Denominar ruas pode ser visto como uma atribuição de pouca relevância na Câmara de Vereadores. É alvo de várias críticas pelo viés eleitoral embutido em proposições que tratam de homenagens. A utilização política pode ser questionável, mas é indiscutível a importância da regularização e identificação das vias e domicílios para a prestação de serviços e localização de moradores e empresas.
Muitas ruas, inclusive, se enraizaram no cotidiano da população, embora nem sempre os homenageados sejam de amplo conhecimento popular. E é isso que motiva a publicação de uma seção do Pioneiro a partir desta segunda-feira, sempre às segundas, na edição impressa do jornal. O espaço servirá para mostrar quem são os escolhidos para ter seu nome eternizado na cidade.
A proposta do jornal surgiu a partir de um e-mail enviado pelo leitor Cássio Mazzochi Molin, 22 anos, analista de sistemas, em que ele diz que diversas ruas são batizadas com nomes de personalidades históricas, mas, em muitos casos, as pessoas não sabem o que fizeram de importante. Ele sugeriu que o jornal fizesse uma matéria para sanar essas dúvidas.
- Olhando os endereços no Centro, vi que muitas cidades têm nomes de ruas semelhantes. Pensei: o que essas personalidades fizeram de tão importante? Algumas eu sabia, outras eu pesquisei, mas fiquei pensando que outras pessoas também podem ter esta dúvida - conta Cássio, morador de Ana Rech.
O processo para dar nomes às ruas e demais espaços públicos segue o que determina a Lei 5.357, de 5 de abril de 2000, e passa por um trabalho cuidadoso do setor Denominações, pertencente à Secretaria da Câmara de Vereadores. A responsável pelo setor, Eli Pesutto Sartor, destaca que 98% das denominações de logradouros públicos é feito com nomes de pessoas.
Em 2013, foram aprovados 107 projetos de denominações de logradouros e, embora também possam partir do Executivo, 99,9% são oriundos do Legislativo. No ano passado, por exemplo, houve apenas um encaminhamento da prefeitura e foi para dar nome a uma escola. Na Câmara de Vereadores, as denominações das ruas de Caxias passaram a ser feitas a partir de 1948.
Sinimbu, o visconde da área central
- O que é Sinimbu? Foi uma pessoa? - questionou Cássio Mazzochi Molin, no e-mail enviado ao Pioneiro.
Por isso, a denominação de uma das ruas mais movimentadas de Caxias do Sul, localizada bem no coração da cidade, estreia a seção sobre o tema. O nome Sinimbu deve-se à homenagem prestada a João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, nascido em Alagoas, em 20 de novembro de 1810. Os apelidos Cansansão e Sinimbu são provenientes dos nomes do engenho onde foi criado e do rio das proximidades.
Foi presidente das províncias de Alagoas, de 30 de outubro a 3 de novembro de 1838 e de 10 de janeiro a 18 de julho de 1840; Sergipe, de 16 de junho a 1° de julho de 1841; Rio Grande do Sul, de 2 de dezembro de 1852 a 1º de julho de 1855; e Bahia, de 1856 a 1858.
Entrou para o Senado Vitalício. Presidiu o 27º Conselho de Estado, ocasião em que ocupou interinamente alguns ministérios, de 1878 a 1880. Era bacharel em leis pela Faculdade de Olinda e estudou na Europa. Em 1888, recebeu o título de Visconde de Sinimbu. Neste mesmo ano, atacado da doença beribéri, renunciou à presidência do Senado vitalício e encerrou a vida parlamentar. Morreu em 21 de dezembro de 1906. As informações são do Arquivo Histórico João Spadari Adami.
A primeira rua aprovada em 2014
Foto Diogo Sallaberry
A primeira denominação de rua aprovada em 2014 homenageia a professora e empresária Sandra Maria Andrin, que morreu aos 54 anos, no dia 31 de janeiro de 2010, vítima de câncer de mama. A Rua Sandra Maria Andrin fica no bairro Sanvitto, região administrativa Desvio Rizzo. A denominação foi proposta pelo vereador João Carlos Virgili Costa (PDT).
Natural de Cazuza Ferreira, em São Francisco de Paula, Sandra era filha de Francisco Paulo dos Santos e Colory Valim de Lima Santos, ambos professores estaduais. Nasceu em 16 de novembro de 1955. Veio para Caxias em 1967. Estudou durante um ano na Escola Secundária do Alabama (Foley High School) na cidade de Foley, USA.
No retorno ao Brasil, em 1974, trabalhou na empresa Robertshaw do Brasil SA, no setor de exportação, e depois na Fras-le como tradutora. Lecionou na Escola Instituto Michigan, hoje atual Minsky. Em 1985, fundou o Instituto Cultural de Idiomas, que depois tornou-se Yes Cultural.
Sandra levou seus cursos para crianças carentes no Centro Cultural Jardelino Ramos - Casa da Criança, Sociedade Criança Feliz, entre outros. Era casada com Paulo Andrin e teve duas filhas: Alana Cristine e Aline. As informações são da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul.
Passo a passo para a criação de uma rua
::: O vereador entra com ofício para denominar a rua e o protocola. Após, é encaminhado para a Comissão de Desenvolvimento Urbano, Transporte e Habitação (CDUTH). A comissão decide se acolhe.
::: No caso de já ter moradores na rua, é necessário um abaixo-assinado. As assinaturas devem ser buscadas pelo vereador proponente.
