Mal entramos na primavera e os pequenos produtores rurais estão temendo pelo verão que está por vir. É que a notícia de que o clima está sob a interferência do La Niña não é boa para a maioria das culturas. O fenômeno causa baixo volume de chuva, ou seja, traz consigo o pesadelo da estiagem. Algo que ainda está fresco na memória dos agricultores da região. Foram meses sem precipitações consideráveis no início deste ano. Recentemente, não chovia forte desde meados de setembro, até a chuva que atingiu a região nesta segunda-feira. E a previsão não é animadora, pelo menos até o final do ano. Por não poderem contar sempre com o clima, a Emater alerta para medidas que podem minimizar os efeitos da estiagem tanto na produção como no consumo humano e dos animais.
Entre as alternativas, estão o manejo do solo, a implementação de sistema de irrigação, a construção de cisternas para juntar água da chuva e a abertura de poços e de açudes. Essas medidas podem ser adotadas pelos próprios produtores, algumas com mais outras com menos investimento. Elas também são ofertadas pelo Estado de forma permanente ou por meio de programas voltados aos municípios que tiveram a situação de emergência homologada pelo governo gaúcho em função da última estiagem.
Uma das iniciativas está em andamento e já beneficiou moradores da região. A família de Eliseu Russi, 28 anos, trabalha com gado leiteiro em Fagundes Varela. O longo período sem chuva no início deste ano fez com que a pastagem secasse e o custo com a produção aumentasse 10%, já que foi preciso repor a alimentação que o gado não encontrava no campo. Quando viu a oportunidade de se inscrever no programa do governo do Estado de construção de açudes (Programa de Apoio e Ampliação da Infraestrutura Rural), Eliseu não hesitou.
– Fiquei sabendo desse projeto e me inscrevi. Esse açude é para futuramente fazer uma irrigação na pastagem na época que escasseia a água, no verão, e assim ter pastagem o ano inteiro. As vezes, a gente fica dependente de fornecer comida só no cocho porque não consegue produzir pastagem por falta de chuva – explica Eliseu.
O açude não poderá ser usado imediatamente, pois precisa de três meses para estabilizar o terreno, mas o fim do período de espera deve coincidir com a volta da chuva prevista para janeiro. Aí, a família vai poder represar 2,1 mil metros cúbicos de água no reservatório.
80 açudes em oito cidades da região
De acordo com o escritório municipal da Emater de Fagundes Varela, as perdas na última safra foram de R$ 14,3 milhões. A cidade teve o decreto de emergência homologado pelo governo estadual e está entre as beneficiadas com a abertura de açudes.
– Aqui temos bastante videiras, pastagens e grãos. Para a próxima safra, vamos ter e poder utilizar os açudes. Mas a irrigação e a reserva de água nas propriedades ainda são pouco utilizadas. O agricultor tem que pensar que reservar água ou que a irrigação é como um insumo, porque é uma garantia. Às vezes, tu tens a melhor semente, prepara o solo, cultiva e uma estiagem pode comprometer toda a produção. É algo a se trabalhar muito ainda, para que a maioria tenha acesso e faça uso dessa tecnologia – ponderou a engenheira agrônoma da Emater de Fagundes Varela, Taciana Marchesini.
Nessa etapa, outras sete cidades foram contempladas pelo programa na região nordeste do Estado: André da Rocha, Bom Jesus, Guabijú, Guaporé, Paraí, Pinhal da Serra e São Marcos. Em cada município, foram atendidas 10 propriedades, no total de 80 açudes. O trabalho é executado por empresas contratadas pelo Estado por meio de licitação.
Em Caxias, ainda não falta água
Apesar dos baixos volumes registrados em setembro e outubro, segundo o secretário de Agricultura, Valmir Susin, Caxias, neste momento, não tem problema de falta de água.
– Se continuar a estiagem, a parte de hortifrutigranjeiros que não tem irrigação terá problema. O pessoal está preocupado também com o plantio de milho e soja, esperando uma chuva para plantar. E, se acontecer, de ter que atender as famílias com água potável, estamos preparados. Já recuperamos muitas vertentes e estamos trabalhando nisso. O ideal é que as pessoas coloquem reservatórios para juntar água das vertentes – comentou o secretário.
Na última estiagem, foram instaladas 80 caixas d'água em parceria com o Serviço Municipal de Água e Esgoto (Samae) que beneficiaram 150 famílias do interior. A prefeitura diz que, se for preciso, vai ampliar o número de caixas.
– Vamos nos prevenir, talvez, na compra desses reservatórios para não ser pegos de surpresa como no início deste ano – declarou Susin.
Apesar de Caxias não estar na lista dos municípios que, inicialmente, foram incluídos nos programas do Estado, o secretário garantiu que uma comunidade do distrito de Santa Lúcia do Piaí será beneficiada com a perfuração de um poço por parte do governo estadual.
A reportagem conversou com alguns produtores que chegaram a ficar sem água para beber no início deste ano. Eles disseram que, atualmente, as vertentes estão com bom volume.
O fruticultor Sandro Luis Finn, do distrito de Vila Cristina, teme que falte água justamente na fase mais importante de desenvolvimento do fruto, em dezembro. Ele conta que o nível do riacho perto da propriedade já está um pouco abaixo do normal para essa época do ano.
– Estamos estranhando o espaço prolongado entre as chuvas, gerando uma grande preocupação com a estiagem. Como está no início da brotação de figo e goiaba, não se nota agora a falta de água. Mas, estou com muito medo de termos uma seca pior do que a do início do ano – relatou.
