A pandemia causada pelo novo coronavírus, assim como outros setores da economia, atingiu em cheio a educação privada no país. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Semesp, que reúne mantenedoras de estabelecimentos de Ensino Superior no país, fez um recorte nesse setor tendo como base uma amostra de 186 instituições particulares. A pesquisa apontou que o percentual de inadimplência que era de 14,9% em abril de 2019 passou a 25,5% no mesmo mês deste ano, um aumento de 71,1%. Já o índice de evasão subiu 11,5% comparando abril de 2020, que teve percentual de 4,3%, com o mesmo período do ano passado, quando era 3,8%.
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O Sindicato do Ensino Privado (Sinepe) do Rio Grande do Sul não apresentou dados, mas sim uma percepção que tem sobre o impacto no setor. Segundo o presidente da entidade, Bruno Eizerik, o número mais significativo de evasão no Estado está nas escolinhas e creches e nas universidades:
– No ensino Fundamental e Médio está um pouco acima do que já ocorria, mas a evasão aumentou muito na Educação Infantil e no Ensino Superior, que é onde estamos sentindo os maiores efeitos, com certeza.
Na tentativa de conter o avanço desses fenômenos, o Sinepe acredita na negociação das instituições diretamente com os pais ou alunos das universidades. Na região, sem entrar em detalhes, o Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG), por meio de nota, informou que também sente o impacto desses fenômenos e que adotou soluções para minimizá-los frente aos alunos, de forma que possam dar continuidade aos estudos, como parcelamento das mensalidades. Além disso, oferta programa de crédito educativo, com juros arcados pela instituição e programa de auxílio desemprego, com condições especiais para essa situação. Procurada pela reportagem, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) disse que vai "esperar os próximos dias para se manifestar sobre o assunto".
Mesmo a Educação Infantil, que tinha orientação inicial de manter a cobrança pelo serviço, quando as atividades tiveram de ser paralisadas por decreto estadual e municipal, em 19 de março, passaram a praticar descontos superiores a 30%, conforme o Sindicato das Instituições Pré Escolares Particulares de Caxias do Sul (Sinpré). Porém, mesmo com as negociações, o sistema está prestes a entrar em colapso na cidade, alerta a entidade. Isso porque a inadimplência está em torno de 25% a 35% e o cancelamento de contratos entre 30% e 40%, diz a entidade. Este último, principalmente, na faixa etária de zero a três anos, quando a escolarização não é obrigatória.
Opção pelas vagas públicas
Segundo a presidente do Sinpré, Christiane Welter Pereira, a evasão tem ocorrido mesmo nos casos em que é obrigatório que os pais mantenham os filhos na escola.
– O que as colegas estão reproduzindo é que os pais não têm condições, que estão cancelando as matrículas e que, quando tudo isso (pandemia) terminar, vão procurar vaga pública. A Educação Infantil no município de Caxias do Sul está entrando em colapso. O que vai acontecer é que se a lista de espera da Smed (Secretaria Municipal de Educação) já é grande, ela vai triplicar, porque os pais vão acabar recorrendo à vaga pública – contou a dirigente.
Este é o caso da Michele Bonato, 36 anos, que, há alguns dias, solicitou a rescisão do contrato com a escola particular em que o filho Vicente, 6 anos, estuda no 1º ano do Ensino Fundamental. Ela pediu à Central de Vagas uma colocação em escola pública. Michele é fisioterapeuta e o marido, Rodrigo Pandolfo, 39, trabalha no setor administrativo de uma empresa. O casal viu a renda despencar com a chegada da pandemia e mesmo com o desconto de 20% ofertado pela instituição, a mensalidade de R$ 720 pesou no orçamento doméstico.
– Mesmo que volte as aulas, não tenho intuito de mandar ele (Vicente) pela questão de segurança da saúde. Não tem tratamento (para a covid-19) e expor a criança a uma possibilidade de contrair o vírus... Acredito que não vai voltar aula presencial no auge do inverno. Eu tenho esse ano como perdido – ponderou a mãe, referindo que o filho está tendo aulas online, mas que é muito difícil manter uma criança quatro horas por dia em frente ao computador para receber os conteúdos, então, ela seguirá ensinando Vicente em casa.
Atualmente, a prefeitura já compra vagas na rede particular para atender a 44% do total de alunos da Educação Infantil (quatro mil das nove mil crianças). Resta saber se o município terá saúde financeira para aumentar essa compra de vagas.
Danúbia Boeira dos Santos Verza, 34 anos, e o marido Maicon Verza, 39, também tiraram a filha Maria Júlia, 4 anos, da escola privada onde fazia o pré, mas eles vivem situação diferente.
– Não valia a pena pagar R$ 770 de mensalidade pelo planejamento de aula que estava recebendo para ela pelo WhatsApp. Recebia na segunda-feira para semana toda. Disse a eles (escola) que na medida que retomassem as aulas, colocaria ela de novo. Mas não tem garantia de vaga. Eu pretendo nem colocá-la mais neste ano. Só no ano que vem – relatou a mãe.
