A organização sindical e a relação desses movimentos com os governos de Getúlio Vargas e de João Goulart tiveram reflexos diretos em Caxias do Sul, principalmente no Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico (STIMMME), que teve as portas lacradas por ser um reduto comunista, daquela época até hoje. Por duas ocasiões, a entidade sofreu intervenção. A primeira foi em 9 de outubro de 1948, por meio de portaria ministerial. A segunda, em 9 de abril de 1964, pelos militares, quando foi nomeado interventor o general Itacyr Rosa Cruz. Nesta segunda-feira, o golpe militar no Brasil completa 50 anos
INFOGRÁFICO: confira os fatos mais marcantes da época do regime militar
Apesar da escassez de documentos que retratam os episódios, pesquisa produzida pelo assessor de formação sindical do sindicato, Paulo Wünsch, onde constam publicações do Pioneiro daquele período, relata que foram presos integrantes da diretoria: o presidente Bruno Segalla, o secretário Armin Damian e o tesoureiro Alcides Zatera, além do advogado Percy Vargas de Abreu e Lima, o médico Henrique Ordovás e o ex-sindicalista Júlio Pedro Furlan.
Outras lideranças locais também foram presas, ainda segundo o jornal e incluído na pesquisa de Wünsch, entre elas: Antonio Carlos Rosa, Antonio Lisboa da Silva, Darwin Corsetti, Darwin Gazzana, Dalcy Fontanive, Ernesto Bernardi, Enio Fávero, Gercy Antonio Aguzzoli, Heran Paulo Damin, João Rodrigues Barcellos Filho, Júlio Furlan, Leovegildo Neri de Campos, Luiz Pizzetti, Regis Arnoldo Ferreti, Remi João Rigo, Romulo Segalla, Rui Gonçalves Moura, Walter Casara, Walter Tonini. Além destes, segundo o texto, operários, padre, advogados, funcionário público, professor, contador, economista e até empresários foram detidos.
Depoimento de Almira Segalla, esposa de Bruno Segalla
A intervenção tinha como finalidade supervisionar, manter a eficiência dos serviços, homologar ou retificar decisões, podendo determinar afastamento de servidores quando convier, conforme a ata de intervenção, redigida às 16h de 9 de abril. Foram declarados extintos pelo interventor os mandatos de toda a diretoria, dos delegados e representantes. Em seguida, os assessores do general Rosa Cruz, Alcides Klauss, Martinho Portolan, Etelvino Sanchet, Roberto Chukst e Olices Guerra, foram determinados a verificar o caixa e serviços assistenciais do sindicato.
Assista ao trailer do documentário Bruno Segalla
No dia 15 de abril, foi nomeada e empossada a junta governativa, presidida por Olices Guerra, tendo Heitor da Gama e Silva como secretário e Dionysio Guido Giazzon como tesoureiro. O general Rosa Cruz foi o interventor de todos os sindicatos de Caxias que passaram por esse processo, mas apenas o dos metalúrgicos não conseguiu de volta seus direitos, e seus membros tiveram os direitos políticos cassados.
As eleições no sindicato só voltaram a ser realizadas em 30 de agosto de 1965. Curiosa foi a denominação das três chapas inscritas, por seguirem as cores da bandeira nacional. A chapa 1 era de cor azul; a chapa 2, de cor verde; e a chapa 3, amarela. A vencedora foi a chapa verde. Em 15 de setembro, Antonio Olivo Frigeri foi definido presidente do sindicato. A posse ocorreu em 12 de outubro daquele ano.
Bruno Segalla, ícone da esquerda no município
O artista plástico Bruno Segalla nasceu em 7 de outubro de 1922 e ingressou no Sindicato dos Metalúrgicos em 1955 - foi presidente em 1957, reeleito em 1959, 1961 e 1963. Aos 14 anos, ingressou na Eberle, no setor de gravação de medalhas, onde permaneceu por 40 anos. Segalla, considerado um ícone da esquerda no município, sentiu na pele o regime militar. Foi preso em 1964 e em 1975. Foi vereador eleito pelo Partido Social Progressista (PSP, em 1956/1959) e suplente (1960/1963). Também foi suplente de deputado estadual (1963/1967), pela Aliança Republicana Socialista (ARS).
Pelos registros da Assembleia Legislativa, em 29 de março de 1963 foi convocado e assumiu o mandato até 27 de maio do mesmo ano. Seu nome está na lista de cassados do decreto do presidente da República, Humberto de Alencar Castello Branco, de 7 de maio de 1964. O livro Os 170 anos do Parlamento Gaúcho, da Assembleia Legislativa, registra que "no mesmo dia em que o anúncio oficial da cassação foi feito na Assembleia, esses deputados receberam ordem de prisão... foram detidos no Quartel da Brigada e, inicialmente, mantidos incomunicáveis."
