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O setor gastronômico é um dos mais afetados pela pandemia de coronavírus em Caxias do Sul. O movimento que reduziu desde o começo dos casos de covid-19 caiu ainda mais nas duas vezes em que a cidade precisou cumprir as normas da bandeira vermelha. Pelo atual modelo, que segue ao menos até a terça-feira (21), os estabelecimentos não podem servir refeições no local — o governo do Estado anuncia nesta sexta-feira (17) se a região permanecerá na bandeira vermelha ou retornará para a bandeira laranja.
A permissão é somente para telentrega e sistema pegue e leve, sendo que o cliente recebe a refeição de um funcionário para levar para casa ou trabalho. Além de enfrentar a crise financeira, proprietários reclamam de donos de restaurantes que não cumprem as regras estabelecidas pelo governo do Estado.
Nos restaurantes visitados pela reportagem nesta sexta-feira (17), a situação é a mesma: há prejuízos consideráveis desde março. Diante desse cenário, a capacidade de adaptação e a procura por novos formatos de atendimento são testadas mais uma vez para que os estabelecimentos continuem de portas abertas.
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Enquanto alguns amargam perdas ainda maiores na bandeira vermelha, outros empreendedores amenizaram a crise com a entrega de viandas porque não precisam montar o bufê, caso do Atrium Grill. Perto do caixa, uma corrente e um aviso de que não é possível almoçar no espaço. Localizado na Avenida Júlio de Castilhos, no Centro, o restaurante servia, antes da pandemia, uma média de 330 a 350 refeições por dia. Durante a bandeira laranja, eram 90 pratos diariamente. Já com a vermelha, o número de viandas servidas passou para 115 por dia. Para ele, não há muito o que fazer: é preciso aproveitar as oportunidades para reduzir as perdas:
— Não tem como fazer mágica. A tele ajuda a amenizar, mas essa é a realidade agora. Por incrível que pareça, com a bandeira vermelha conseguimos amargar menos prejuízo porque abrimos ao meio dia e à noite. Com as viandas tem a vantagem de não precisar abrir o bufê. Sai caro montar o nosso bufê com uma variedade de 30 pratos para atender um número bem menor de clientes, e temos que manter parte da equipe para esse atendimento. Quando estivermos na bandeira laranja precisamos servir para não perder o cliente, porque muitos não gostam de não comer no restaurante — relata o proprietário Carlos Palma Silva 38 anos.
A reportagem constatou que Silva tem razão. No momento da entrevista, um cliente perguntou se podia almoçar no espaço. Com a negativa diante das regras mais rígidas de distanciamento, ele optou por procurar outro restaurante.
Essa também é uma das maiores queixas de Rafael Erlo, 30. Ele é um dos proprietários do Del Grappa, na Avenida Rio Branco, bairro São Pelegrino.
— Nosso movimento reduziu em 90%. Com a bandeira vermelha é ainda pior. Servimos em torno de 20 viandas por dia porque muitos clientes não gostam de ser servidos ou de levar o almoço para fazer a refeição em outro lugar. A situação está bem difícil e o que nos deixa preocupados é não saber quando vai passar.
Para evitar desperdícios, o restaurante reduziu a quantidade de comida no bufê. O arroz, por exemplo, fica quase pronto para o caso de precisarem fazer mais. As medidas permitem realocar pratos e evitar perdas. As frutas e verduras ficam armazenadas em câmaras frias e podem ser repostas na hora.
Erlo lamenta não ter apostado antes em aplicativos para driblar a crise:
— Começamos depois da pandemia com as entregas porque não tínhamos noção de como seria e de quantas restrições seriam impostas. Acredito que se tivesse começado antes, conseguiríamos ter resultados melhores agora — pondera Erlo.
Comida no lixo
Em um restaurante no bairro São José a comida acaba indo parar no lixo. O dono prefere não se identificar, mas se queixa da situação:
— Perdemos 60% do movimento e sai bem pouca vianda agora com a bandeira vermelha. Acabamos perdendo comida porque não podemos doar com as instituições fechadas, então acaba indo fora. Antes da pandemia servíamos 200 refeições por dia e agora no máximo 60 viandas diárias — lamenta ele.
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No restaurante Talharim, na Moreira César, o movimentou caiu desde o começo do distanciamento social. Os proprietários Valderez Formolo, 60, e Renilo Erlo, 54 serviam cerca de 450 refeições diárias antes da pandemia. Nos finais de semana chegavam a servir 700 almoços.
— O número caiu de 80 a 85%. Hoje servimos em um dia bom 90 pratos. Cada dia é um dia. Com as restrições da bandeira vermelha temos clientes que compram a vianda e ficam no estacionamento para fazer a refeição dentro do carro. Eles nos pedem para almoçar aqui que as mesas estão distantes, mas não podemos abrir exceções e temos que cumprir as regras — ressalta Formolo.
Ele diz ainda que a casa está cumprindo as regras, mas nem todos os restaurantes fazem o mesmo, já que sabem que há estabelecimentos servindo os clientes nas mesas. Por isso, Formolo questiona o papel da fiscalização.
— Estamos nos adequando e fazendo tudo direitinho, mas o que vale para um tem que ser cumprido por todos. Sabemos que há restaurantes recebendo os clientes, e que não há fiscalização. Se há uma regra tem que ser cumprida por todos. Temos que acreditar que vai passar. Que Deus nos ilumine e possamos voltar a uma certa normalidade. Vamos ter fé e persistir — desabafa ele.
Nas duas vezes em que Caxias esteve na bandeira vermelha, Erlo conta que acabaram perdendo frutas e verduras. Mas, na maioria das vezes, conseguem reverter o desperdício e controlam o que sobra, uma vez que são os próprios sócios que cozinham.
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Telentrega é uma das alternativas
No Restaurante Rech, o diferencial fica por conta da especialidade da casa: peixes e frutos do mar. Desde o final da década de 1950, a família Rech, atende no mesmo endereço no bairro Rio Branco. Para driblar as dificuldades da pandemia, uma das alternativas é a telentrega.
— Antes da bandeira vermelha estávamos servindo umas 20 refeições por semana. Agora não atendemos ninguém no restaurante. Estamos fazendo entregas nessa semana. O pessoal nos liga e encomenda os pratos e o aplicativo também ajuda a amenizar as perdas. Uma coisa é certa, o movimento com bandeira laranja ou vermelha é o mesmo, está ruim. A vermelha não piora, apenas segue igual — aponta o proprietário Nelson Luiz Rech, 63.
Para ele, os pontos fortes são o fato de o restaurante ser familiar, de ter conseguido manter os funcionários e ter credibilidade no mercado.
— Somos reconhecidos por nossa especialidade que são os frutos do mar e estamos há tempos no mercado. Com as entregamos amenizamos as perdas. Temos embalagens descartáveis para serem usadas micro-ondas e não cobramos a entrega. Tem que se reinventar — finaliza ele.
PORTAS FECHADAS
Não há dados oficiais, mas a estimativa do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (Segh) é de que pelo menos 20 restaurantes fecharam nos últimos meses em Caxias. Empreendimentos consolidados e com décadas de atuação, como Marianinha, Vivacce e Colina Grill, não resistiram e serviram, nas últimas semanas, as últimas refeições.