O clima estava tenso no 3° Grupo de Canhões Automáticos Antiaéreos 40mm de Caxias do Sul na tarde de 31 de março de 1964. Diante da instabilidade política generalizada no Brasil, a ordem era manter estado de prontidão máxima. Até quem não estava de serviço deveria ficar em alerta permanente, com fardamento completo. A informação que chegara do centro do país era de que o grupamento seria alvo de invasão. Ninguém poderia sair, nem soldados nem oficiais. As armas estavam ensarilhadas no saguão, as viaturas enfileiradas no pátio, os canhões e a munição prontos para qualquer emergência e, ao toque do clarim, todos deveriam estar imediatamente em forma e aguardar orientações
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A descrição integra o relato de quem, aos 19 anos, era soldado e estava de guarda no quartel quando o clarim enfim soou. O professor e contador aposentado Odair Bortolo Gregoletto, 69 anos, lembra que os sargentos e cabos já haviam recebido as orientações superiores e se reuniram com seus soldados, cada um numa viatura. Ali foram repassadas as últimas orientações, e todos partiram. A determinação era clara: prender certas pessoas e levá-las ao quartel para interrogatório. Gregoletto diz não recordar dos nomes que seriam caçados. Segundo ele, as pessoas detidas eram "subversivos que atentavam contra a ordem pública e desrespeitavam as autoridades constituídas, contra a tranquilidade nacional".
- Uma determinada prisão aconteceu porque a pessoa hasteou a bandeira da Rússia e distribuiu material considerado subversivo à população e à ordem pública. Outras, por terem armamento e material subversivo em casa, e algumas por incitarem a violência e a rebelião.
As viaturas retornaram ao quartel com 12 detidos. Foram acomodados em alojamento coletivo, com camas, banheiro, água e alimentação, e examinados por médico do quartel, identificados e interrogados. Não houve ofensa ou agressão física ou moral contra as pessoas detidas, nem na hora da prisão, nem dentro do quartel, garante Gregoletto, que prestava serviço militar na 1ª Bateria de Canhões 40mm.
Gregoletto (nas fotos de hoje e da época) diz que o período pré-revolução foi tranquilo para os soldados, pois quase não era percebido nada de anormal nas atividades diárias. Porém, quem estudava à noite tinha contato com outras pessoas e com rádio e jornal, sabia ou desconfiava que algo estava para acontecer. Em 30 de junho de 1964, ele deu baixa do quartel.
Soldados da época se reencontraram
Cinquenta anos depois de servirem ao Exército, os ex-soldados de 64 (foto acima) se reencontraram. Na terça-feira, cerca de 30 deles participaram de um jantar (abaixo). Foi a terceira vez que se reuniram. E já marcaram o próximo encontro, dia 28 de junho, um almoço no 3º GAAAe. Alguns deles contaram suas impressões sobre a época e histórias curiosas:
- Em 1963, quando fomos jogar contra o Estudiantes, em La Plata, falei com o presidente do Flamengo e o vice, eles me prometeram que eu não iria servir o Exército, pois já teriam falado com o comandante. Na volta do jogo, os dois me levaram até o quartel e fiquei detido, porque o grupo já tinha incorporado há 10 dias. Fiquei cerca de um ano fora do futebol
Aribaldo de Negri, 70, era goleiro do Flamengo (antecessor da SER Caxias) quando entrou no quartel
- Saía às 3h da madrugada para pegar os comunistas dormindo e, às 12h15min, para pegá-los almoçando. Não demos nenhum tiro. Quando eles viam o pessoal fardado, já sabiam (que seriam presos).
Paulo Roberto Costa, 69, era cabo
- Ficamos 45 dias prontidão, a partir de 31 de março. Havia um zunzum, mas foi tudo de repente. A ordem era atirar, se tivesse invasão no quartel.
Rene Benhum Weiss, 70, era motorista do comandante, major Virgilio da Costa
- Soldado não fica sabendo do que acontece, reunião de comando é de comando. O clima lá dentro é de fraternidade.
Jair A. Lazzarotto, 70
- Dentro do quartel tinha sargentos que tentavam fazer a cabeça contra o Exército. Tentavam colocar na cabeça dos soldados que os chefes eram a favor do capitalismo, do imperialismo.
Hildo Pissetti, 70, seguiu a carreira militar e se aposentou em 1997 como capitão
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Clima era tenso no quartel do Exército na tarde de 31 de março de 1964
Militares estavam de prontidão, diante da instabilidade política generalizada no Brasil
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