O abandono ou falta de uso de prédios em Caxias do Sul é um convite a vândalos e usuários de drogas, como episódios recentes de incêndio têm mostrado. A União das Associações de Bairros (UAB) apontou três prédios, atualmente, sem uso em diferentes regiões da cidade que já foram alvo de vandalismo ou furtos e seguem em risco. Um deles é a antiga sede da Associação de Moradores (Amob) do bairro Cruzeiro, que fica na Praça Avelino Manoel Avrela e foi incendiada no dia 11 de abril. Os outros dois são o antigo Centro Educativo Esperança, no bairro Aeroporto, e o antigo Lanifício Sehbe, onde funciona o Centro Comunitário de Galópolis e que foi lacrado após uma vistoria dos bombeiros no dia 12 deste mês.
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A antiga Amob do Cruzeiro não é utilizada desde 2016, quando a associação de moradores deixou o espaço, em condições precárias de estrutura, para ocupar o módulo da Brigada Militar que estava desativado no bairro. Além de o espaço do módulo ser maior, há uma situação de insegurança na praça do bairro Cruzeiro, frequentada por usuários de drogas.
Segundo o presidente do bairro, Nelson Acioli Vieira Filho, a Amob enviou ainda em 2017 uma documentação à prefeitura sugerindo que a associação voltasse a ocupar o espaço em conjunto com um posto da Guarda Municipal pela questão da segurança.
— Para isso, seriam necessárias reformas da prefeitura naquela casa, que a associação não tem dinheiro para fazer. Essa ocupação seria uma forma de reduzir a insegurança no local — defende.
A prefeitura de Caxias do Sul não definiu ainda o que será feito no bairro e nem prazos para isso, mas afirma que "está estudando a forma de ocupação dessa área, realizando levantamentos entre as secretarias municipais para adequação do terreno com alguma demanda de equipamento público".
Com relação ao antigo centro ocupacional do bairro Aeroporto, os dois prédios desse centro, o de dois andares, que abrigava as salas com atividades, e o menor, de um andar, onde ficava o refeitório, estão desocupados desde abril de 2016 com a promessa de reformas, o que até hoje não ocorreu.
Conforme o presidente da UAB, Valdir Walter, houve furtos sucessivos de materiais dos prédios. A presidente do loteamento popular Aeroporto, Sara Ferreira Scarsi, diz que recebeu contato da Fundação de Assistência Social (FAS) na última quarta-feira (17) pela primeira vez com uma perspectiva de uso da área.
Segundo a FAS, o serviço fechado em 2016 reabre em julho deste ano. O edital já foi publicado e o local vai abrigar um serviço de convivência e fortalecimento de vínculos para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos, com 80 vagas.
Já o Centro Comunitário Galópolis, onde funciona a Associação de Moradores do Bairro, o Clube de Mães e uma ONG de proteção animal no antigo prédio do Lanifício Sehbe, está lacrado há mais de uma semana. O prédio foi interditado após uma vistoria dos bombeiros, que apontou alta probabilidade de incêndio.
A interdição ocorreu no dia 12 de abril, um dia depois de uma audiência judicial no prédio definir que a prefeitura e as associações terão 60 dias para elaborar um projeto de restauração da estrutura.
As associações entraram na Justiça com um pedido para que a interdição seja suspensa, e ainda aguardam uma definição. Os moradores querem, pelo menos, entrar no prédio para recuperar documentos e materiais aos quais não podem ter acesso.
A primeira notificação da prefeitura solicitando a desocupação do lanifício foi em 2018. Ainda no ano passado, em novembro, as associações obtiveram do Ministério da Cultura o reconhecimento como "ponto cultural" para o prédio, o que poderia permitir recursos federais para restauração. Mas, segundo a associação de moradores, seria necessário um convênio com a prefeitura, já que o prédio pertence ao município, o que não teve andamento.
Em fevereiro deste ano, a prefeitura notificou as associações novamente para que deixassem o antigo lanifício com base em uma análise na estrutura feita por engenheiros do município em outubro de 2018, a partir de uma notificação dos bombeiros. Informados dos dados dessa análise, os bombeiros compareceram justamente no dia 12 de abril, um dia depois da audiência em que foi feita também uma vistoria da juíza Maria Aline Vieira Fonseca, da 2ª Vara da Fazenda Pública, no local.
