O bairro Desvio Rizzo fica a mais sete quilômetros do espaço de lazer mais próximo da área central de Caxias do Sul, o Parque Cinquentenário. Há pouco mais de uma década, no entanto, isso deixou de ser problema: em novembro de 2008, a prefeitura entregava à comunidade de um dos bairros mais populosos da cidade a revitalização do Parque Demétrio Monteiro da Silva, mais conhecido como Parque da Lagoa do Rizzo. Na época, foram investidos cerca de R$ 490 mil com a implantação de pistas para caminhada, ciclovia, bancos, lixeiras, bebedouros, parque infantil e jardins.
O que era até então uma lagoa cercada por mato ganhou aspecto convidativo e comunitário. A urbanização foi baseada em projeto criado pelo Escritório Modelo do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Caxias do Sul (UCS), o TaliesEM.
Ao longo de 10 anos, o local teve dias ruins decorrentes da falta de manutenção e de cuidados, tanto por parte da população quanto do poder público. Hoje ainda apresenta alguns problemas, com falta de roçada em determinados pontos, lixo descartado irregularmente e parte da estrutura danificada. Porém, em seus melhores dias, faz jus em ser o principal ponto de referência do bairro e um dos lugares mais bonitos da cidade.
— O pessoal já vinha antes, mesmo quando não tinha estrutura, mas desde que foi revitalizado passou a ter muito mais frequentadores. Eu passo dias inteiros aqui. Gosto muito de pescar. Tem vezes que fico até de noite — comenta o motorista Ricardo Chaves, morador do Desvio Rizzo há quase 40 anos.
Chaves e a família fizeram da ida ao parque um hábito. O filho Adriano, cinco anos, é parceiro recorrente dos passeios.
— Gosto de pescar, gosto da água, dos patos e dos brinquedos — comenta o menino.
Além da lagoa que dá o visual característico de parque, a arborização também agrada os frequentadores. A mata, plantada em boa parte pelos próprios moradores, é diversificada (com predominância de araucárias) e cria pontos de sombra pelo parque.
— Aqui tem água, o que é muito importante. As árvores garantem a sombra e esse ventinho fresco. O poder público poderia investir mais em lugares assim — acredita Maria Jussara, moradora do bairro Colina Sorriso, que frequentava pela primeira vez o local quando a reportagem esteve lá.
Conforme estimativa da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), cerca de mil pessoas passam pelo Parque da Lagoa aos finais de semana, o que torna um dos espaços públicos de lazer mais frequentados da cidade.
Para contemplação
Mesmo durante a semana, à tarde, é comum ver dezenas de pessoas aproveitando o local, especialmente para mera contemplação. Alguns, entretanto, sequer precisam sair de casa para isso. A aposentada Cirlei Botega morava no Centro de Caxias, mas sempre frequentou o Rizzo para visitar amigas. Há um ano, ela decidiu se mudar para o bairro.
— Sempre que eu vinha para cá, via um prédio em construção junto à lagoa e comentava que um dia moraria lá. E foi o que fiz — diz Cirlei, que hoje reside num dos prédios mais altos nos arredores da lagoa e conta com uma visão panorâmica privilegiada.
Ela acrescenta que, um ano depois, ainda não cansou do cenário.
— Todas as manhãs, a primeira coisa que faço ao acordar é abrir a porta da sacada e olhar para a lagoa.
Ainda desconhecido de parte dos caxienses
"Fica perto da lagoa" é uma resposta recorrente de moradores quando perguntados sobre a localização de algum ponto específico do bairro. Apesar de ter se tornado referência na região e dos seus consideráveis 73.315 metros quadrados, o espaço é desconhecido para muitos caxienses.
— As pessoas nem imaginam que possa existir lugar assim ali. Depende de como você chega na lagoa, ela é uma surpresa. Está subindo a rua e de repente aquilo se deslumbra na sua frente — diz um morador das proximidades, Luís Carlos Rossini.
Se as demais regiões são de certa forma distantes para moradores do Rizzo, o mesmo pode ser dito sobre o caminho inverso. Muitos caxienses optam por áreas mais centrais, especialmente quem reside nas zonas leste e norte, que acabam frequentando lugares como Parque dos Macaquinhos, Universidade de Caxias do Sul (UCS) e Jardim Botânico.
— Moramos em Caxias por quase três anos e tínhamos vindo (na lagoa). Agora voltamos a passeio e decidimos visitar. Muito legal, devíamos ter vindo antes — comenta a vacariense Simone Corrêa de Oliveira.
— Também estou vindo pela primeira vez. Tantas coisas na cidade e a gente não sabe ou não frequenta porque não imaginamos como possam ser tão legais — destaca Vânia Freitas de Oliveira, moradora do bairro São Caetano.
De potreiro de frigorífico à lavagem de carros
A primeira escavação da Lagoa do Rizzo ocorreu em 1966, na época com o objetivo de abastecer o Matadouro e Frigorífico Rizzo, além de ser um banhado para os animais. Posteriormente, constatou-se contaminação da água e proibido seu uso. Mais tarde, a empresa decidiu lotear o perímetro que circunda a lagoa, que passou a domínio público.
No decorrer dos anos, os moradores tomaram o espaço para si, transformando-o em ponto de encontro. Foi a própria comunidade, também, que cercou. A partir de então, o espaço passou a ser progressivamente utilizado como lazer e aprimorado como estrutura. Até que, em 1993, foi denominado Parque Municipal Demétrio Monteiro da Silva.