No caso das crianças a partir da pré-escola, entre quatro e cinco anos, os pais precisam informar a nova escola para conseguir romper o contrato. Agora, o que está ocorrendo é que muitos pais estão cancelando a prestação de serviço sem ter uma nova escola para indicar, ou seja, fica pendente esse documento da próxima instituição.
Sobre os pais optarem por manter a criança em casa mesmo com retorno das aulas presenciais, ainda não há uma resposta segundo o Sinpré. Pela legislação, há obrigatoriedade de 60% de frequência da carga horária, mas diante do cenário atual, é uma questão indefinida.
Em efeito cascata, cadeia que envolve o setor está sendo atingida
Os sindicatos que representam a categoria patronal e dos empregados do setor apontam para um efeito cascata em vários setores da cadeia que gira em torno do ensino privado, como a demissão de professores, desligamento de profissionais terceirizados da educação, alimentação e segurança, redução na demanda do transporte escolar e na produção de uniformes, por exemplo.
A presidente do Sinpré, Christiane Welter Pereira, se mostra ainda mais preocupada com o final do prazo da medida provisória (MP) que permite suspensão de contrato de trabalhadores ou redução de salários. Segundo ela, as escolas não terão condições de pagar os funcionários caso as aulas não sejam retomadas em 1º de julho, como é previsto pelo governo do Estado.
De acordo com dados do Sinpré, no início da pandemia eram 1,5 mil profissionais diretos, entre educadores, cozinheiros, higienização, e outros 600 indiretos, que são aqueles terceirizados em funções como educadores físicos, professores de balé, teatro, música, psicólogo, nutricionista e etc.
– Estamos muito preocupados porque nosso setor vai sofrer uma redução muito drástica de número de escolas abertas, número de profissionais e crianças atendidas, e isso vai impactar diretamente no município porque ele vai ter que dar conta dessa demanda. Não conseguimos vislumbrar um cenário positivo. A retomada será muito difícil financeiramente – alertou Christiane.
Existem 178 escolas de Educação Infantil habilitadas para funcionar em Caxias. Pelo menos uma já anunciou em rede social o encerramento das atividades. Christiane acredita que outras fecharão até o final do ano. Mesma opinião tem o presidente do Sindicato dos Empregados em Entidades, Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional de Caxias do Sul (Senalba), Claiton Melo. Ele diz que cerca de 20 escolas já vinham com dificuldades de manter as contas em dia, mesmo antes da interrupção das atividades.
– Era uma série de fatores que estava levando à insolvência, levando a empresa a não ter condições de se manter. Então, era aquele falso emprego, onde o trabalhador estava empregado, mas seus direitos não estavam sendo pagos. A escola estava postergando o fechamento. Uma parcela dessas empresas fez a suspensão dos contratos de forma errada e os funcionários não receberam até agora e ainda vão entrar na etapa de redução de salário, mas a escola não vai conseguir pagar a parcela que cabe à empresa – relata Melo, referindo um cenário de incertezas que vivem os profissionais do setor.
Além disso, conforme o Senalba, houveram demissões em maio e haverão mais em junho, mas muitos não receberam o valor das rescisões, e também teve aqueles que optaram por deixar o emprego para, pelo menos, receber a quantia do seguro desemprego. No total, Melo projeta 400 desligamentos até julho. Em torno de 250 deles ainda estão sendo mantidos para que os profissionais consigam ter alguma renda com a suspensão durante esse período, mas eles devem ser demitidos quando as atividades forem retomadas.
Sem salário, Adriana pediu desligamento
Adriana Weiler, 24 anos, foi uma das educadoras que pediu demissão. Isso ocorreu no início de maio. Ela estava sem receber o salário desde que as aulas foram suspensas, em meados de março, e resolveu voltar para a cidade dos pais. Acabou recebendo o que a empresa lhe devia apenas há alguns dias.
– Não tinha previsão de quando íamos retomar as atividades. Meu medo foi que nem retornássemos e que eu acabaria ficando desempregada. Então, antes que isso acontecesse, tive essa essa ideia de voltar para casa – contou a professora.
Com o dinheiro de economias, o casal pagou o aluguel da casa onde morava e decidiu recomeçar. Ela passou a vender acessórios para não deixar de ter uma renda até ter uma resposta sobre novo emprego e o marido trabalha na empresa do pai dela.
A presidente do Sinpré alerta para outro efeito da paralisação das atividades das escolinhas: o crescente número de mães crecheiras, como são chamadas as mulheres que acabam exercendo esse trabalho de cuidadora de crianças de famílias que precisam trabalhar. Um levantamento feito pelo Sinpré junto às escolas aponta que cerca de 40% dos pais necessitariam da abertura imediata das escolas por não ter onde deixar os filhos.