A associação de moradores afirma que se dispõe a fazer o projeto de restauro com recursos que ela mesma arrecadaria e com profissionais dedicados ao tema do lanifício.
Sobre essa situação, a prefeitura diz que "a estrutura está muito precária e insegura, por isso, a prefeitura cessou o uso do local. No entanto, a questão agora está na Justiça, uma vez que entidades querem voltar a ocupá-lo. Somente após o desdobrar dessa situação judicial a prefeitura irá se manifestar sobre utilização da área".
Terrenos em disputa
Segundo a UAB, 34 associações de moradores citadas pela prefeitura desde 2017 para desocuparem os prédios do município estão mantidas nas sedes em conjunto por liminares em duas ações diferentes, além de uma terceira ação que envolve a sede da UAB e a UAB Cultural. Contando com a ação voltada ao lanifício de Galópolis, são 35 associações de bairros. O município planeja instalar postos de saúde, creches, serviços públicos novos ou que funcionam em prédios alugados.
Também há outras ações individuais de reintegração de posse feitas pela prefeitura tendo como alvo algumas das associações que também estão envolvidas nas ações coletivas. Uma delas foi a do Loteamento Vila Romana, em que a administração municipal definiu que irá instalar uma Unidade Básica de Saúde.
Nesse caso, a decisão liminar da juíza Maria Aline foi favorável à prefeitura, que tomou a sede da associação de moradores no dia 9 de novembro de 2018 e iniciou a demolição do prédio. Segundo o diretor jurídico da UAB, Lucas Diel, a decisão da juíza se baseou no fato de que o município tinha um projeto concreto já estabelecido e que atendia o interesse público. Mas reclama que o prazo previsto para recurso não foi respeitado. Na ocasião, segundo a associação local, foi dado o prazo de 15 dias para recurso, mas o espaço foi tomado dois dias depois.
— Ao demolir o prédio, a prefeitura eliminou o objeto da ação. Então, sobre o que podemos discutir, se não tem mais o prédio? — lamenta Diel.
Uma das atividades realizadas no local era oficina de capoeira para crianças e adolescentes do bairro. O terreno ainda aguarda o começo de uma obra.
O município afirmou, ainda em novembro, que dará início em 2019 à construção de um novo modelo de Unidade Básica de Saúde neste local, e a previsão é entregar essa unidade até o fim de 2020. Conforme a Secretaria do Planejamento (Seplan), o desmanche do prédio da associação foi necessário porque os custos para adequar a estrutura seriam superiores à construção de um prédio novo. A Seplan afirma ainda que o terreno onde ficava a associação de moradores é mais bem localizado e, por ser plano e ter pouca vegetação, facilita a construção.
Segundo a prefeitura, nesse modelo de UBS proposto, haverá salas de espera diferentes, e não uma mesma sala para todos os serviços oferecidos, independentemente de se tratar de consultas, retirada de medicamentos, vacinas, ou curativos. O custo estimado é de R$ 1,7 milhão.
Em outro espaço, no loteamento Mariani, a Justiça manteve com a comunidade por liminar a sede da escola de samba Acadêmicos do Pérola Negra, construída em uma área verde próximo à escola municipal Paulo Freire. Segundo o presidente da UAB, Valdir Walter, atividades são desenvolvidas fora do período de Carnaval.
— São realizadas oficinas ali ao longo do ano para cerca de 80 crianças — conta.
Sobre este caso, a prefeitura explica que o processo ainda corre no Judiciário. Segundo o município, trata-se de uma "Área Não Viária de Uso Público, onde só podem ser construídos equipamentos públicos". Por isso, segundo a administração municipal, "é preciso retomar o espaço para uso da prefeitura para poder analisar tecnicamente a melhor forma de ocupação".
Atualmente, com a demolição da Amob do loteamento Vila Romana no ano passado, há ao todo 64 sedes de associações. Nem todas são alvo de ações judiciais. O número de presidentes de bairros é superior ao número de sedes na cidade: são 195 representantes comunitários em Caxias.
Em geral, sobre os locais atualmente utilizados por associações de moradores que a prefeitura entenda que estejam com algum risco estrutural ou eventual ociosidade, o município diz que "o foco da administração é retomar os locais que estejam com uso irregular para que possam ser feitos estudos nas estruturas a fim de que elas passem a comportar equipamentos públicos". E ressalta que "não há como fazer um estudo preciso sem que a estrutura esteja desocupada".