::: Depois de passar pela CDUTH, é enviado ofício para a Secretaria Geral da Câmara, ao setor Denominações (responsável por verificar se a via pública está apta a ser denominada), que examina se consta na ata da comissão.
::: O setor Denominações efetua pesquisa técnica na Secretaria Municipal do Planejamento (Seplan), algumas vezes indo até a rua em questão, para verificar se a mesma é codificada, ou seja, identificada como via pública e pode ser denominada. Quando se trata de loteamento novo e regular não é necessária a conferência técnica.
::: É elaborado o projeto de lei de denominação, que é assinado pelo vereador proponente, e protocolado.
::: O projeto vai para a Comissão de Constituição, Justiça e Legislação (CCJL), que deve dar o parecer pela legalidade para seguir a tramitação.
::: A CDUTH pede baixa para o Executivo para ratificar as informações. Após, o processo retorna à Câmara e segue para a CDUTH, que deve dar o parecer de mérito, ficando disponibilizado para entrar em pauta (discussão única).
::: Aprovado o projeto, é elaborado o autógrafo (cópia fiel da lei que será sancionada pelo prefeito). Após ser sancionada, a lei é publicada no Jornal do Município.
::: O setor Denominações envia cópia da lei para o cadastro do ISS, Digeo (Diretoria de Informações Geográficas), Secretaria de Planejamento (Seplan), RGE, Samae, Correios, Defensoria Pública Estadual e Justiça do Trabalho.
Fonte: Arquivo Histórico João Spadari Adami
Algumas curiosidades
::: O projeto da povoação da Colônia Caxias no Campo dos Bugres foi concebido em 6 de dezembro de 1878, enviado ao presidente da província no dia 17 do mesmo mês e aprovado em 10 de janeiro de 1879. Continha oito ruas de Norte a Sul: Vinte de Setembro, Bento Gonçalves, Lafayette, Silveira Martins, Sinimbu, Andrade Pinto, Conde de Porto Alegre e Marcondes de Andrade. De Leste a Oeste, as ruas também eram oito: Andrade Neves, Doutor Salgado, Alfredo Chaves, Leôncio de Carvalho, Marquês do Herval, Villa Bela, Visconde de Pelotas e Garibaldi. Estavam previstas três praças: 5 de Janeiro (a única que se manteve e é a Dante Alighieri), Imperatriz e Pedro Salgado. Não é conhecido o motivo da denominação da praça central como 5 de Janeiro. As informações foram extraídas do livro A formação urbana de Caxias do Sul, de Roberto do Nascimento.
::: Em 1897, o município recebeu terras do Estado e surgiram as ruas Marechal Floriano, Moreira César, Coronel Flores e Feijó Júnior.
::: A Avenida Júlio de Castilhos era conhecida como Rua Grande, por ser a principal e, oficialmente, chamava-se Silveira Martins. A Rua Pinheiro Machado denominava-se Lafayette, enquanto que a Dr. Montaury chamava-se Villa Bela. A Borges de Medeiros era a Leôncio de Carvalho, também tendo sido chamada de Xaxá Pereira. A Rua do Guia Lopes chamava-se Dr. José Thomé Salgado; a Vereador Mário Pezzi era Dr. Edmundo Jobin de Sabóia; a Humberto de Campos era Gauchinha e a Angelina Michielon era Rua Mântua (Itália) e depois Avenida Guarany. A Rua Os 18 do Forte era chamada de Andrade Pinto. As informações são do livro História de Caxias do Sul 1864-1970, de João Spadari Adami.
::: A principal rua de Caxias do Sul passou a ter a denominação Júlio de Castilhos em 1º de março de 1893. Nessa data, o intendente Antônio Xavier da Luz assinou o ato número 1, que alterava o nome da Rua Silveira Martins para Júlio de Castilhos
O que diz a lei
A Lei 5.357, de 5 de abril de 2000, disciplina as denominações de logradouros públicos e próprios municipais
Art. 1° A denominação de logradouros públicos e próprios municipais será objeto de lei de iniciativa dos poderes Executivo e Legislativo.
Art. 2° Os logradouros públicos e próprios municipais terão preferencialmente nome de pessoas falecidas, datas, fatos históricos e outros ligados à vida nacional.
§ 1° Somente após cento e oitenta dias de seu falecimento poderá ser homenageada, para efeitos desta Lei, qualquer pessoa.
§ 2° Em se tratando de denominações com datas e fatos históricos, o processo deverá conter um relato pormenorizado do acontecimento, e no caso do nome de pessoas, dados biográficos e certidão de óbito.
Art. 3° As disposições do parágrafo anterior não alcançam os nomes conhecidos e adotados por órgãos públicos, por longa data, sem que tenham sido oficializados até a presente Lei.
Art. 4° Serão permitidos: nomes, fatos históricos e geográficos estrangeiros com projeção na vida internacional, tendo a Nação motivos para cultuar.
Art. 5° Fica mantida a atual nomenclatura dos logradouros públicos e próprios municipais, só havendo substituição de nomes nas seguintes situações:
I - na duplicidade de nomes;
II - quando uma via pública torna-se prolongamento de outra, prevalecendo a primeira denominação;
III - nos casos já existentes de homenagens à mesma pessoa, quando causar inconveniência aos munícipes.
Art. 6° A denominação de logradouro público não implica na legalização do loteamento irregular em que aquele se situe.
Gente
Nomes de ruas de Caxias do Sul eternizam a trajetória das pessoas
Após sugestão de um leitor, a história das denominações passa a ser contada pelo Pioneiro
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