Provavelmente se você fizer um esforço irá lembrar do que estava fazendo no dia 11 de março de 2020, a data em que nossas vidas giraram 180º e, desde então, são 600 dias (que serão completados segunda-feira, dia 1º de novembro) em que o coronavírus não permite que retornemos à normalidade. Nesse período, já tivemos isolamento, retomada, a primeira onda de casos, vacina, a terrível segunda onda, que arrastou milhares de vidas, novos isolamentos, teletrabalho e milhares de vidas perdidas. Complicado até listar os principais acontecimentos, ainda mais difícil contar como foi a rotina de quem estava no front de batalha, os hospitais.
— Foi completamente diferente, tanto de gravidade, como de intensidade. Cheguei a fazer 12 plantões em 15 dias, tive três noites que fiquei em casa, no auge da pandemia. Virava das 8h às 8h. Isso não foi só comigo — relata Roger Weingartner, médico intensivista.
Ele trabalha em UTI há quase 30 anos e desde a faculdade já sabe os procedimentos para entubar um paciente. Nessa pandemia, perdeu as contas de quantas vezes realizou o procedimento. Ainda pior, Weingartner permaneceu seis meses ininterruptos sem folga, dentro do hospital e mal sabia quando era dia ou noite.
— Já sendo um médico experiente, com quase 30 anos de profissão, nunca pensei em algo assim. A pandemia H1N1, que muitos quiseram fazer comparação, não chegou nem perto. Ali não durou um mês, não tivemos que fazer grandes adaptações e nunca foram abertos leitos de UTI. Com a covid, o hospital teve que se reinventar, as equipes tiveram que se reinventar, adaptar às novas rotinas e muito café preto (risos) — conta.
O momento já permite brincadeiras, afinal o hospital está perto de um fluxo normal. O Complexo da Unimed agora possui 20 vagas para UTI covid, tendo 50% de ocupação. Bem longe do que ocorreu em março, quando a instituição chegou ter 80 leitos dedicados a pacientes críticos da infecção, refez equipes e teve que improvisar leitos. Weingartner relata que, nos piores momentos, o hospital abriu 10 novos leitos e eles foram todos ocupados em menos de 12 horas. Até mesmo a ala de observação pediátrica foi transformada em UTI covid.
— Virou automático. Teve uma tarde que foram três (entubações), além de ajudar outros colegas. Quando abrimos UTIs, tivemos de recrutar colegas que não eram intensivistas. Os serviços mais técnicos couberam à equipe principal. Para eles era uma coisa nova, a entubação não é do dia a dia deles. Os procedimentos invasivos era a equipe principal que fazia — lembra o médico.
São momentos que ficam de aprendizado. Com a vacinação ampliada e chegando a todos os públicos, o médico tem a certeza que esses cenários caóticos não irão mais se repetir. A pandemia talvez não tenha um fim, mas poderá ser controlada. E que a gente possa viver novos momentos daqui para a frente.
Hospital virou segunda casa por meses
A rotina na casa de Weingartner foi totalmente alterada nesse período, assim como da esposa Marlise Heckler, pneumologista e intensivista. O Hospital Unimed foi a casa dos dois por boa parte do período de pandemia. Afinal, ele não teve um dia de folga entre novembro de 2020 e maio de 2021. Seis meses de uma rotina difícil, intensa e de muito trabalho.
— Eu vim sábado, domingo, Natal e Ano Novo. Minha casa era aqui dentro. Passava mais do que 12 horas por dia no hospital _ relembra o médico, que também viu a rotina do casal mudar completamente. _ A gente estava todos os dias aqui. Brincávamos que éramos o único casal que jantava fora de casa durante a pandemia. Afinal, ela almoçava e jantava aqui, também absorvida por essa rotina.
Nos últimos 30 dias, a rotina começou a ser alterada. Com a redução gradativa no número de pacientes, as equipes começaram a respirar e conseguir retomar as atividades externas. Corredor de rua, Weingartner está retomando os treinamentos, sorri ao lembrar que já conseguiu passar até um fim de semana de folga em Gramado e já tem um olho em janeiro.
— Férias organizadas para janeiro. Eu era viciado em corridas. Abandonei completamente, não tinha como dar conta. No horário em que chegava em casa, queria fechar os olhos. Agora, devagar, tento voltar àquilo que era normal. As pessoas que trabalham em UTIs estão buscando a saúde agora. Eu não visitei meus pais nesse período todo — encerra.