Os ideais de Segalla o aproximaram de nomes como Luís Carlos Prestes, senador pelo PCB, líder da revolta tenentista contra o governo de Arthur Bernardes e da Intentona Comunista (contra Getúlio Vargas), e do ex-governador do RS e do RJ Leonel Brizola, fundador do PDT.
Em 1961, Segalla trouxe Prestes para uma conferência em Caxias. No livro Relações de Trabalho - Desafios da Educação, da Faculdade da Serra Gaúcha, de 2013, com base em informações do Sindicato dos Metalúrgicos, consta que: "os estudantes, incen­tivados pelos sacerdotes e políticos contrários, tentaram invadir o Cine Central (local da conferência). A Praça Rui Barbosa (hoje Dante Alighieri) foi palco de uma batalha de quatro horas. Estudantes e sacerdotes, armados de pedras e paus, travavam violenta guerra contra a Brigada. Prestes e lideranças tiveram que sair pelos fundos do prédio".
A prisão mais violenta de Caxias
Com o AI-5, a prisão de Bruno Segalla ocorreu devido à atuação na reorganização do PCB em Caxias do Sul, tendo sido a detenção mais violenta, com a casa invadida e ele levado encapuzado e algemado para lugar incerto, sendo torturado física e psicologicamente.
Como defensor da reforma agrária, dizia, orgulhoso, que era neto de sem-terra. Costumava brincar que se considerava comunista, ateu, juventudista, brizolista, materialista e cristão. Em 1963, ele coordenou uma das maiores greves da cidade (foto acima), quando a paralisação dos metalúrgicos obteve a adesão, segundo relatos da época, de mais de 90% da categoria, cerca de 8 mil trabalhadores, e reajuste salarial de 80%.
Segalla morreu em 14 de agosto de 2001 e, em 2005, foi criado o Instituto Bruno Segalla, com o objetivo de dar continuidade ao trabalho de resgate e preservação do acervo cultural deixado pelo escultor e medalhista.
Em depoimento à Comissão Estadual da Verdade, em dezembro do ano passado, o filho do artista, Ricardo Segalla, contou ter sido preso em Lages (SC) sob a alegação de ser ladrão de carros em Caxias do Sul. Na realidade, seria preso e torturado por distribuir o jornal Voz Operária a pedido do pai. Segundo Ricardo, ele foi espancando por mais de 20 policiais, que usaram maricota para dar choques.
Exército obrigou assessor a assumir a junta
No levantamento histórico produzido pelo sindicato, Olices Guerra, assessor do interventor, o general Rosa Cruz, dá um depoimento onde conta que não queria assumir a junta governativa, pois não tinha experiência e não entendia do sindicato, mas praticamente foi obrigado pelo Exército. Seu nome, diz, foi escolhido mediante uma lista de 20 trabalhadores associados ao sindicato.
"A primeira coisa que fiz foi ver como estavam as finanças. Solicitei a presença do capitão do Exército e de um juiz para abrir o cofre. Não tinha nada e havia um déficit de 800 mil cruzeiros. Esse fato foi levado ao conhecimento do Exército. Fiz um ofício pedindo autorização para visitar os presos Bruno Segalla e Armin Damian. Então os interroguei. Quando prenderam o Percy, ele estava muito doente e o baixaram no Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre, para ser operado. Depois de seis meses, deram alta e ele voltou para Caxias, mas não continuou no sindicato", diz Guerra, em depoimento no livro 70 anos de história: resgatando o passado para fortalecer as lutas presentes e futuras, produzido pelo sindicato em 2003.
Um fato interessante relatado por Guerra, é sobre a posse do primeiro presidente eleito pós-golpe, que quase não ocorreu. Antonio Olivo Frigeri sofria restrições políticas dos militares. Guerra relata:
"Eu precisava ter autorização do Ministério do Trabalho para dar posse. Levei o resultado da eleição para Porto Alegre. O Frigeri estava fichado como subversivo. Então, precisei me responsabilizar para poder empossá-lo. Ao chegar em Caxias, o Exército local queria impugnar a eleição. Mas não deixei."
Outros depoimentos podem ser encontrados na monografia Um ato duas faces, para a conclusão do curso de Especialização em História Regional da UCS, em 1999, de autoria do professor da rede pública municipal Antônio Leite. Emílio Mondin, vereador da época e apoiador do golpe, declara:
"O Segalla era o maior agitador que tinha aqui em Caxias naquela época. Quando era aquela agitação de invadir fábricas, invadir padarias, a luta pela vida e aquela história toda, o mais visado sempre foi o Bruno Segalla, que foi preso inclusive na Revolução. E os outros sindicatos eram sindicatos mais acomodados. Os que eram favoráveis à Revolução eram maioria absoluta na Câmara."
Já na visão do metalúrgico Lori Domingos dos Santos, também conforme relatado na monografia, o sindicato foi o alvo principal da ditadura em Caxias pelo fato de ser a entidade que centralizava o movimento de criação do bloco de resistência ao golpe militar. Lori dos Santos, na época da intervenção, era metalúrgico na empresa Nicola (atual Marcopolo) e militante do PCB.