Quem viveu os áureos tempos do Carnaval de clubes de Caxias do Sul nas décadas de 1980 e 1990, certamente se lembrará do Reno Piscina Clube. Era lá que a festa de Momo começava e terminava na cidade. Quem não viveu, provavelmente agora só verá o tradicional clube em desbotadas fotografias. Com uma dívida que gira em torno de R$ 1,3 milhão, sem receita do quase inexistente quadro social e com a imponente sede campestre no bairro Desvio Rizzo completamente abandonada, o Reno caminha a passos largos para virar apenas história.
— Como tem acontecido com muitos outros clubes, o Reno está tendo o mesmo destino. Sabe quantos pagantes nós temos hoje? Nenhum, zero. Só temos 400 sócios remidos (quando não há cobrança de mensalidades) — lamenta o atual presidente, Volmar Locatelli.
Más administrações e decisões equivocadas são apontadas como as principais causas para a derrocada. Tantos problemas acabaram respingando também nos associados, que sequer ficaram sabendo, por exemplo, que a sede campestre não abriria nesta temporada de verão.
— Minha família é sócia há muito tempo e no ano passado frequentamos e estava tudo normal. Nesta temporada nos surpreendeu que chegamos lá (na sede campestre) e tudo estava abandonado, tomado de mato. E no administrativo ninguém atende o telefone — destaca Luciane Brandão, 40 anos, que tem o título há três anos e costumava frequentar o clube com o marido, Marcelo, 45, e a filha, Mariane, 16.
— Tem outras pessoas da minha família que já têm 30 anos de Reno — complementa.
As duas linhas telefônicas foram cortadas por falta de pagamento. Muitas vezes, também é preciso apelar para empréstimos para evitar que a luz acabe. Quem toma conta da sede da Rua Tronca e é responsável por atender aos sócios é Valter Giacomelli. Mas só “de vez em quando”, como ele mesmo faz questão de frisar.
— Eu dou uma passada aqui, mas não fico o tempo todo. Estou usando meu telefone pessoal para tentar ajudar. Dá uma tristeza de entrar naqueles salões e lembrar de como era e o que virou o Reno — resigna-se.
A maior parte da dívida é com o restaurante da sede administrativa. Conforme Jorge Luiz Provenzi, 66, sócio do clube há 40 anos e “faz, mas não faz” parte da atual direção, o proprietário, que começou alugando o espaço antes de adquiri-lo, costuma emprestar dinheiro aos dirigentes do Reno e chegou a propor a compra da parte inferior, que pretendia transformar em estacionamento, para que a dívida fosse quitada.
— Vender uma parte do clube é demais. O cara entrou como ecônomo e já é quase dono de tudo. Tem que fazer um ginásio, uma cancha de bocha, um restaurante na sede. Entregar chave por chave. Aqui em cima (na Tronca) não dá para fazer nada. Não é fácil. Fazer reunião para que? De que jeito vamos colocar as contas do Reno em dia? Não há de onde tirar dinheiro. Nunca mais — lamenta Provenzi.
Outras alternativas estão sendo discutidas para que o Reno, que elegeu até rainha da Festa da Uva — Silvia Slomp, em 1986 —, não fique na memória. A incorporação ao Recreio da Juventude, que em 2011 adquiriu o Clube Guarany, vem sendo ventilada. A venda de todo o prédio na Tronca para concentrar os investimentos na sede campestre seria outra possibilidade.
Enquanto isso, o Reno dos animados Carnavais padece. Cada dia um pouco mais. E talvez não reste mais fôlego para chegar ao enterro dos ossos.
Recreio da Juventude nega negociação
O presidente do Recreio da Juventude (RJ), Paulo Henrique Marchioro, confirma que o clube foi procurado duas vezes pela direção do Reno. Mas, pelo menos por enquanto, nega a existência de qualquer negociação para uma possível incorporação. O RJ está, sim, com o foco na expansão, mas se concentra em outra negociação.
