O operador de torno Silvio da Silva Lessa, 43 anos, e a mulher dele, a analista Elizete Terezinha Brambilla Kuser Lessa, 47, tinham realizado havia seis anos o sonho de ter uma casa. Para surpresa do casal, a felicidade se transformou em dor de cabeça. Era julho de 2012, quando uma empresa contratada por uma incorporadora iniciou a construção de um edifício no terreno ao lado de onde ficam o sobrado de Lessa e outros três geminados. A escavação para a obra causou rachaduras nas estruturas das casas, que foram interditadas pelos bombeiros. O caso foi parar na justiça, já teve sentença em primeira instância, mas aguarda decisão de recurso. Lá se vão seis anos que o casal está fora da residência.
Os danos às casas foram percebidos logo que a Recriare Construtora Ltda começou a escavar o terreno onde ficariam os edifícios na Rua Olinda Pontalti Peteffi, no bairro Diamantino. A área fica nos fundos dos quatro sobrados, cuja frente dá para a Rua Barão do Amazonas. Elizete gravou imagens do dia em que a retroescavadeira a serviço da empresa derrubou o muro de divisa dos terrenos. Depois disso, em agosto, o solo desestabilizou, causando desmoronamentos. O piso do pavimento inferior das casas cedeu e grandes rachaduras surgiram nas paredes laterais e nas fachadas. Ainda hoje é possível ver paredes completamente separadas por fissuras com vão de mais de 10 centímetros.
– Tivemos de sair de casa só com a roupa do corpo e documento. Nem os móveis pudemos tirar na época – lembra Lessa.
Era 16 de agosto de 2012. A interdição foi feita pelos bombeiros depois de avaliação nos quatro imóveis. A Recriare chegou a fazer uma espécie de muro de contenção. Mas ele desabou, em outubro. Parte dos móveis também foi perdida por causa das infiltrações. Segundo laudo pericial, há "risco de colapso estrutural parcial para a edificação – uma vez que os danos atingiram (também) elementos de ordem estrutural, como vigas e pilares".
À época, ficou determinado que as famílias alugariam locais para morarem e que a incorporadora, a Júpiter Incorporações e Construções Ltda, pagaria os aluguéis até que houvesse uma solução. O casal Lessa alugou um apartamento no bairro Bela Vista, no valor inicial de R$ 950 mensais. Entre falhas no pagamento e não cobertura do valor total reajustado, a empresa pagou o aluguel até janeiro de 2015. Um ano depois, entrou com pedido de recuperação judicial, ou seja, decretou falência. Nesse tempo todo, um dos prédios foi concluído. O outro está inacabado. Atualmente, Lessa e a mulher moram nos fundos da casa da mãe dele, no Jardim Iracema. Eles contribuem com R$ 750.
– O mais incrível é que faz seis anos e parece que não tem problema, é como se tivesse perdido um par de sapato – lamenta Elizete, referindo-se à lentidão no andamento do processo e à demora por uma solução.
Segundo Lessa, um outro morador também não recebeu o valor dos aluguéis por parte da empresa, acabou sendo despejado e voltou a residir no sobrado, mesmo correndo risco. O Pioneiro tentou contato com esse morador, mas não conseguiu localizá-lo.
Empresa recorreu da sentença
O processo teve sentença do juiz Clóvis Moacyr Mattana Ramos, da 3ª Vara Cível de Caxias, em 16 de março de 2017, quase cinco anos após ter sido ajuizada a ação. Contudo, um mês depois, a Júpiter recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado, que ainda não se manifestou.
– Demorou muito. Claro que os advogados da Júpiter lançaram mão de todos os recursos para retardar a decisão final. Temos de considerar também que o Poder Judiciário anda abarrotado e com deficiência de juízes e outros profissionais que poderiam auxiliar no andamento dos processos – diz o advogado Sétimo Biondo, que representa Lessa.
Biondo entrou com pedido de execução da sentença em fevereiro deste ano.
– Queremos que eles, pelo menos, recuperem a casa, para que a gente possa usufruir ou vender. O que não dá é para ficar nessa situação. Perdemos boa parte da vida, pagando aluguel, dívidas... – desabafa Lessa, contabilizando cerca de R$ 40 mil em gastos relativos ao problema nesses seis anos.
O dono da Recriare, Rodrigo Aver, disse que quem responde por esse caso é a Júpiter. A reportagem entrou em contato com o escritório de São Paulo que representa a empresa, mas eles não se manifestaram até o fechamento desta edição.
O que diz a sentença
:: Que ambas as empresas – Júpiter Incorporações e Construções Ltda. e Recriare Construtora Ltda. – têm responsabilidade pelos danos causados nos sobrados, que "decorreram justamente das ações das rés, que se mostraram imperitas e negligentes".
:: Refere laudo feito por perito judicial que apontou que "a deformação dos elementos não pode ser atribuída a eventos climáticos, mas sim a falhas nas etapas de planejamento, projeto e execução das escavações e contenção".
:: Determinou que as empresas fizessem os reparos necessários nos imóveis apontados no laudo pericial para se tornem habitáveis e estabeleceu multa em caso de descumprimento.
:: Ainda determinou à Júpiter o pagamento dos aluguéis às famílias, incluindo valores de IPTU, condomínio e garagem.
:: E estipulou pagamento de indenização por parte da Júpiter por dano moral no valor de R$ 20 mil para cada família. Valor a ser corrigido pelo IGP-M desde a data da sentença, acrescido de juros de 1% ao mês a contar da citação.