão de habitantes, um lugar melhor para se viver. Confira:
DIAGNÓSTICO
- Caxias é uma cidade utilitarista
"A gente usa as ruas de uma forma utilitarista. É quase como um mal necessário para você ir de casa para o trabalho e do trabalho para casa. As pessoas não se apropriam tanto da rua, a gente não vê movimentos maiores acontecendo na rua a não ser de carros. Quando eu falo rua é, na verdade, todo o espaço onde a gente pode ter uma interação entre as pessoas. Parque é importante, mas não basta ter parques isolados. A gente teria de ter ruas mais atrativas para circular. Maior número de parques e interligados uns aos outros e não como coisas isoladas. Essa rua tem de ser mais atrativa, não pode ser tão reta, tem de ter pequenas surpresas no caminho para você não sentir tanto a caminhada. Se você vai do São Pelegrino até o Centro, você vê só carro e ônibus. Teria de ter pequenos estares, bares, uma padaria que põe uma mesa na rua, um café que você possa sentar e conversar no meio de uma praça ou de uma parque e não como coisas isoladas". Rodrigo Romanini, arquiteto e urbanista
- Falta acessibilidade
"Acho que é uma questão de arrogância até do gestor público, de não se preocupar, de não saber se colocar no lugar do outro e perceber quais são as necessidades do outro. A gente só vai poder conviver todo mundo se a cidade estiver pronta para isso e é por isso que eu falo tanto em acessibilidade, porque hoje a gente vê tanta gente segregada, excluída da convivência. A escola, a prefeitura e as calçadas não estão preparadas. Hoje, se a gente ficar algum tempo parado em qualquer lugar na rua vai ver muita gente com mobilidade reduzida fazendo uso de muletas, de próteses, e está perigoso, da criança ao idoso, andar em Caxias. Isso é um problema de gestão pública. Todo mundo precisa conviver e a cidade precisa dar a condição para que isso aconteça". Jaqueline Valim, criadora da fan page no Facebook Humanizar para incluir, que divulga direitos de PCDs e idosos
- Falta avançar em questões contemporâneas
"Acho que Caxias tem avançado muito nessas últimas décadas. Em questões básicas (saúde, segurança, assistência social e educação), a cidade tem uma situação muito consolidada em relação a outros municípios. E dentro dessas questões mais contemporâneas (mobilidade urbana, espaços de convivência com foco na preservação ambiental e expressão cultural e acesso transparente da gestão pública), entendo que a cidade está caminhando, ainda falta uma consolidação, ainda faltam alguns avanços nesse sentido, precisa ter uma atenção para poder avançar". Fábio Vanin, coordenador do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade da Serra Gaúcha (FSG)
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- Problemas sociais
"Acho que a gente tem de melhorar bastante. Na minha opinião, Caxias não é uma cidade humaniza em função de muitos problemas, problemas sociais, de segurança. E é um problema generalizado, em nível de Brasil, e não torna aprazível para o convívio humano". Pablo Cesar Uez, vice-presidente da Associação de Engenheiros, Arquitetos, Agrônomos, Químicos e Geólogos de Caxias do Sul (Seaaq)
- Má qualidade das calçadas
"Todo mundo precisa conviver e a cidade precisa dar a condição para que isso aconteça. Com a Lei Brasileira de Inclusão, a responsabilidade das calçadas passou para o município, não é mais do cidadão o conserto. Fiscalização e conserto são da prefeitura e olha o estado das calçadas. Não tem calçada que não tenha buraco, pedra solta, isso é um problema para os pedestres, para qualquer um". Jaqueline Valim
CAMINHOS POSSÍVEIS
- Transporte eficiente, atrativo e inclusivo
- Estímulos para deslocamentos a pé
- Mistura de usos (comércio e residências na mesma área)
"O ideal é que se tenha o que a gente chama de fachadas ativas, que é quando você tem um comércio embaixo e a parte de cima residencial. Os próprios moradores acabam cuidando da cidade. A loja fica aberta até mais tarde, os moradores cuidam da cidade. O essencial é a multiplicidade de usos do Centro, principalmente". Rodrigo Romanini
- Ruas, praças e parques de qualidade
"A cidade precisa dispor de melhores equipamentos públicos, porque quando tu oferece uma rua de qualidade, uma praça de qualidade, tu humaniza uma cidade, a torna mais aprazível para as pessoas. E isso tem tudo a ver com a humanização, levar a escala da cidade para as pessoas e essa oferta de espaços públicos. Que nós tenhamos espaços públicos de qualidade para ofertar para as pessoas e sempre a legislação conseguir mesclar espaços públicos e espaços privados, mas dentro de uma escala da cidade que seja compatível com a escala das pessoas". Pablo Cesar Uez
- Acessibilidade
"Uma cidade humana precisa ser voltada para as pessoas, para a convivência, para a qualidade de vida. Precisa ter sentimento, não pode excluir. Calçadas e espaço públicos precisam ser acessíveis. Sem acessibilidade a gente não consegue exercer com dignidade e autonomia os outros direitos como educação, saúde, lazer, trabalho e moradia. Uma cidade humana precisa de gestores que respeitem os direitos de todos e as necessidades de cada um, que são bem diferentes. Precisa ser democrática, não pode ter preconceito, não pode ter obstáculos nem barreiras que sejam físicas ou de atitudes. A gente precisa se reconhecer no rosto do outro". Jaqueline Valim
- Democracia e transparência
- Participação
"A questão de ter uma cidade onde as pessoas participem das decisões, isso beneficia essa busca por uma cidade mais humana. Por quê? Porque as pessoas que participaram de um processo decisório vão enxergar a sua contribuição no resultado da cidade e esse enxergar essa contribuição acrescenta a essas pessoas o sentimento de pertencimento. E quando tu tens o sentimento de pertencimento, tu cuida, e se tu cuida, tu valoriza, e se tu valoriza, tu já humanizou o espaço. Tu tem uma relação afetiva e te torna parte integrante da identidade e tudo isso junto faz com que a cidade se torne mais humana". Pablo Cesar Uez
- Pequenas intervenções
"Essa situação de cidade mais humana não está relacionada a grandes obras, grandes ações do poder público. Tem muita literatura que a gente discute e há um livro que é referência, Acupuntura urbana, do arquiteto Jaime Lerner, coloca que uma cidade mais humana muitas vezes acontece a partir de pequenas intervenções do poder público no ambiente, no espaço público ou induzindo, no bom sentido, o comportamento das pessoas, otimizando determinados convívios entre as pessoas, justamente para criar esse ambiente mais harmonioso". Fábio Vanin
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