— Eles chegaram a nos procurar, mas não tinham nenhuma informação precisa em mãos, uma análise financeira, por exemplo. Dessa forma, não temos nem como apresentar qualquer coisa ao nosso conselho — diz Marchioro.
Apesar de não descartar a possibilidade de uma futura aquisição, o presidente do RJ não vê, hoje, a possibilidade de concretização aos moldes do que ocorreu com o Clube Guarany, em 2011. Com 19 mil sócios e um Conselho Deliberativo composto por 60 pessoas, o RJ pensa na construção de novos ginásios para a prática de esportes e, por isso, está trabalhando para a aquisição de uma outra área da cidade.
— Estamos fazendo um investimento grandioso, pois precisamos expandir, essa é nossa prioridade atual. Estamos estourando as vagas para novos sócios porque não temos mais espaço para comportar tanta gente — salienta o dirigente.
Segundo o presidente do Reno, Volmar Locatelli, os documentos e dados requisitados pelo RJ estão sendo providenciados e confia que possa ocorrer um avanço nas conversas.
— Eles querem saber o quanto o clube deve. Se o negócio que pensamos avançar, convocarei uma assembleia para expor a situação e apresentar a proposta. Se eles (sócios) acharem ruim, que assumam — dispara.
"Só quero que respeitem os sócios"
Presidente nos tempos áureos do Reno, Delmo Schemes, 67 anos, foi um dos responsáveis por incorporar a maior fonte de receita ao clube, nos animados bailes de Carnaval nos anos 1980 e 1990. Ele assumiu o clube em 1979 e permaneceu no cargo por 18 anos. Agora, como um dos 400 sócios remidos, mostra preocupação com o futuro do clube que ajudou a erguer. Confira os principais trechos da entrevista concedida ao Pioneiro:
Pioneiro: Como começou a sua relação com o Reno?
Delmo Schemes: Fui eleito presidente em 1979 e fiquei até 1997. Mas entrei com 17 anos. A sede era na (Rua) Visconde de Taunay. Passei pelos conselhos deliberativo e fiscal, fui tesoureiro por dois mandatos e, com 26 anos, me tornei presidente.
O que o levou a se candidatar à presidência?
Desde àquela época o pessoal brigava. Um queria fazer uma coisa, outro queria fazer outra. Aí, 30 dias antes de uma eleição, criei uma chapa intermediária, para tentar aglomerar as duas frentes. Ganhei a eleição. Sempre tive liderança. Me criei sozinho, tive que ser criativo em tudo. Não foi diferente no clube.
O que você pode falar do início do seu mandato?
O clube se mudou para a (Rua) Tronca. Já existia a sede campestre. Seis meses depois que assumi batalhei para realizar um sonho, que era a compra do terreno ao lado da sede. E consegui. Financiei em cinco anos. Penhorei tudo o que tinha e resolvi que ia fazer um clube novo. Fomos demolindo por etapas. Fazíamos festas no antigo e, conforme ia ficando pronto, transferíamos para o novo. Foram 10 anos para inaugurar.
Quantos sócios havia quando você assumiu?
Tínhamos entre 1 mil e 1,5 mil. E vendemos só 200 títulos remidos. Depois, nunca mais fiz (vendas de títulos). Quando saí a gente tinha cerca de 5 mil sócios.
O Carnaval sempre foi o forte do Reno. A festa começava e terminava no clube...
O Carnaval mantinha o clube. Criamos um modelo que lotava as cinco noites. Íamos até a quarta de manhã. Ainda fazíamos o enterro dos ossos. Lotavam todos. A estratégia era a criatividade. Na sexta, domingo e segunda mulheres não pagavam. A fila para entrar ia até a esquina do quartel. Tínhamos que encerrar a venda de ingressos e voltar a vender aí pelas 2h, 3h da manhã.
