Após a recente divulgação de vídeos de criminosos exibindo diversas armas, incluindo um fuzil, em redes sociais, a Brigada Militar (BM) reagiu e prendeu três homens e apreendeu um adolescente na tarde desta sexta-feira (20). O grupo pode ser o mesmo que aparece nas imagens em que encapuzados repetem o nome de uma facção e sugerem o fim da "trégua" na guerra pelo tráfico de drogas em Caxias do Sul.
O flagrante aconteceu em duas casas numa área conhecida como Burguinho, no bairro Salgado Filho. Conforme a BM, o grupo estava num ponto de tráfico e, na frente da moradia, havia um Sandero roubado em Porto Alegre e com placas clonadas. Em outra casa nas proximidades, os PMs acharam dois revólveres, uma espingarda calibre .12 e uma metralhadora 9 milímetros, além de drogas, uma máscara e um colete balístico.
– Todos esses fatos têm relação com vídeos que correram no WhatsApp, nesta semana, onde aprecem uns meninos segurando algumas armas de grosso calibre – explica o delegado plantonista da Polícia Civil Ives Trindade.
Os adultos – Luan Rogério de Candido da Silva, 20 anos, Manoel Isaque Silva da Cunha, 18, e Gerson Luiz Hoffmann, 52 anos – foram presos em flagrante com base na Lei de Organização Criminosa e ainda na noite desta sexta seriam encaminhados ao sistema penitenciário. Todos têm passagens policiais: Silva por furto qualificado, posse de entorpecente e corrupção de menores; Cunha por roubo qualificado e associação criminosa; e Hoffmann por vias de fato, ameaça, dano e violência doméstica. O adolescente, que completa 15 anos neste sábado, seria entregue a um responsável.
Não se descarta uma possível relação do grupo com pelo menos um dos assassinatos ocorridos entre a noite de quinta-feira (19) e a madrugada de sexta-feira, em que foram encontrados cartuchos de calibres .12 e de 9 milímetros, os mesmos das armas apreendidas com o grupo nesta noite.
– No veículo, a Brigada encontrou um cartucho deflagrado de calibre .12, que bate com uma das armas apreendidas e alguns lacres plásticos que eles usam para amarrar as vítimas –disse Trindade.
O Sandero foi recolhido e passará por perícia para verificar se há indícios que o liguem a um dos homicídios, segundo o delegado.
Segundo investigadores da Polícia Civil, a divulgação dos vídeos indicaria uma divisão entre os líderes da organização criminosa que foi alvo da Operação Fratelli, em abril de 2017. Percebendo a fragilidade nos rivais, a outra facção decidiu ampliar o seu domínio territorial e espalhou as mensagens como uma forma de "marketing criminoso". Em resposta, as forças policiais se mobilizaram para apreender as armas ostentadas pelos bandidos e evitar uma nova sequência de homicídios. Parte do armamento recolhido nesta sexta-feira aparece nos vídeos da facção.
Nas gravações, três criminosos apresentam diversas armas e fazem ameaças para quem vende drogas ou promove o jogo do bicho na Zona Norte sem a autorização da facção. Em cima de uma cama, aparecem 11 revólveres, quatro espingardas, duas submetralhadoras e até um fuzil. A divulgação é apontada pelo delegado Rodrigo Kegler Duarte como um marketing criminoso.
— Querem demonstrar força e assumir um espaço no "mercado". É algo que já vimos antes. (Os vídeos) mostram o ânimo da facção em um novo confronto. Tivemos acesso ainda no início da semana e estamos atuando para identificar esse braço armado da organização fora do sistema penitenciário — aponta o chefe da Delegacia de Homicídios.
A inquietação entre as facções já havia sido apontada pela Polícia Civil no início do mês, quando três homens foram assassinados em menos de 24 horas. Os assassinos registraram um dos crimes em vídeo e outra execução foi seguida de incêndio — situações características das disputas pelo domínio da venda de drogas e que elevou o número de homicídios nos últimos três anos.
— Parece que estamos na iminência de uma beligerância entre essas facções. Esses vídeos são para causar um efeito futuro, mas não descartamos que alguma dessas armas tenha sido empregada em outros homicídios — aponta o delegado Duarte, lembrando que um fuzil foi utilizado em um assassinato recente em Bento Gonçalves
Vídeos não são uma novidade, mas preocupam
No entendimento das lideranças policiais, vídeos de criminosos armados não são algo incomum para Caxias do Sul e não deveriam afetar a sensação de segurança da comunidade. Ainda assim, a Brigada Militar (BM) reforçou o patrulhamento na Zona Norte e a investigação das imagens é tratada como prioridade pela Polícia Civil.
— Com certa frequência, vemos vídeos semelhantes. Não chega a ser uma novidade, mas, sempre que surge, aumentamos atenção e fazemos um patrulhamento maior na anunciada Zona Norte, que é onde supostamente estão divulgando o vídeo. É aumentar o trabalho normal — afirma o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM).
— É uma intimidação ao outro grupo criminoso, mas tem o efeito inverso porque atrai a polícia — corrobora o delegado Adriano Linhares, da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco).
Sobre o poder de fogo demonstrado pela facção nos vídeos, o delegado Linhares aponta que não chega a ser algo incomum. O chefe da Draco lembra que, em julho, um fuzil calibre 7,62 foi apreendido com outras oito armas em um curral de Alto Feliz, município de 3 mil habitantes no Vale do Caí.
— Há uma facilidade em se adquirir. Esses dias ouvimos de uma apreensão de 12 em Pelotas. Um fuzil ou outro sempre existe por aí. Se tem dinheiro, tem como conseguir. Agora, é nossa prioridade recolher essa arma— afirma Linhares.
Polícia Civil de Canela não percebe vídeo como uma ameaça
Em um dos vídeos, os criminosos também fazem ameaças contra rivais de Canela. A facção de Caxias do Sul estaria apoiando um traficante local, o que não chega a ser uma novidade. Muitas dessas relações surgem durante transferências de detentos, medida comum com a falta de vagas nos presídios.
— Algum representante daqui pode estar lá e quer ganhar espaço. Já vimos esse tipo de elo com Bento Gonçalves, São Marcos e Farroupilha. Infelizmente, está tudo interligado — aponta o delegado Duarte.
As ameaças, contudo, não preocupam à Polícia Civil da Região das Hortênsias. O delegado Vladimir Medeiros afirma que não existem fatos e por isso não há um inquérito instaurado.
— Não temos nenhuma confirmação de que sejam vídeos recentes ou relativos à Canela. Os nossos criminosos sempre foram os mesmos. Eles têm vínculos com criminosos de fora para aquisição de armas e drogas e, por vezes, trazem alguém para que cometer crimes por aqui. Mas, sempre conseguimos identificar e evitar que novos grupos se instalem na cidade. Os que aparecem são logo identificados e presos — resume Medeiros.