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As três indicações para o Oscar, depois de um Globo de Ouro de Fernanda Torres, fazem de Ainda Estou Aqui o filme brasileiro de maior reconhecimento internacional e isso tem uma importância política que transcende a euforia pelo sucesso nas telas. Em um momento de exaltação à ditadura por parte de extremistas que ignoram o que foram os Anos de Chumbo, é importante mostrar ao mundo essa página infeliz da nossa história. A história de Eunice Paiva — e de toda a família do deputado Rubens Paiva — é só um recorte da história maior, que precisaria de uma série de várias temporadas para ser contada.
Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva está tendo o reconhecimento mundial que Patrícia Pillar deveria ter tido quando encarnou Zuzu Angel no filme de Sérgio Rezende. Zuzu Angel também foi o recorte de um episódio com vários pontos em comum com o enredo de Ainda Estou Aqui.
Eunice e Zuzu tinham uma vida confortável no Rio de Janeiro de antes do golpe militar. Eunice era dona de casa, esposa de um deputado, mãe dedicada à escadinha de filhos. Zuzu, estilista reconhecida, casada com um diplomata norte-americano, teve um filho, Stuart Angel Jones, roubado de sua vida tal qual ocorrera com Rubens Paiva.
Stuart era um dos tantos meninos recém-saídos da adolescência que não gostava do regime militar e ousava ir para a rua protestar contra os desmandos. Envolveu-se com organizações clandestinas que combatiam a ditadura, foi capturado e desapareceu nos porões do regime. O filme estrelado por Patrícia Pillar no papel-título mostra a luta dessa mulher obstinada em busca de notícias do filho. Quando percebe que nunca mais terá Stuart nos braços, Zuzu usa a moda para mostrar ao mundo, a partir dos Estados Unidos, as atrocidades da ditadura no Brasil.
Zuzu não viveu o suficiente para morrer de Alzheimer. Jovem ainda, morreu em um acidente de trânsito com todas as características de atentado terrorista, na avenida que liga a Zona Sul do Rio de Janeiro à Barra da Tijuca. O corpo de Stuart, assim como o de Rubens Paiva, nunca foi encontrado.
Uma semana antes de morrer, sabendo que estava sendo perseguida, Zuzu deixou uma carta na casa do cantor Chico Buarque, dizendo: “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho". O acidente (atentado) ocorreu na madrugada de 14 de abril de 1976, na Estrada da Gávea.
Foi para ela que Chico compôs Angélica, a canção que você precisa ouvir pensando na mãe em em busca do filho “que vive na escuridão do mar”.
A coluna já sugeriu que Ainda Estou Aqui seja exibido nas escolas públicas e particulares de todo o Brasil. Agora, mais do que nunca, reforça a sugestão e acrescenta Zuzu Angel na lista que deveria incluir O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias e Pra Frente, Brasil.