Além disso, tínhamos um bom conjunto, o Ego Mecanoide. Aí começaram a dizer que eu estava ganhando em cima deles. Nunca peguei um centavo. Tínhamos um andar intermediário com área de alimentação. Ali fazíamos cachorro quente, sanduíches... E servíamos sopa de agnoline. Porque o pessoal tomava uns tragos, ia comer uma sopa e voltava inteiro.
O que mais pode ser destacado da época?
Tínhamos uma boate que era um luxo, a Baviera. Eles entraram e desmancharam tudo. Na sede campestre foram mil caminhões de terra para construir o campo de futebol. E elegemos uma Rainha da Festa da Uva (Silvia Slomp, em 1986).
Tudo isso demandava tempo... Como conciliava?
Um mês antes do Carnaval não trabalhava na minha empresa. Eu ia divulgar o Carnaval nas rádios, jornais... Foi o auge. E isso parece que causa mágoa nessas mesmas pessoas que estão quebrando o clube hoje.
O que você considera que foi feito de diferente após você deixar o clube?
Foi mantido um modelo semelhante nos dois primeiros anos, mas depois começou a cair. Trocaram o conjunto, pegaram uma bandinha baratinha. Resultado: quem vinha, não gostava. Aí o Carnaval começou a dar para trás. E não tendo o dinheiro do Carnaval, começou a faltar. Não tinha mais atrações.
Começaram a dar títulos remidos para um cara vender. Todos os contribuintes viraram remidos. Aí terminaram de se matar. Não tinha Carnaval, não tinha receita de sócios.
E começaram a vender patrimônio. Acabaram com o que estava dando certo e não criaram nada novo. E me taxaram de ladrão. Então eu era um milagroso, pois se depois de tudo que construí sobrasse dinheiro para roubar, só podia ser milagroso.
O que você acha que é preciso ser feito para reverter a situação atual do clube?
Eles que criem vergonha e parem de iludir o associado. Eles não têm o direito de vender patrimônio. Se não têm competência, deem lugar para outros. Sugiro que façam uma assembleia, convoquem associados, ex-associados, ex-presidentes, ex-dirigentes, que vá todo mundo lá e se forme uma comissão de 100, 150 pessoas para ver o que pode ser feito. Passei sacrifício para manter o clube. Não só eu, mas gestões anteriores também. O meu objetivo alcancei e entreguei o clube em dia. Só quero que respeitem os sócios. Tudo o que foi feito não valeu de nada? Eles estão sendo irresponsáveis. Viram que erraram e não tiveram a humildade de reconhecer.
Qual o seu sentimento com a atual situação do Reno?
Isso me causa tristeza, revolta. Tive que ouvir muita bobagem. E sabia que estava indo para o brejo porque as pessoas vêm me falar. Nunca fugi de sócios. É assim que tem que ser. O presidente não pode ficar escondido do associado. Eles têm que se abrir, chegaram em uma encruzilhada, não há alternativa. Ou abrem o coração para sócios, ex-sócios e antigos dirigentes ou o clube irá terminar.
Você acha que o clube ainda pode se reerguer?
Sim. Primeiramente, é preciso negociar a dívida. Se for formada essa comissão e voltar a abrir a sede campestre tu já voltas a ter receita. E que seja facilitado o retorno dos sócios. Os remidos precisam contribuir. E todos precisam trabalhar sem cobrar um centavo. Além disso, é preciso se atualizar. Tem que dar opções para o pessoal mais novo, de 15 a 30 anos. Tu tens que pensar neles. O esporte é uma outra forma primorosa. E o Reno tem tudo lá para fazer. A única coisa que promovem é campeonato de canastra. Nada contra, mas só velho vai em campeonato de canastra.
Você voltaria para a direção, se fosse chamado?
Ainda tenho liderança. Só eu consigo trazer no mínimo 100 associados de cara. Seguido estão pedindo para eu voltar. Não voltaria por cargo, mas para ajudar o clube a se reerguer. Dediquei um terço da minha vida ao Reno. Poderia estar com minha empresa muito maior. Larguei tudo para trabalhar pelo clube.