Mas quem foi Demétrio?
— Uns diziam que era biólogo, ambientalista... Que nada, era um simples funileiro que no final dos anos 1950 participou da derrubada da mata nativa entre Caxias e Farroupilha para o plantio de eucaliptos. Lá pelos anos 1980, ele começou a perceber os absurdos que tinham feito e passou a ir no mato coletar sementes de árvores nativas, colocar em latinhas e distribuir para os moradores do bairro. Foi um grande defensor da natureza nos últimos anos da vida e ajudou a reflorestar boa parte do Rizzo — conta o morador Luís Carlos Rossini.
O próprio Demétrio não chegou a usufruir do espaço como ambiente de lazer. Pelo contrário, quando era vivo, a lagoa não passava de um banhado. Foi a partir de 1993 que o uso do espaço se tornou mais recorrente. Porém, nem todos souberam utilizá-lo de forma ponderada.
— Tinha uma época que levavam os carros para lavar ali, inclusive entravam com os veículos na lagoa. Havia gente também que andava de jet ski. Sem contar a grande quantidade de árvores que furtavam. Chegaram a plantar 500 araucárias, mas a população foi se apropriando para montar pinheirinhos de Natal — comenta Rossini.
Comunidade determinada
Nomear o parque por um dos personagens do bairro foi mais um dos atos simbólicos com influência do envolvimento da comunidade na apropriação do espaço. Logo após instituírem a área, a Associação de Moradores iniciou a promoção de gincanas, sempre objetivando melhorias no parque. Foi dali também que surgiu o Clube de Mães Santa Rita de Cássia. O engajamento da população foi voluntário e fez a diferença para a humanização que tornou o espaço o que é hoje.
— Resolvi parar de trabalhar formalmente em empresas e me dediquei a fazer roçadas e limpezas (no parque), no final da década de 1990. Passamos a criar gincanas e sempre colocávamos tarefas relacionadas à lagoa, como colocação de alevinos e plantio de árvores. A maior parte das árvore foi plantada por equipes de gincanas — ressalta Rossini.
Foi por meio da mobilização comunitária, inclusive, que os moradores conseguiram recurso e mão de obra para construir e implantar a unidade do Corpo de Bombeiros junto ao parque, em 2002. A medida ajudou a coibir o alto índice de mortes por afogamento que ocorriam ali. Segundo reportagem do Pioneiro na época, os moradores contabilizavam mais de 15 mortes no local. Hoje, ninguém usa a lagoa como balneário.
Pesca desregrada e lixo são problemas
A última revitalização realizada no espaço foi em 2016, no governo de Alceu Barbosa Velho (PDT). Algumas lixeiras estão danificadas, roçadas não são frequentes e o lixo aparenta estar depositado há muito tempo em alguns pontos. A maior parte dos problemas são gerados pela própria comunidade, tanto no descarte irregular de lixo quanto na depredação. Há cocô de cachorro também pelos gramados. No entanto, na opinião do morador Luís Carlos Rossini, um dos maiores problemas é a pesca.
— Nós sempre sugerimos ao poder público desenvolver projeto de repovoamento de peixes e proibir por algum tempo a pesca e depois liberar com regras — diz.
A Secretaria do Meio Ambiente não soube informar à reportagem se a pesca é proibida no local.
— Sempre ressaltamos que é importante a população entender que preservar e conservar espaços como esse é uma responsabilidade compartilhada entre poder público e comunidade. Denúncias sobre o mau uso sempre devem ser feitas à secretaria — comenta a titular da pasta, Patrícia Rasia.
O que poderia melhorar
Foi um projeto desenvolvido por alunos e professores do curso de Arquitetura e Urbanismo da UCS que inspirou e serviu de referência para a revitalização do Parque da Lagoa do Rizzo, em 2008. Desde então, outros trabalhos acadêmicos foram desenvolvidos utilizando o local como case.
Um deles, apresentado como trabalho de conclusão de curso (TCC) para Arquitetura e Urbanismo de Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) em 2018, traz sugestões sobre possível requalificação do parque. Frequentadora do parque desde criança, a arquiteta Kelen Oliveira, criadora do projeto, afirma que sempre gostou das características do local, todavia, percebeu se tratar de um espaço subaproveitado.
— Tem toda uma estrutura com potencial de uso e coisas que valorizem ainda mais a área e atraia mais público. O parque já é bonito, por isso, a ideia seria aproveitar o que tem e tornar ainda melhor — ressalta.
O trabalho compreende seis principais propostas: a criação de uma passarela/conexão entre os dois lados da lagoa; equipamento público multiuso, com espaço para exposições, café e deck; playground; mirante e palco para apresentações.
— A ideia era tornar mais atrativo mesmo. Também sugiro no meu projeto, estrutura para pendurar redes, espaço adequado para pescadores e estacionamento. Acho que daria para qualificar em muito a lagoa — destaca Kelen.
A prefeitura não tem projeto previsto ou intenção de realizar adequações na estrutura do parque.
Ideias do projeto
:: Criação de passarela/conexão em estrutura de madeira entre dois lados do parque
:: Banheiros
:: Equipamento público multiuso, com espaço para exposições, deck e café
:: Mirante sobre reservatórios de água
:: Estacionamento
:: Espaço para food trucks
:: Playground
:: Palco
:: Espaço para colocação de redes e para pescadores