Para ter mais tranquilidade no futuro, ele pretende dar início ao processo de irrigação.
– O custo é alto tanto para implantar como o combustível ou eletricidade. Se contar tudo, 350 pés de goiaba e 800 pés de figo são R$ 8 mil em mangueiras e microaspersores e R$ 10 mil em motor e canos e filtros. E um gasto de R$ 150 semanalmente de combustível. Mas todo investimento não adianta de nada se não tiver água – comentou, referindo que no ano passado o riacho só tinha água para duas horas diárias de irrigação.
Medidas que podem minimizar a falta de chuva
Características dessa época do ano, as altas temperaturas fazem com que a evaporação aumente, ou seja, a planta perde mais água na primavera e no verão. Esse comportamento natural somado à estiagem causada pelo La Niña agrava a situação nas lavouras e pastagens. Para o engenheiro agrônomo João Villa, da Emater Regional, a antecedência com que são feitos os anúncios dos fenômenos climáticos não é suficiente para que os produtores se previnam, eles precisam estar sempre preparados. Mas essa não é a realidade na Serra, Campos de Cima da Serra e Hortênsias. Segundo Villa, são poucas as áreas de grãos irrigadas na região. A maioria depende somente da chuva e acaba tendo grande prejuízo quando ela não vem.
Algumas medidas podem ser adotadas para reverter esse cenário, como plantio escalonado das culturas anuais. No caso dos grãos, o milho, por exemplo, pode ser semeado até o final do ano. A soja tem janela de plantio mais curta, de agora até 10 de dezembro, mas também é possível o escalonamento com intervalo de alguns dias entre um e outro plantio.
– Agora teria o plantio da soja, mas o pessoal não está plantando em função de estar muito seco. Aí, começa a atrasar o plantio. O milho, a maior parte já foi plantada, até teve boa condição para germinação, só que agora, na fase de desenvolvimento inicial, está faltando chuva. Mas a fase mais crítica será a da floração – explica o agrônomo.
O manejo do solo também contribui para que o terreno consiga reservar mais água.
– No inverno, se produz aveia ou azevém para que a palha delas fique sobre o solo, deixando-o coberto e protegido. Isso vale tanto para grãos como para fruticultura – indica Villa.
A reserva de água é uma importante medida tanto para aumento de produção quanto para consumo humano, dos animais e para a irrigação em épocas de estiagem.
– A irrigação é uma prática não tão comum porque muitas vezes os produtores consideram caro o investimento. Temos práticas de reservação de água por meio da construção de pequenos reservatórios (açudes) e cisternas e o trabalho de irrigação como ferramenta de tecnologia de produção, visando aumentar a produtividade e, também, como segurança para os períodos em que há falta água em decorrência da estiagem. Mas não vamos combater seca quando a seca já chegou. Tem que ser trabalhada de forma contínua – pontua a engenheira florestal Adelaide Juvena Kegler Ramos, da Emater Regional.
Para construir um açude para irrigação, o produtor deve procurar orientação no escritório da Emater do município. O Estado tem um programa permanente de fomento e a Emater elabora o projeto e presta a assistência.
Os programas
Programa Mais Água, Mais Renda
:: Permanente para produtores gaúchos que tem objetivo de incentivar expansão das áreas irrigadas no Estado.
:: Informações no site agricultura.rs.gov.br
Programa de Apoio e Ampliação da Infraestrutura Rural
:: Voltado aos municípios que tiveram situação de emergência homologada em função da estiagem do início do ano.
:: Construção de 1.020 microaçudes em 120 municípios no Estado. Na região nordeste do RS, são 10 açudes em cada uma das oito cidades _ André da Rocha, Bom Jesus, Fagundes Varela, Guabijú, Guaporé, Paraí, Pinhal da Serra e São Marcos.
Perfuração de poços subterrâneos
::Voltado aos municípios que tiveram situação de emergência homologada em função da estiagem do início do ano.
:: Treze municípios na região contemplados com um poço cada, mas que beneficia várias famílias com água para consumo humano: André da Rocha, Antônio Prado, Boa Vista do Sul, Campestre da Serra, Coronel Pilar, Guabijú, Montauri, Nova Araçá, Nova Bassano, Paraí, Santa Tereza, São Jorge, Vista Alegre do Prata.
La Niña estará ativo até o final do ano
O La Niña está ativo desde o final do inverno e a tendência é que ele seja clássico ou canônico nesta primavera. Isso resulta em chuvas abaixo da média e estiagem regionalizada no Rio Grande do Sul, como na metade sul do Brasil.
No gráfico ao lado, a faixa amarela mostra as regiões onde a chuva está abaixo do normal, o que abrange todo o Sul do país e parte de outras regiões.
– Chuva acima da média e um pouco mais frequente somente em janeiro, o que vai aliviar um pouco a situação. Mas, de maneira geral, tanto a primavera quanto o verão terão chuvas abaixo da média. Na primavera, a situação é mais crítica, pois a La Niña vai chegar a ser de intensidade forte no final desta primavera e início do verão – explica a meteorologista do Somar, Fabiene Casamento.
A boa notícia é que o fenômeno será de curta duração. Deve enfraquecer no decorrer do verão. E a tendência é ficar neutro no ano que vem, a partir de junho. Então, a seca não será tão duradoura, se comparada com o ano passado.
_ Até tem chuva no Rio Grande do Sul neste mês e em novembro, mas não é suficiente para atingir ou passar da média climatológica. Há risco de estiagem regionalizada pelo Estado e até mesmo em Caxias do Sul – adverte a meteorologista.